Está a chuviscar em Lisboa e é por isso que reparamos, logo que passamos pela receção, nas ripinhas de madeira da cobertura da estufa fria. “Servem para manter uma temperatura amena aqui dentro”, apressa-se a esclarecer Alexandra Canha, técnica de manutenção de espaços verdes da Câmara de Lisboa, enquanto nos abrigamos dos pingos que escapam por entre as finas ranhuras. Não há de ser esta águinha a impedir-nos de circular por este hectare e meio que nos isola totalmente da urbanidade da capital. Estamos imbuídos no verde e assim continuaremos durante as próximas duas horas, o tempo ideal para apreciar a estufa, que na realidade são três, com toda a propriedade.
Se esta reportagem tivesse acontecido nos finais do século XIX, estaríamos literalmente dentro de uma pedreira, de onde se extraía o basalto para a calçada portuguesa. Quando nos dizem isto, percebemos que estamos num buraco, que há uma muralha que nos protege dos ventos do norte. Foi isso mesmo que percebeu um jardineiro da câmara, quando a pedreira deixou de funcionar por se ter descoberto uma fonte de água no terreno. O profissional considerou que estas condições seriam as ideais para aqui guardar as plantas que haveriam de ornamentar a Avenida da Liberdade. A coisa resultou, de facto.
Na década de 30 do século passado, já depois de a Avenida estar devidamente arborizada, o vice-presidente da Câmara de Lisboa pediu ao arquiteto Raúl Carapinha que desenhasse um jardim para esta área, agora vazia. Assim nasce, em 1933, este projeto, de marcada influência romântica, com espécies, mais de 300, de todos os continentes, a crescer numa terra que veio especialmente para aqui. “Ao princípio, as pessoas que aqui trabalhavam, traziam plantas de sua casa ou das viagens que faziam. O arquiteto desenhou, mas o arranjo paisagístico das é da responsabilidade dos mestres jardineiros da época”, conta Alexandra Canha.
No fundo, o que estamos a visitar é um jardim coberto que nasce em cima de uma pedreira, sem ambições científicas. Ao longo dos tempos, a sua coleção pouco se modificou – um arranjo aqui, outro acolá. A não ser quando as obras o ampliaram, mas já lá vamos. Por agora, prossigamos, que ainda há muito para descobrir, por entre as estrelícias gigantes da África do Sul e o bambu do Oriente.
Plantas iguais às lá de casa
“A nossa maior coleção é a dos fetos. Aliás, o logotipo da estufa fria inspirou-se no feto do Havai, uma espécie em vias de extinção. Mas também temos muitas cameleiras, begónias, brincos de princesa, azáleas e rododendros”, enumera Paula Craveiro, que costumava liderar as visitas guiadas, quando as havia. Agora, estão limitados a 60 visitantes de cada vez, quase todos nacionais, e mesmo assim notam que vêm apenas metade dos que poderiam vir. Vale-lhes a programação que tem atraído mais público e um público diferente. A última coisa a acontecer foi um desfile da Moda Lisboa, mas ainda há pouco tempo aqui esteve o festival Lisboa Soa ou o teatro infantil Anti-Princesas. As exposições são quase uma constante.
Se há espécies de outros continentes, como já se disse, também se encontram por aqui muitas plantas que se veem nos vasos caseiros. Mas com uma grande diferença: “O seu desenvolvimento é exuberante, crescem mais folhas e mais brilhantes por causa desta proteção”, explica a engenheira agrónoma que nos guia nesta visita.
Chegamos agora à denominada estufa quente, que se inaugurou apenas em 1975, ao mesmo tempo que a estufa doce, comumente chamada de zona dos catos. Antes, nos anos 1940, pela altura em que se fazia o Parque Eduardo VII, a estufa ganhou um enorme lago, aquele que se vê mal se chaga ao portão. E ainda a nave central, com 800 metros quadrados, que recebeu os mais variados espetáculos (chegou a ser o teatro popular). Atualmente, é explorada pela Casa do Marquês e alugada para congressos, festas, casamentos e festivais, como o da Visão Verde.
No ponto mais alto
A estufa quente e a doce estão situadas no ponto mais alto deste edifício e foram construídas com pedras carregadas de Monsanto para aqui. A cobertura é de vidro para que a temperatura aumente naturalmente e as espécies tropicais se deem bem neste ambiente quente. E também há um lago (são onze ao todo, cá dentro), aproveitando a água da tal nascente que levou ao fecho da pedreira, onde se desenvolvem plantas adequadas a este meio. Só por curiosidade, nesta área existem três pés de café da Arábia, bananas e mangas, que qualquer dia estão prontas para serem comidas. “A manga, por exemplo, é natural da Ásia, só que viajou por todo o mundo pelas mãos dos portugueses”, lembra Alexandra.
Aqui existem grutas e reentrâncias, que criam um cenário algo misterioso, de cariz romântico, numa mescla perfeita com as tonalidades das plantas que variam entre um exuberante verde e os laranjas quentes. E pelo meio destes caminhos sinuosos e íngremes, que nos levam quase a tocar na cobertura, vemos umas orquídeas a que chamam “do Salazar”. O nome terá vindo da história que envolve uma senhora madeirense que pediu ajuda ao ditador e, tendo sido acudida, todos os anos lhe mandava orquídeas da sua terra – vieram aqui parar pela mão das jardineiras que tomavam conta da casa de António Salazar.
A zona doce é mais pequena e não abriga apenas catos, como havemos de aprender. “Existem suculentas de raiz, de tronco, estas sim são catos, e de folha, como os aloés”, ensinam-nos. E como distingui-los? “Nos catos, os picos nascem todos juntos”, conclui Alexandra Canha. Lição aprendida.
Informações úteis
Aberto todos os dias
Horário de verão: 10h-19h
Horário de verão: 9h-17h
Preço do bilhete inteiro: €3,10
Vamos lá fora, ver o lago e a sua colónia de patos, meias paredes com o Parque Eduardo VII. De volta à estufa fria, ouvem-se galos a cantar e pensamos que a biodiversidade é tanta que até permite que animais da quinta se sintam aqui bem. Não admira, o ambiente é apaziguador. Para isso, em muito contribuem as linhas de águas que provocam um efeito sonoro e visual refrescante em combinação perfeita com as plantas que nos envolvem.
Embrenhamo-nos por um caminho de pedra, com o seu quê de radical, e encontramos uma gruta com raízes aéreas – nada faz crer que estamos em plena Lisboa.