É a relação entre Economia e Planeta de conflito insanável? Esta foi a pergunta de partida para uma conversa que juntou dois economistas, António Nogueira e Leite e Manuel Caldeira Cabral, e uma professora catedrática, Helena Freitas, em mais uma edição do VISÃO Fest, este ano dedicado a pensar o futuro – uma “Visão do Amanhã”.
O alinhamento entre sustentabilidade e políticas económicas é essencial, frisa a especialista catedrática, “e penso que, hoje, essa necessidade já é percebida de forma transversal, mas estamos ainda muito longe de conseguir fazer a transição de que precisamos”. Se a consciência existe, o caminho nem sempre é claro.
António Nogueira Leite rejeita a visão de que “temos de voltar a uma sociedade que tivemos no passado, por forma a podermos ter uma vida sustentável. Acho que as dinâmicas sociais não o permitem”. Defende, por isso uma abordagem científica e tecnológica com potencial para criar uma sociedade e uma economia com menor impacto no planeta, num desafio que considera ser “absolutamente prioritário” e sobre o qual “temos feito muito menos do que aquilo que é preciso fazer”.
“Teremos uma pior economia no futuro se não conseguirmos resolver os impactos que a economia tem atualmente no ecossistema, sobre a sociedade e o planeta”. Algo que vai condicionar o caminho, “mas isso não significa que os nossos netos ou bisnetos tenham de viver pior. Temos de mudar os comportamentos mas isso não implica ter que regredir”.
A economia é, per si, a ciência de gestão de recursos escassos, para a qual Manuel Caldeira Cabral advoga uma abrangência global. Um desafio que, segundo o economista, pode ser encarado de três formas: regulamentando e criando restrições; através de incentivos; e através da inovação.
Sendo o desafio global, será a inovação, além da cooperação internacional, a resposta com maior potencial, defende. “Se impusermos medidas fortes na União Europeia (UE), como estamos a fazer, teremos um impacto muito pequeno – em muitos aspetos a UE é responsável por apenas cerca de 10% da poluição mundial. Temos de desenvolver esforços para encontrar inovações tecnológicas que não nos sirvam apenas a nós, mas sirvam de solução a nível global”.
O economista destaca ainda a necessidade de reforçar os elos de cooperação internacional, uma plataforma da qual, diz, os EUA e a UE se demitiram nos últimos anos. “Investindo aí, a Europa pode ter muito mais resultados em termos de aquecimento global do que só investindo em si própria”.
Tempos de “convulsão social”
O momento é crítico e as implicações de uma agenda de sustentabilidade que se revele ineficaz vão muito além das implicações climáticas. Helena Freitas recorda a seca na Síria, entre 2006 e 2011, cujos efeitos na organização da sociedade e na própria agricultura local conduziram a um conflito regional, com impacto geopolítico global. “Hoje os problemas ambientas são isto. São problemas de fome, de poluição, de conflito… São problemas profundos de desigualdade”.
A especialista sublinha que “hoje todos temos a perceção de que precisamos de fazer um caminho diferente, um caminho onde não necessitamos de explorar da mesma forma absurda, desigual, desonesta, sem ética, os recursos naturais” e recorda que “estamos perante escolhas que são determinantes para o nosso futuro”. Considera que existe, nas agendas política e económica, uma sensibilidade alargada: “Mas já é tempo de mudar.”
Uma via possível, defende António Nogueira Leite, seriam os mecanismos da Organização Mundial do Comércio, que permitissem conduzir países relativamente desenvolvidos, mas pouco interessados na agenda da sustentabilidade, a aderirem a esta agenda. “Não no sentido de impedir o acesso a determinados mercados, mas ter mecanismos de preços e de restrições de quantidade que seriam menos onerosos se a política ambiental fosse mais em linha com o interesse global do planeta”. O economista conclui: “Os dirigentes políticos europeus e norte-americanos nunca conseguiram impor esta agenda. Provavelmente muitos não se esforçaram”.
Uma agenda com vários vetores de atuação e que “começa, e bem, a ser cada vez mais percecionada, como a agenda que nos permitirá caminhar para a nova sociedade, aquela que todos queremos, mais igual, mais justa, mais competitiva e capaz de gerar mais felicidade para todos”, afirma Helena Freitas.
Para a especialista nas áreas de biodiversidade e ecologia, “esta tem de ser a agenda do mundo”. “Chega de estarmos desligados da natureza, temos de trabalhar no sentido de, com ela, caminharmos para um futuro melhor para todos”, remata.