Olá amigos.
Foi com grande prazer que recebemos o convite para poder partilhar as nossas histórias e desventuras convosco através da Visão Vida & Viagens.
As perguntas que quase todos os dias nos continuam a fazer são sobre quando começou a viagem, qual o destino final e como nos lembramos de fazer algo semelhante.
E, será desta maneira, respondendo a estas perguntas que começaremos esta participação com o site da revista Visão, reescrevendo um pequeno artigo que já partilhamos anteriormente no nosso blog e que na altura nomeamos de “Crónica de Uma Viagem Anunciada”, título que não podia vir mais a propósito, pois neste momento estamos em Bogotá, onde se celebram os 30 anos do Nóbel de Gabriel Garcia Marquez.
O meu nome é João, sou português, e a minha esposa chama-se Soledad, é Mexicana. Para nós a viagem começou há 9 anos quando nos conhecemos na Polónia num programa de intercâmbio, recomeçou há 4 quando fui convidado a trabalhar no México e nos reencontramos e, continuou cada vez mais intensa, quando decidimos que deveríamos seguir o nosso sonho e simplesmente fazer o que mais prazer nos dá… viajar.
Mas, como nasceu esta ideia?!
Foi exactamente no dia 1 de Janeiro de 2012. Os meus pais tinham viajado até ao México para passar o Natal. Depois de duas semanas maravilhosas em que pude revê-los e juntar toda a familia mexicana e portuguesa numa festa de Natal que, creio, deixa saudades a todos, fomos então passear um pouco até à praia e, aproveitamos para passar o fim de ano em Huatulco, Oaxaca.
A viagem (bastante longa para os padrões portugueses, basta dizer que podíamos ter atravessado praticamente Portugal de Norte a Sul e regressar) foi de 12 horas, das quais as últimas 6 servem para fazer somente 200km, por isso imaginem as curvas.
O tempo estava fenomenal, 35º em pleno inverno e nem uma nuvem à vista. O único pesadelo era que as férias estavam a terminar e o regresso à crua realidade já se vislumbrava demasiado perto para ser verdade.
Como em todas as férias, imaginamos sempre a maneira de fazer com que as mesmas nunca terminem. Quantas vezes, cada um de nós pensou no final de uma semana de férias “… e se montássemos uma cabana na praia e vivêssemos aqui para sempre?…”, “… e montar um pequeno restaurante ou bar?…”. Claro que estas pequenas alucinações já nos haviam surgido também noutras viagens anteriores.
Ou naquele “pueblito” mágico que nos encantou, num qualquer fim de semana prolongado, em que nos arriscávamos a procurar os recantos mágicos que existem neste México imenso e maravilhoso. Ou num Cayo perdido no Belize, numa das mais fantásticas viagens que fizemos juntos e que seria uma das motivações para dizer que sim a esta viagem. Ou na nossa lua de mel no Chile, onde conhecemos tanta gente interessante e vimos tantas paisagens paradisíacas, ainda despidas do toque humano e, ao mesmo tempo, tão agrestes e simples que nos deixaram tantas vezes em silêncio, simplesmente a contemplá-las, sem necessidade de qualquer explicação ou comentário. Em qualquer um deste momentos, pensámos em como nos podíamos escapar da rotina diária que nos estava a corroer por dentro e que, somente, nos deixava respirar umas poucas vezes ao ano quando a oportunidade de mais uma viagem se nos deparava.
Mas, desta vez, o clique foi talvez mais forte e, parece que não nos ficamos simplesmente pelas palavras.
Nessa altura, por razões profissionais, havia uma possibilidade de voltar a Portugal. Isso significava que, em breve, teríamos de regressar ao Velho Continente e deixar para trás a América.
Os sentimentos confundem-se quando se prepara uma mudança deste tipo. A alegria de regressar com a família e os amigos de toda a vida, mistura-se imediatamente com a tristeza, a saudade e a nostalgia que logo, logo, mesmo antes de partir, se começa a entranhar.
