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Não se pode falar de um bloco uniforme quando falamos da China, dos chineses ou da sua gastronomia. A China é o terceiro maior país do mundo, logo após a Rússia e o Canadá. Faz fronteira com 14 países, tem a diversidade como característica mais pungente diversidade humana (o povo chinês é composto por dezenas de etnias), animal, vegetal, climática, geográfica, linguística, religiosa. Para complicar esta diversidade, temos a história da China com mais de 5 mil anos de que os chineses muito se orgulham. A China de hoje é a herdeira directa dessa cultura e civilização antiquíssimas. E todos estes factores de fundo se reflectem na sua gastronomia.
Comida é vida, mas também saúde e um símbolo de muitas outras coisas boas, como a sorte e a prosperidade. Há um provérbio chinês que diz «O céu gosta de quem come bem». Para os chineses, a gastronomia é uma das expressões mais importantes da sua civilização. E como o país é vastíssimo e muitos são os seus povos, a cozinha chinesa caracteriza-se essencialmente pela sua diversidade, pela riqueza dos seus ingredientes, pela complexidade dos seus métodos de corte e pelo uso sofisticado das especiarias.
60 MIL PRATOS
A gastronomia chinesa assenta nesse fundo cultural com mais de cinco milénios, estando nos seus primórdios intimamente ligada aos métodos curativos, não chegando a haver diferença alguma entre comida e remédio. A síntese da medicina significava que tudo o que era bom para o corpo era remédio e alimento simultaneamente.
Na cozinha chinesa são usadas mais de 150 espécies de legumes, 500 espécies de peixes, 70 espécies de crustáceos, 200 espécies de cogumelos e 110 espécies de animais. Segundo um estudo, existem mais 60 mil pratos chineses diferentes, 5 mil pratos regionais, mil pratos históricos e 10 mil entradas frias! Assim é praticamente impossível falar duma cozinha chinesa. Embora possuam uma base comum, pode separar-se a gastronomia do país em quatro ou cinco grandes grupos.
A do Norte
, centrada em Pequim, é caracterizada por poucos legumes, soja, trigo e milho. As culturas são mínimas e pouco diversificadas por causa dos rigores climatéricos: muito frio no Inverno e muito calor no Verão. Nesta zona encontram-se pratos muito simples, bem rurais, cozinhados ao fogo, ou sobre grandes placas muito quentes ou apresentadas sob a forma de fondue, mas à base de caldo de carne e não de gordura. Aqui também encontramos pratos muito complicados, que pertenciam à cozinha da corte imperial.
A do Leste
, centrada em Xangai. Esta cidade é diferente de todas as outras. O comércio viu passar os britânicos em 1845, os franceses em 1849, os americanos e os ingleses em 1854. É uma região fértil; o arroz, o trigo, o porco, o peixe, os frutos do mar e o caranguejo de água doce constituem a base desta rica cozinha, agridoce. Mas aqui também há milho, cevada, amendoim, batata-doce e a famosa couve chinesa.
A do Oeste
, centrada em Sichuan, talvez a mais picante e mais doce de todas. Esta região dos quatro rios inclui todas as zonas de fronteira. Isolada durante séculos, a 1 600 km da costa, a sua cozinha é mais picante devido ao uso e abuso do pimento fagara, Erradamente, às vezes, esse tempero é considerado parte da família das pimentas, no entanto trata-se da baga de uma árvore cinzenta e espinhosa. As vagens das sementes maduras são abertas de modo semelhante ao anis-estrelado e, por isso, muitas vezes a fagara é conhecida pelo nome de pimenta-anis. As bagas têm um aroma silvestre, picante e sabor ácido. Para serem usadas, as bagas devem ser torradas e depois moídas. É muito utilizada na culinária chinesa, especialmente com frango e pato. Na cozinha de Sichuan existem mais de 20 misturas de especiarias e de molhos, cada um com um sabor próprio e atribuições culinárias distintas. As mais comuns são a gung bao, uma mistura quente de pimenta, o tout pan jian, à base de alho, gengibre, alho e piripíri, a das cin o especiarias, com anis-estrelado, cravinho, funcho e cássia. Os habitantes conservam as carnes fumando–as. O pato fumado em madeira de cânfora e folhas de chá é uma das grandes especialidades. Esta cozinha camponesa demora algum tempo a preparar. Algumas especialidades já demonstram no título, como por exemplo, «carne cozida três vezes e regressando nove vezes »: camadas de carne alternadas com legumes cozidos a vapor durante muitas horas.
