Se, há 10 anos, a conversa sobre sustentabilidade estava reservada para os cinco minutos finais das reuniões com os grandes investidores – questões vagas relacionadas com as cadeias de abastecimento ou os direitos humanos – hoje, 95% das conversas centram-se na gestão, incluindo os fatores ESG – ambiente, social e governança. “Porquê? Porque na lógica do investidor, a forma de criação de valor para o futuro mudou”, conta Miguel Coleta, diretor de Sustainbility, Activation & Support da Philip Morris.
Para o responsável da tabaqueira, a alteração de circunstâncias, como a aproximação dos limites físicos do planeta ou a intensificação de fenómenos de desigualdade, obrigam a redefinir o que é a criação de valor. “As empresas existem para criar valor e, para isso, têm de ter métodos de funcionamento que lhes permitam responder a essas mudanças de circunstâncias. Portanto, as empresas têm de repensar o seu modelo de negócio. A revolução silenciosa, que eu creio que está a acontecer, é a incorporação dos valores ambientais e dos fatores sociais na análise de estratégia da empresa, por via da dinâmica do mercado”.
Miguel Coleta, Rita Nabeiro, administradora do Grupo Nabeiro, e Rita Abecassis, administradora da Galp, juntaram-se este domingo em mais uma edição do VISÃO Fest para refletir sobre o que implica hoje, para as empresas, ser sustentável – Uma Revolução Silenciosa a Acontecer nas Empresas. O desafio tem tanto de considerável como de inexorável. Um caminho sem retorno, para o qual a responsável do grupo de Campo Maior defende uma nova cunhagem.
Rita Nabeiro recorda as palavras do avô: “Nas empresas, o ideal era ganharmos dinheiro com uma mão aberta”. Ou seja, “não temos de ficar com tudo para nós”. Frisa que sem sustentabilidade financeira não existe margem para o investimento, social e ambiental, mas, para o grupo fundado nos anos 60 no Alentejo, a responsabilidade de uma empresa está longe de se esgotar no lucro. “Temos um percurso de olhar pela comunidade onde estamos inseridos”, afirma a responsável.
Desde logo, pela atividade económica, geradora de emprego e de bem estar social e económico, numa região do interior do país que conhece bem os desafios da desertificação, do abandono e da baixa natalidade. O grupo tem obra social, de apoio à comunidade através de associações – Coração Delta ou o centro educativo Alice Nabeiro – com trabalho desenvolvido nas áreas da saúde, educação ou desporto, sem esquecer as comunidades produtoras da matéria-prima, com as quais trabalha diretamente, em países como o Gana ou a Tanzânia.
Um fim de linha tantas vezes esquecido, pela distância ou ignorância. Na Philip Morris, o alerta chegou há 12 anos, na capa do The New York Times: “Marlboro feito com trabalho infantil”. “É obviamente inaceitável sob todos os pontos de vista. Comprávamos tabaco em cerca de 30 países, e tínhamos um conjunto de regras internas. Contudo, a realidade estava ali”, recorda Miguel Coleta.
A necessidade de aumentar a visibilidade sobre o primeiro produtor forçou a multinacional a alterar a forma de adquirir o tabaco: “Atualmente, praticamente todo o tabaco que compramos é com contrato direto com o produtor. Temos pessoas no terreno, que visitam a produção, que percebem o que é que preciso melhorar, quer do ponto de vista social, quer ambiental, e com isso conseguimos um impacto muitíssimo maior do que apenas através de fundos dedicados a programas comunitários”.
Uma petrolífera a caminho da descarbonização
Na Galp, a meta está traçada: “Chegar a 2050 100% descarbonizados, no que produzimos e no que vendemos”. Para Teresa Abecassis, o caminho implica muitas vezes um trade-off, entre o lucro imediato e o investimento em projetos de energia verde, com retornos consideravelmente menores. Mas lembra: “Não estamos a construir um negócio para amanhã, estamos a construir um negócio para daqui a muitas décadas”.
Às empresas pede-se investimento – em infraestruturas, inovação e tecnologia – ao Estado, celeridade e estabilidade. “O Estado tem um papel fundamental neste processo de transição energética, desde logo em assegurar a estabilidade do contexto regulatório no qual os investimentos são feitos e em assegurar que não existem obstáculos burocráticos, ineficientes, que não acrescentam qualquer valor à economia, e que impedem que os investimentos se façam com a velocidade a que têm de ser feitos”.
Refere-se, mais concretamente, aos processos de licenciamento de projetos de energias renováveis, notando que a transição energética é física.
A responsável da petrolífera destaca ainda a necessidade de capitalização das empresas para realizar os investimentos: “Obviamente, uma carga excessiva de impostos – não poderia dizê-lo de outra forma – não é boa para a capitalização das empresas que precisam de fazer este investimento”.
Sem aludir diretamente ao recente imposto sobre lucros extraordinários no setor energético, Teresa Abecassis concede que “faz todo o sentido exigir-se mais das grandes empresas – sempre se exigiu e deve continuar a exigir-se”. No entanto, diz, “tem de se exigir no sentido certo. O que tem de se pedir hoje às empresas é que elas invistam na transição energética. Esse é o sentido do esforço”.
Ser, antes de parecer
Às empresas pede-se a antítese da mulher de César: “É importante sermos, antes de parecermos”, afirma Rita Nabeiro. A afirmação de valores ambientais e de práticas sustentáveis sem correlação efetiva com as práticas da empresa já foi cunhada – “greenwashing”. Segundo os empresários e gestores, a desconfiança combate-se com ações e métricas concretas.
“Temos um conjunto de objetivos que acordamos e comunicamos, temos KPIs para medir o progresso, e é aí que a credibilidade se estabelece. A conversa sobre sustentabilidade com os stakeholders tem de ser objetiva, ancorada em estratégias e métricas claras, com transparência, que nos permitem saber se, em cada ano, a empresa está a cumprir os objetivos”, explica Miguel Coleta.
Para Teresa Abecassis, será uma questão de consistência: “Hoje podemos afirmar que somos um dos maiores produtores de eletricidade a partir de energia solar na Península Ibérica; temos um dos maiores portefólios de energia renovável no Brasil. Não vale a pena dizer, “eu vou fazer”. Temos de dizer, “nós fizemos”.