Com dezembro e as suas pontes a aproximarem-se a passos largos, a VISÃO selecionou 12 cidades a visitar. Deixe-se guiar por José Rentes de Carvalho, Carla Sacramento, António Vitorino d’Almeida, Miguel Rocha Vieira, Hélia Correia, Rita Redshoes, Rosário Costa, Hélder Maiato, António Mega Ferreira, Sofia Escobar, Ruben Alves e Maria João Pavão Serra.
AMESTERDÃO
Canais com histórias

Experiência – Não deixe de provar o arenque vendido em carrinhos de rua. Rentes de Carvalho recomenda o da ponte do Keizersgracht
Tim E White

Para um português há orgulho em ir visitar a Casa de Pinto, na Nieuwe Hoogstraat, mandada construir por Isaac de Pinto, judeu português, negociante imensamente rico, banqueiro, filósofo, e um dos mais importantes acionistas da Companhia das Índias Orientais. É agora uma biblioteca e vale a pena admirar as esplêndidas pinturas do teto e a lareira monumental. Há locais de visita obrigatória como o Rijksmuseum, o Museu Van Gogh, o mercado Albert Cuyp, a “feira da ladra” em Waterlooplein, a “Bimhuis” (Casa da Música), o Nieuwmarkt (com a Torre do Peso), a Sinagoga Portuguesa, a Schreierstoren (Torre da Lágrimas) e as casas ao longo do canal em que ela se encontra. Os canais do Red Light District valem mais para a observação dos rostos de quem por ali anda, do que pelo conteúdo das vitrinas.
Uma visita ao Het Grachtenhuis (Museu dos Canais) permite conhecer a expansão da cidade no decurso dos últimos quatro séculos, e ficar ao corrente da importância que têm os quatro canais circulares que lhe dão fama. Para quem realmente gosta de gatos é obrigatório visitar o Katten Kabinet, onde além de muitos gatos há quadros de Rembrandt, Picasso e Toulouse-Lautrec.

Comer arenque num dos carrinhos que há nalgumas ruas é imperdível. O meu favorito, com arenque de qualidade, está na ponte do Keizersgracht que atravessa a Utrechtsestraat. Recuse o acompanhamento de cebola picada ou cornichons, que lhe elimina o sabor. Não o coma também “à holandesa”, pegando o peixe pela cauda e enfiando-o na boca. Para isso é preciso treino e os holandeses riem-se de quem o faz. E se não sabe fica a saber: dizem que é peixe cru, mas de facto passou alguns dias em salmoura, o que lhe dá uma espécie de “cozimento”.
Beber um copo? A dificuldade está em escolher entre os cerca de mil e quinhentos cafés da cidade. O meu favorito, e isso há quase sessenta anos, chama-se De Engelse Reet (O Cu Inglês) data de 1893 e fica num beco: Begijnsteeg Nº 4. Cerveja, genebra e uísque é o que ali se bebe, e o pessoal não aprecia mudanças.
Um bom passeio a pé pode começar na Centraal Station, seguir em frente pelo Damrak até à praça do Dam, onde se encontra o Palácio Real, e aí meter pela estreita Kalverstraat até à Muntplein. Virar à direita e seguir pelo mercado das flores até à Koningsplein. Parar para dar uma vista de olhos ao edifício da Biblioteca da Universidade, onde num dos quatro medalhões da fachada se lê “Como Hv Romeiro Apercebido”, assinalando um dos grandes intelectuais do século XVII, Menasseh ben Israel, nascido na Madeira em 1604 com o nome de Manuel Dias Soeiro. Continue pela Leidsestraat, atravesse a Leidseplein, siga em frente e vá descansar e passear no Vondelpark, onde Ramalho Ortigão também esteve.
Na Praça do Dam, mesmo ao lado do hotel Krasnapolsky há uma diminuta travessa onde se encontra um também diminuto estabelecimento, Wijnand Fockink, onde desde 1679 se servem genebras e licores em cálices tradicionalmente cheios até à borda, e que ficam no balcão para que o cliente seja obrigado a vergar-se em penitência. Ramalho Ortigão bebeu lá em 1883. Para Saramago e para mim foram dois licores, na noite de 6 de outubro de 1998, na véspera de ele receber o Nobel.
MADRID
Dias de sorte