A cozinha do Sul
, centrada em Cantão, mistura elementos de todas. Para muitos, esta é a cozinha mais rica, mais variada e mais honrada da China. É também a mais conhecida, devendo a sua riqueza e diversidade a um facto histórico: quando caiu a dinastia Ming, em 1644, a emigração para o Sul foi geral. Os veneráveis cozinheiros de Pequim e os seus equipamentos de cozinha, do palácio imperial, fizeram uma longa marcha. No seu percurso recolheram os segredos da cozinha dos mandarins das províncias, que assim ficaram incorporados na cozinha cantonesa.
Cantão ou Guangzhou, a capital de Guangdong e da cozinha chinesa, tem um clima subtropical, com influências marítimas. Esta é a pátria da lichia, da cozinha com wok¸ do ninho de andorinhas e do dim sum, as «delícias do coração». O nome é perfeito, pois o dim sum faz mesmo bater o coração, quer sejam salgados quer doces. Quando nos sentamos num restaurante e começamos a ouvir o rolar das rodinhas dos carrinhos repletos de dim sum, em todas as suas variedades, ficamos logo com água na boca. E depois, comendo aqui, comendo ali, acabamos por ficar verdadeiramente saciados.
E, por fim, a cozinha de Hunan, que tem por base a de Sechuan (é por isso que alguns autores não a consideram um grupo específico). Hunan significa «a sul do lago». Com o Dongting, um verdadeiro lago natural, e os rios que desaguam nas suas águas, a região é um reservatório inesgotável para todos os pescadores justifica-se o cognome da região: «a província do peixe». O peixe é salgado. A carne é marinada em sal, açúcar, pimenta e vinho de arroz durante seis a sete dias; depois são fumadas durante 12 horas em cascas de noz. As aves aqui têm um sabor especial pois são cozinhadas em potes de barro. O prato mais popular é o wei, um guisado de cozedura lenta, temperado com muita pimenta e piripíri. Na cozinha de Hunan encontram-se muitos animais que só conhecemos no jardim zoológico: macaco, andorinhas, patas de urso, tartaruga e caracóis. Muitas receitas utilizam nozes, castanhas, amendoins e sésamo.
ARROZ E PAUZINHOS
O arroz é a base da cozinha chinesa, excepto nalgumas províncias do Norte, onde se consome mais o trigo. O arroz tem um lugar principal nas refeições curiosas as expressões: fan (que significa arroz) quer dizer também «a hora do arroz», chin fan (que significa «comer arroz») quer também dizer «vamos para a mesa». No entanto, há que precisar que os chineses não observam dum modo rígido os horários das refeições. Comem quando têm fome.
O arroz, a carne de porco e o peixe salgado, que eram alimentos dos pobres, só figuravam acessoriamente na cozinha dos ricos. Na época, os convivas utilizavam, tal como hoje, os pauzinhos e as colheres. Não havia facas na mesa porque toda a comida vinha já cortada em bocados pequenos para se poderem agarrar com os pauzinhos. Seria inconcebível, visto haver grande abundância de criados e estes serem muito baratos, que os convivas dum banquete e até mesmo os clientes dum restaurante popular tivessem eles próprios de cortar a carne.
Os ovos são objecto de mil cuidados, havendo até o costume de os conservar durante um mês em salmoura antes de estarem «maduros» para consumo para já não falar dos «ovos de cem anos» ou «ovos centenários», ovos de pata (não, não têm cem anos!) que ficam durante quatro ou mais semanas debaixo de uma mistura de argila, cascas de arroz, cinzas, cal e sal. A clara adquire uma cor esverdeada, com a textura de clara cozida, e a gema fica castanha escura, quase preta e cremosa, com um sabor que lembra o queijo. Estes ovos comem-se, como entrada, partidos em oitavos com molho de soja.