Não sei se era tarde, se era cedo, quantas cervejas já tinha bebido ou se tinha planos para o dia seguinte. Sei que tinha um gin tónico numa mão, um charro na outra, ouvia os rápidos a correr no rio, lá em baixo, uma noite incrivelmente estrelada na Guatemala, e uma paisagem que até de noite encantava. Fechei os olhos: “vamos Pipa, não desperdices este momento, tens de pensar em algo grande!”. E foi então que percebi que ia voltar para casa. Há dois dias estava nas Honduras, a dormir nua debaixo da ventoinha e a fazer mergulho no paraíso, hoje escrevo-vos de Portugal. Não creio que faça sentido ou tenha interesse aprofundar aqui os motivos do meu regresso – quando valores mais altos se levantam, o ser humano segue o coração e faz o que está certo. O meu valor mais alto (e absolutamente o único que me faria deixar este projeto inacabado) é a saúde da minha família. Andava há dias a remoer no assunto, incapaz de tomar uma decisão, pois não voar em Junho de Buenos Aires sabia a insucesso, sabia a desilusão, parecia irreal. Não vou nada na conversa do “tens a vida toda”, faço questão de todas as noites me deitar e pensar que se morrer amanhã, morrerei em paz e que estou exatamente onde quero estar, mas naquela noite percebi que não estava onde devia estar, e a decisão tornou-se clara. Se há doutrina que me guia e acompanha, é a de que temos apenas uma vida e ninguém, para além de ti mesmo, quer saber do que fazes com ela. Que raio importa se termino a viagem, se trabalhei 6 meses para um orçamento que se revelou absolutamente sustentável e adequado para uma viagem incrível, se “perdi” um ano de faculdade, se furo o orgulho, se pela primeira vez na minha vida não concluí algo a que me propus? Que clichê vem a ser este? Se não tiver família é que estou lixada! Uma Pipa mais entusiasmada do que frustrada voltou à Europa, e esta tarde comentava entre risos com a minha mãe e avó que é incrível como parece que volto como se nunca tivesse partido. Conduzo como se ainda ontem tivesse pegado no carro; como pão torrado com manteiga dos Açores como se não andasse há dois meses a comer feijões e tortilhas; e se me tentassem convencer que afinal só passou uma semana desde que bati a porta de casa, há 5 meses, não teria dificuldade em acreditar. Devia deprimir um bocadinho (um pedaço de mim chora), porém só quero é voltar à faculdade para ver se ainda consigo fazer este segundo semestre, voltar às ondas, à lareira (mentira, eu achava que cá já era Primavera e está este griso!), aos amigos, às SMS, e a este país fantástico que nós temos.
Mas amigos, amáveis desconhecidos, sedentos leitores, contínuo a achar que fazemos tudo mal. Que só nos contentamos com demasiado, que não damos valor ao facto de sermos uma civilização privilegiada, que estamos cheios de tristezas em vez de alegrias. Concluirão esta leitura (sorte a minha) e voltarão a andar para baixo no Facebook, a procurar algo que vos preencha, que vos faça sentir que estão de facto a viver, algo que pareça que importa. É para mim hoje óbvio, e se calhar só hoje, que ¡No pasa nada!. Nunca nada importa. Somos nós que fazemos as medidas dos nossos problemas, e geralmente temos as escalas bem trocadas (tipo aquela camisola sem a qual não podemos viver, que acabamos por não comprar por estar demasiado cara e nunca mais nos lembramos que existe).Tenho uma grande batalha pela frente, e essa batalha é convosco. Não sei ainda qual será o meu papel no mundo, mas tenho a forte sensação que passará por aqui, pelas letras e pela Humanidade, a tentar passar uma mensagem de consciência. Deixem-se de depressões e acordem para a vida: somos uns sortudos “tugas”! Não porque somos europeus, brancos e ocidentais, mas porque temos o poder de escolha. Podemos escolher ser vagabundos ou milionários, solteiros ou gente de família, artistas ou cientistas, viver aqui ou viver ali, arrendar casa ou comprar uma van e dar voltas ao mundo! Os pés descalços não são a exceção e nós a regra, é mais