Contraste – No centro de Madrid, o Parque do Retiro (na foto) é um oásis de calma, tal como a Casa de Campo, locais onde Carla Sacramento gosta de correr
Getty Images

Para quem gosta da natureza, o Parque do Retiro dá-nos um bocadinho de verde no meio da cidade. É ótimo para quem gosta de silêncio. Retira-nos do barulho e do stresse e permite-nos ouvir o coração.
A Casa de Campo, o maior parque de Madrid, é um bom sítio para ir correr, mas sempre acompanhada para não me perder! Também é bom para passear a pé ou de bicicleta.
O Palácio Real tem uns jardins belíssimos. A Catedral de Almudena é muito especial para mim porque sou uma pessoa de fé. Também é muito bonito ver as Portas de Alcalá iluminadas à noite. O Museu Reina Sofia merece uma visita, mas o meu quadro preferido está no Museu do Prado: As Meninas, de Velázquez.
É obrigatório ir à Plaza Mayor comer um bocadillo (sandes) de calamares. Também faz parte da tradição tomar um chocolate quente com churros no San Ginés, um bar com mais de 100 anos de história. Às vezes é preciso esperar na fila…
O mais exótico para mim é o mercado de El Rastro, onde se vende de tudo. Mas se a ideia for comer umas tapas, o melhor é o mercado de San Antón. A calle Serrano tem algumas das lojas mais caras de Madrid, eu diria que é melhor para passear do que para comprar… Mas pode sempre tentar a sorte e cumprir a tradição de comprar a lotaria na Manolita, vai lá gente de todo o país porque já deu o primeiro prémio várias vezes. Suerte!

VIENA
Ritmos históricos

Descoberta – O edifício do Parlamento é dos mais emblemáticos da cidade, onde não há rua sem uma ou várias casas com placas sobre quem lá nasceu, viveu ou morreu
Erwin Wodicka/ Getty Images

Viena é uma cidade com uma personalidade fortíssima. Todas as pedras têm história. Não há rua que não tenha uma ou várias casas com placas sobre quem lá nasceu, viveu, morreu… Sentimos permanentemente que estamos num sítio histórico e isso dá uma grande força à cidade.
O Museu de História de Arte é dos mais extraordinários do mundo. Regresso sempre para rever os quadros de Bruegel. Há uma zona circular à volta da cidade, com vários quilómetros de diâmetro, onde é impossível não encontrar coisas bonitas. Chamam-lhe o “ringue”, basta perguntar onde é e percorrê-lo a pé. Catedrais, igrejas, teatros, a ópera, estátuas…

Está tudo lá. Incluindo a Praça dos Heróis, que é fabulosa. Além do “ringue”, existe outro círculo mais pequeno a que chamam de “cinto”. Não é tão rico, mas tem preciosidades como o Palácio Belvedere.
O Palácio de Schönbrunn é aquele que todos visitam. O bairro mais turístico, Grinzing, não tem os aspetos mais fastidiosos do excesso de turismo, e é um ótimo sítio para beber um copo de vinho.
Um café lindíssimo no centro da cidade é o Hawelka, os antigos donos morreram com mais de cem anos, espero que os filhos o preservem.
O Griechenbeisl é o restaurante mais antigo de Viena, o edifício ainda tem as marcas das balas disparadas pelos turcos! Nas paredes estão as assinaturas de Mozart, Beethoven, Hemingway e outros ilustres que por lá passaram.
Em Viena, deve provar-se o típico bife panado local, o wienerschnitzel. Sachertorte é o nome do famoso bolo de chocolate do Hotel Sacher, especialidade da cidade. Uma das maiores rodas-gigantes do mundo está no parque Prater, que alberga uma feira popular – aparece no filme O Terceiro Homem, protagonizado por Orson Welles.
Duas das maiores salas de concertos são a Musikverein e a Konzerthaus. São uma referência e muito bonitas. Há espetáculos de ópera diariamente, mas mesmo assim é difícil conseguir bilhetes. Há que marcar com antecedência!
BUDAPESTE
Distintos sabores