A mente não te deixa esquecer nem um minuto dos amigos e da família que iriam ficar deste lado. Muitos, sabes que nunca voltarás a ver, mas sabes também que nunca esquecerás os momentos mágicos que com eles viveste e partilhaste e que sempre recordarás com tanto carinho.
Assim, com toda essa amálgama de emoções, com um futuro por decidir, em vez de incorporar a desgraça, preferimos ver a oportunidade. A oportunidade de realizar um sonho. A oportunidade de VIVER.
Nesse “fatídico” primeiro dia deste ano, algumas palavras mudaram-nos a vida:
Uma senhora chamada Isabel Allende, escreveu, creio que na década de 90, um livro chamado Paula. Nesse livro, quase em jeito de uma carta de 200 páginas, narra à sua filha, que se encontrava em coma, a história da sua vida. Uma vida fantástica, cheia de viagens e desventuras, muitas vezes atravessada por complicações difíceis de ultrapassar, mas que nos remetem a sítios incríveis, a pessoas ainda mais fantásticas e a destinos que nos enchem de inveja (da boa claro).
E, lembro-me que foi exatamente a passagem que cito em seguida que despoletou tudo isto:
“La Paz es una ciudad extraordinaria, tan cerca del cielo y con el aire tan delgado que se pueden ver los ángeles al amanecer, el corazón está siempre a punto de reventar y la vista se pierde en la pureza agobiadora de sus paisajes. Cadenas de montañas y cerros morados, rocas y pincelazos de tierra en tonos de azafrán, púrpura y bermellón, rodean la hondonada donde se extiende esa ciudad de contrastes. Recuerdo calles estrechas subiendo y bajando como serpentinas, comercios míseros, buses destartalados, indios vestidos de lanas multicolores masticando eternamente una bola de hojas de coca con los dientes verdes. Centenares de iglesias con sus campanarios y sus patios donde se sentaban las indias a vender yucas secas y maíz morado junto a fetos disecados de llamas para emplastos de buena salud, mientras espantaban moscas y amamantaban a sus hijos.“
E, nesse momento, apercebi-me que havia tanto que eu queria fazer, tantos lugares que queria visitar e conhecer e que, simplesmente, estava a deixar tudo isso para trás e perguntei-me com que objectivo? E, não obtive resposta. Os únicos pensamentos que me ocorreram foram que queria conhecer a Bolívia, queria ir a Machu Pichu, queria ver Cartagena e chegar ao Iguaçu. Queria passar pela Amazónia, atravessar o Equador e a Nicarágua. Ver o Canal do Panamá… Quero voltar a comer yuca e a mascar coca… Quero ver “os anjos ao amanhecer”…
Nesse preciso momento, sem pensar, virei-me para a Sol e disse-lhe:
– E se fizéssemos uma viagem daqui até o Brasil?
Pensei que me fosse dizer que estava louco, ou que fosse inventar mil problemas e, simplesmente, chamar-me à razão e demover-me desta ideia louca provocada, quem sabe, por demasiado descanso ou por uma insolação intensa. Mas, a sua resposta foi imediata e com um sorriso enorme e sincero, num milésimo de segundo num grito quase mudo disse-me:
– Siiiiiiiiiim.
Ooops. Que fui eu dizer? Agora, já não me podia retratar, nem dar parte de fraco. Agora teria de aguentar as consequências do que havia dito e assumi-lo como um Homem:)
Seguiu-se uma muito breve conversa que definiria o nosso futuro mais próximo:
– Y, como vamos?
– De mochilero.
– Tuve una mejor idea, y si fueramos de vocho?
– No, vocho no. Mejor vamos de combi.
– Orales, ya estamos.
Escrevi em español, porque a conversa assim foi, ipsis verbis, mas, para que percebam perfeitamente, passo a traduzir.
– E, como vamos?
– De mochila às costas… Espera, tive uma ideia melhor, e se formos de carocha.
– Não, de carocha não, Nesse caso, é melhor irmos numa “pão de forma”
– É isso mesmo. De acordo.