normal (estatisticamente falando) ter que ir cortar lenha para fazer fogo do que ter um aquecedor em casa! A única diferença é que nós sabemos per-fei-ta-men-te que há fome, falta de água, barões capitalistas e governos corruptos, e decidimos preocuparmo-nos com coisas que só interessam à Teresa Guilherme! Eu sei que não é fácil, crescemos com tudo já construído à nossa volta e cada vez que ligamos a televisão só nos dizem que o que importa são carros, telemóveis e corpos definidos, mas infelizmente também nos deram brinquedos para o cérebro e acesso à educação, portanto as desculpas começam a esgotar-se! Eu cresci numa família de classe média-alta, restaurantes finos e casas grandes não é propriamente uma coisa que me seja estranha, mas acham que foi por isso que comecei a viajar? Ora pois podem ter a certeza que sim. Se não me pagassem a faculdade, nunca me tinha lembrado de ir para a Palestina; se não tivesse uns pais para pagar as contas da casa e me alimentar enquanto eu trabalhava, nunca tinha juntado o dinheiro necessário; se não tivesse televisão em casa nunca me tinha fartado dela e se nunca tivesse visto o mar provavelmente nunca teria sonhado com o que vem depois dele. Mas a vida sempre continua, e a excitação de cada dia é algo por que vale a pena lutar sempre, na Caparica ou nas Honduras, na mansão ou na favela, no frio ou no calor. É preciso é estar de coração aberto, não deixar para o próximo fim de semana o plano do fim de semana passado ou sonhar mais com as férias daqui a 6 meses do que com o dia de ontem. Não há nada que valha a pena sentir por antecipação. Nem cenas lindas nem viagens dolorosas (de repente esta crónica voltou a ser sobre viagens), nem preocupações com lugares perigosos ou alegrias por lugares promissores. Expectativas é uma coisa que não queres ter quando a tua atividade principal é o deslumbramento. Queres arrepiar-te o máximo de vezes possível, fascinar-te e ser feliz todo o dia, todos os dias. Que importa já ter cheirado 20 selvas diferentes, se esta tem um cheiro diferente e é aqui que estou? Porquê preferir ou pensar em algo melhor do que o que tenho neste momento? Quantas vezes já repetiram o vosso prato favorito e pensaram que não há nada melhor no mundo? Não te endivides. Não te vicies. Não te engordes. Para de querer mais. Faz mais e planeia menos. Não acredites que os problemas são eternos, que água potável vai sempre sair da tua torneira e que alguma coisa é substancial para além das pessoas que amas. Ama sem ver. Não julgues. Contempla. Agradece. Prefere dar a mão a ficar a ver, prefere saltar a ter medo. Prefere ir a não ir (porque podes). Faria tudo da mesma maneira. Entregar-me-ia cada segundo, cada suspiro, cada nascer e pôr-do-sol. Nunca consegui ter saudades ou estar em dois lugares ao mesmo tempo, fui sempre uma só. Foi uma viagem do caraças, e só eu sei o quão teve de louca, de reflexiva, de felicidades, de inevitabilidade, de felicidade, de breath taking moments [momentos de corta a respiração], de bela, de difícil. Mas quem sou eu? Volto a saber mais ou a saber menos? Contínuo a acreditar que 99% das pessoas são boas, que o mundo está aberto a quem o quiser desfrutar e com ele aprender, e que nós, tugas de Portugal, ainda somos mais sortudos que os outros brancos, porque temos mesmo tudo! Temos história desde 1143 desenhada em cada recanto das nossas terras, temos o branco que se serve gelado nas tardes de Verão, tinto para acompanhar a nossa fantástica gastronomia ao jantar, mais sol que nublado, mais mar que terra, mais fertilidade do que secura, mais paz do que guerra. Acreditem que cada vez que digo que sou de Portugal aos pés descalços a primeira coisa que dizem é Cristiano Ronaldo, mas cada vez que digo aos ocidentais, a primeira palavra é “Fixe!!”.
Are you a singer or are you a dancer? Esta aventura não foi de certo a última, e eu por cá continuarei, inteira. (https://www.facebook.com/pages/Sem-Costumes/432526420158462) Espero que voltem!