Obrigatório – Miguel Rocha Vieira coloca o edifício do Parlamento (na foto) no topo da lista de prioridades, assim como o terraço de Halászbástya
Izzet Keribar

Budapeste é uma ótima cidade para andar perdido e sem mapa. Há monumentos em todo o lado. A Ponte das Cadeias ou Correntes (Széchenyi Lánchíd), que foi destruída na II Guerra Mundial, é muito emblemática. Mas há outros locais de visita obrigatória: o Parlamento, a Basílica de Santo Estêvão ou o terraço de Halászbástya (ou Fisherman’s Bastion), com uma vista fantástica sobre o Danúbio. Uma experiência imperdível é percorrer o labirinto onde Drácula esteve preso, no Castelo de Buda. Não há mapa para ajudar a encontrar a saída! No Museu dos Flippers pode-se jogar em máquinas raríssimas. O Memento Park, a 15 minutos da cidade, tem uma coleção de duas dezenas de estátuas do tempo do regime comunista, algumas com seis a oito metros de altura, e é impressionante. Ao pé do Parlamento, junto à margem do rio, estão os sapatos do Danúbio, esculturas que homenageiam os judeus mortos na II Guerra Mundial. Para mim, é dos monumentos mais bonitos da cidade. O mercado de Csnarnok é bom para passear, assim como a Praça dos Heróis e o Parque da Cidade. A ilha de Margarita é ótima para praticar desporto, tem um pequeno zoo e uma piscina fantástica, também tem bares muito agradáveis, sobretudo no verão. Budapeste tem crescido muito nos últimos anos, há cada vez mais pessoas a procurá-la. A gastronomia contribuiu para este boom. O Szimpla Kert é um bar instalado numas ruínas, o New York Café um dos cafés mais bonitos do mundo e o Belvárosi Disznótoros um bom restaurante de comida tradicional. Para uma experiência mais gastronómica recomendo, claro, os meus restaurantes, o Costes e o Costes Downtown. Uma ida aos banhos é imprescindível. É uma bela maneira de relaxar, sobretudo quando está frio. E às vezes há festas em que se dança na água.

ATENAS
Regresso às origens

Segredo – Fora de Atenas fica o cabo Súnion, onde foi erguido um templo em homenagem a Poseidon, deus dos mares. Numa das colunas está a assinatura do poeta Lord Byron, que foi para a Grécia tomar parte nas lutas da independência e ali morreu

Em Atenas é muito fácil recuar no tempo e viver a época de ouro da Grécia Clássica. É isso que procuro, e não a Atenas moderna. Nem à Praça Sintagma vou, já é de outro século que não me apetece viver. É importante viajar sem a bulimia turística de querer ver o maior número possível de coisas, mais vale usufruir de menos mas com tranquilidade e sem correrias. Não basta ir aos sítios, é preciso senti-los. Quando regresso à Pnix, onde Péricles fez o célebre discurso aos heróis de Atenas, gosto de levar o texto comigo para o reler ali. Sentarmo-nos onde Péricles supostamente fez o discurso é uma experiência única, mas não propriamente turística. É importante preparar um pouco a viagem, fazer o nosso próprio itinerário antes de ali chegar. E assim não precisa de se andar de olhos postos num guia. Diz-se que basta dar um pontapé numa pedra para que apareça algo da Atenas antiga. O átrio do Novo Museu da Acrópole, perto do Pártenon, tem chão de vidro através do qual avistamos um bairro. Chamo a atenção para as Cariátides que estão expostas no museu, para os pormenores minuciosos dos seus penteados, que ficavam longe do alcance do olhar humano.

