Pouco falta para poder dizer que iniciei a vida a bordo há 24 horas. Achei que eram precisas umas horas mínimas para começar a descrever esta experiência, à qual me agarrei com toda a vontade de viver e acima de tudo poder riscar da lista um dos meus sonhos.
Não estou enjoado, até porque o mar está calmo. Há horas que não avisto ponto algum no horizonte. O meu horizonte são 360º de mar e sinto-me a navegar no meio do nada, mas no centro de tudo.
A minha chegada a bordo começou com uma recepção de alguns marinheiros e de seguida pelo Comandante David Mendes, que me mostrou grande parte dos cantos à casa. A minha nova casa durante os próximos dias.
Fui bem recebido, embora notasse algum receio do que o chamado jornalista viesse fazer a bordo. Estou muito bem hospedado no meu camarote, com uma secretária boa para poder trabalhar e uma casa-de-banho para mim. Reconheço que à noite oiço muito barulho vindo da casa das máquinas, mas ainda assim dormi umas 6 horas com alguns intervalos normais do período de adaptação.
Neste momento estou na Ponte com vista sobre toda a carga; contentores de várias cores, automóveis sem conta. Carga geral, contentores frigoríficos e outros chamados open sides para transporte de gado. O navio Sete Cidades é um dos navios da frota do maior armador português – Transinsular, de 100 metros por 16, transporta à volta de 3 000 toneladas de carga, uma tripulação de 13 homens e 1 pendura, que sou eu, bem como muita água e alimento para esta gente toda.
Na minha opinião só temos a noção da dimensão que nos rodeia quando passamos por experiências destas. Sabemos que o Mundo é gigante, que os Oceanos são enormes e os Continentes também. Tenho é a noção de que grande parte das pessoas, para grandes deslocações recorre ao transporte aéreo. Faz todo o sentido, sem dúvida. E se de avião para trocar de Continente são umas largas horas, por mar são largos dias e até semanas. Todos imaginamos tal proporcionalidade de dimensões. Na situação em que estou, por exemplo, o cenário que me rodeia é o mesmo há muitas horas. Parece até que não saio deste ponto no centro de tudo. Estou no centro porque à minha vista o ponto mais longe está todo à mesma distância. É assustador e perturba-me a mente. Não estou habituado a estas viagens, se bem que é a segunda vez que me encontro perdido no centro de tudo.
A primeira foi precisamente há dois anos, embora no sentido inverso, dos Açores para o Continente, num veleiro. Outras dimensões, outras experiências e outras memórias. O cenário mantém-se, parece até uma pintura, embora com outro ponto de vista e outro navegar.
Momentos como este fazem-nos pensar na vida. Reflectir é importante e aprende-se imenso com isso. Fala um miúdo de 20 anos.
Reportagem-vídeo: “A bordo do navio Sete Cidades – Episódio 1” – Youtube