E, assim, mais ou menos loucos (o destino o dirá) decidimos mudar completamente a nossa vida e atrever-nos a completar esta viagem de quem sabe quanto tempo e quantos milhares de quilómetros. Depois desta conversa seguiram-se uns minutos de silêncio entre os dois. Simplesmente a desfrutar o entardecer com um pôr-do-sol fantástico sobre um Oceano Pacífico que essa tarde se vestiu de 3000 mil tons de laranja para receber esta nossa decisão.
A emoção da aventura apoderou-se de nós. Já não podíamos pensar noutra coisa. Isto era o que sempre quisemos e nunca pensamos ter a coragem de concretizar. Mas já estávamos decididos, mesmo não tendo a mínima ideia de como o concretizar. A única certeza era que a decisão era irrevogável e que de uma maneira ou outra, teríamos de fazer com que o sonho se tornasse realidade.
E assim, se iniciou a busca, as perguntas, as dúvidas, os receios, as emoções.
– Onde vamos conseguir a pão de forma?
– Quanto quilómetros serão?
– Quanto tempo vamos viajar?
– Como vamos a avisar as nossas famílias?
– SEREMOS CAPAZES?
Agora, quase um ano depois de termos decidido avançar, já atravessámos toda a América Central e segue-se a segunda etapa desta viagem, a América do Sul.
Abandonámos a Cidade do México, onde viviamos, há já quase 9 meses. Nessa altura, deixamos o nosso apartamento, vendemos tudo o que tínhamos e mudamo-nos para Guadalajara onde passamos a acampar numa tenda (literalmente) em casa dos nossos amigos Navarro (a maneira como os conhecemos, é também uma super história que retrata exactamente o que pretendemos desta viagem, conhecer pessoas tão diferentes, mas tão interessantes, mas sobretudo tão boas e generosas… mas, essa história ficará para outro dia).
Nesse dia tudo mudou para nós. Os primeiros 3 meses foram para remodelar a Amália Frida, nome com que batizamos a nossa combi e companheira nesta viagem. Nesse período trabalhamos mais duro que nunca, mas nunca nos sentimos tão felizes. Passámos os dias untados com óleo de motor, com terra, pó, serrim ou raspas de metal. Doiam-nos as mãos, os braços e as costas, pois, entre baixar e subir o motor, limpar peças, apertar e desapertar parafusos de todas as cores, tamanhos e feitios, cortar, dobrar e pulir ferros e madeiras, quase não havia tempo para descansar. Mas cada dificuldade vencida só nos deu ainda mais força para continuar e estar mais seguros que tínhamos tomamos a decisão correcta.
Em Agosto, Amália Frida estava finalmente pronta. Fomos a San Luis Potosí, despedir-nos da família e, desde então que, com a bússola apontada para sul, temos vindo a percorrer a América Latina, numa viagem que, partindo desde o México, nos deverá levar até ao Brasil.
Este texto é dedicado a todos os que tanto nos têm ajudado e a todos os amigos que nos têm dado força para continuar.
Mas, acima de todos há quatro pessoas a quem temos muito a agradecer. Foram as primeiras pessoas com quem partilhamos o nosso desejo de empreender esta aventura. E, desde o primeiro minuto, nos têm dado a força suficiente para continuar em frente e ultrapassar as adversidades. Os seus nomes são Lúcia e Rosário, David e Constantino. São os nossos pais e os nossos melhores amigos. São a nossa inspiração. MUITO OBRIGADO!
Nos próximos artigos iremos resumir-lhes o que foi a primeira etapa desta viagem, desde o México até ao Panamá, através da descrição de alguns episódios desta aventura bem como de algumas imagens que fomos capturando ao longo do caminho.
Os mais impacientes podem ir até ao nosso blog http://1000destinos.net onde poderão encontrar alguma informação extra sobre nós, todas as histórias anteriores, uma ligação à nossa página do facebook e até a maneira como nos podem apoiar e receber postais dos países que nos faltam visitar ou, uma vez que escrevemos em 2 linguas, praticar o vosso espanhol.
Abraços e Boas Viagens!
João, Sol e Amália Frida