O rigor dos escultores era pensado para os deuses. No Museu da Ágora estão brinquedos e potes higiénicos de criança. O Museu Arqueológico também é de uma grande riqueza. Mas recomendo que não se passe o tempo todo nos museus, há passeios muito interessantes. Vai-se para todo o lado a pé a partir do Acropolis View, o “meu” pequeno hotel com terraço para o Parténon e o Odeon.
É maravilhoso passear em toda a volta da Acrópole à noite, ao som das cigarras que abafam todos os ruídos desagradáveis. Há relativamente pouco tempo, foram descobertas grutas arcaicas na encosta norte da Acrópole. Na gruta de Afrodite, os namorados depositam as suas oferendas votivas em pequenas cavidades. Eu também ali deixei as minhas. Existe uma maneira muito secreta de se obter a sensação de já ter ido às ilhas gregas: numa das encostas da Acrópole fica o bairro de Anafiotika, construído por migrantes da ilha de Anafi, uma das Cíclades, ao seu estilo. Ao final da tarde, o bairro enche-se de pessoas de verdade e também tem muitos sítios com comida de verdade. Gosto muito de moussaka – mas a melhor é a de Micenas, no Peloponeso – e de gelado de rosas, que costumo comer no To Kouti, na Rua Adrianou, onde também há lojas de roupa de linho grego. Na Praça de Monastiraki realiza-se uma feira da ladra onde se encontram algumas coisas originais. Também ali há uma loja de sandálias feitas à mão pelo poeta Melissinos. Os sapateiros chamam-lhe “poeta”, os poetas chamam-lhe “sapateiro”.
BERLIM
Os passos da memória

Emblemática – A célebre torre de televisão de Alexanderplatz, ali instalada desde os anos sessenta, é uma das imagens de marca da zona leste da cidade, assim como a East Side Gallery, que cobre parte do Muro de Berlim com intervenções artísticas
Jens Fersterra

O estúdio onde gravei o Her (2016) ficava no bairro de Kreuzberg. Vale mesmo a pena lá ir porque é uma zona com imensa vida artística. Além disso, há muitas ruas e ruelas com lojas de artigos em segunda-mão. Mitte também é um bairro muito simpático, um pouco mais chique, com lojas vintage e de jovens designers alemães. Ambos têm muitos restaurantes e esplanadas. Na Ilha dos Museus há muitas exposições para visitar, basta caminhar pela rua principal para encontrar os vários museus que ali estão concentrados. No jardim de Tiergarten pode-se fazer um belíssimo passeio a pé. O que mais me impressionou em Berlim foi o Memorial do Holocausto, no exterior há uma espécie de labirinto que parece repleto de campas, tocou-me muito. É impossível ir a Berlim e não o visitar. Ainda há bastantes edifícios com marcas de balas disparadas durante a II Guerra Mundial. É uma cidade onde se sente o peso da história. A Igreja Memorial Imperador Guilherme, por exemplo, ficou bastante destruída depois da II Guerra Mundial, e mantém um pináculo danificado. É interessante pesquisar imagens do fim da guerra e depois ver os edifícios reconstruídos ao vivo. As intervenções artísticas no Muro de Berlim quase nos fazem esquecer o que ele significou, mas é fundamental lembrar. Os berlinenses adoram sentar-se descalços nos parques – eu também experimentei – e pareceu-me que também gostam muito das suas varandas. Reparem nas instalações artísticas que eles fazem!

(Parte do guia publicado na VISÃO 1287 de 21 de novembro. Conheça os outros seis destinos que dele fazem parte no próximo fim de semana)