Deslizar suavemente por águas escuras, às vezes castanhas como chocolate derretido, ora calmas ora revoltas, entre gargantas apertadas, penhascos de estranhas formações rochosas e montanhas altivas de picos a tocar as nuvens, no percurso que é o mais belo do rio. A passagem pelas Três Gargantas: Xiling Gorge, Wuxia Gorge e Qutang Gorge. Que deram o nome à agora tão falada Barragem com o mesmo nome, que, estando concluída desde 2009, apagou para sempre a deslumbrante paisagem, perdida devido à subida das águas. E que apesar do tempo chuvoso e enevoado não perdeu nenhuma da sua beleza. Talvez até lhe tenha conferido alguma magia, por entre a bruma difusa e misteriosa. E ter parado durante o percurso, antes da segunda garganta a Wuxia Gorge, em Badong, para um espetacular passeio de barcaça, na Ribeira de Shennong, afluente do Yantgzé. Após uma caminhada chegamos à foz arenosa em Xirangkou onde embarcamos e somos puxados ribeira acima, lentamente, por homens que carregam aos ombros pesadas cordas presas às barcaças. Esta é, desde há séculos, uma tradição e a forma de levar os barcos, antes de serem motorizados, rio acima, por todo o Yangtzé. Estes “river trackers” puxavam os barcos desde as margens, muitas vezes dentro de água e completamente nus, num processo moroso e penoso que hoje felizmente já só é praticado para os turistas. Embora me tenha feito sentir um certo constrangimento, houve quem me dissesse que essa era a forma de muitas vezes estes homens conseguirem dinheiro para pagar os estudos dos filhos. Ao princípio as águas têm uma cor achocolatada e turva por se encontrarem misturadas com as do Yangtzé, mas à medida que subimos a corrente elas vão-se tornando claras, límpidas, transparentes e correm velozmente entre verdadeiros “canyons” de penhascos arborizados, altíssimos e tão apertados que só se vai vendo até à curva seguinte. São as Gargantas de Yingwu e Longchang. A luz é filtrada das alturas e põe cintilações de prata nas águas cristalinas. É um passeio deslumbrante dos mais belos que já me foi dado fazer. Tudo é silencioso. Só se ouve o chapinhar da água contra a barcaça… E apetece que não acabe nunca! Mas a cerca de 20 quilómetros (dos 60 quilómetros que a ribeira tem), onde a água começa a ser muito pouco profunda, chega o local de viragem. E aí, do nada, no meio do nada, encontramos os eternos vendedores e vendedoras de artesanato. Encantadoras, gentis, algumas carregando os filhos às costas em cestos deveras originais, elas montam as suas banquinhas na margem pedregosa da ribeira. E comunicam connosco, entre risos, os preços por escrita. No regresso a barcaça desliza livre e velozmente ao sabor da corrente, conduzida apenas pelo barqueiro que apenas utiliza o leme, no meio do silêncio. É verdadeiramente um sítio mágico! Ainda por cima, se considerarmos que no meio do percurso e no meio da ribeira, como surgido por magia, estava um vendedor de postais à nossa espera, encavalitado numa pequena formação rochosa que mal se notava na água! E retornámos ao nosso barco de cruzeiro, que aliás era excelente, com muito boa comida e uma tripulação encantadora e atenciosa durante o dia e que à noite viravam artistas de “cabaret”, num “chorus line” onde cantavam, dançavam e faziam teatro por mímica! Excelentes e muito divertidos. Para continuar até Chongqing.