Mia Couto
A vida, em tempo parcial
– Há uma coisa que o senhor nunca esclareceu: será que Deus autoriza a vingança? É que se Deus tanto perdoa, então, no meu caso, eu estou autorizada...
A rainha sem trono
Desde sempre, a mãe tinha declarado guerra total àquilo que ela chamava “indústria de mexericos” da monarquia britânica
O abraço
Ergui o livro que trouxe comigo e traduzi para português o título: “O sangue dos esquecidos.” Estêvão abanou a cabeça e sacudiu o vazio. Livro, meu irmão?
O coiso
O que alimenta a mentira não é a qualidade da impostura. O que alimenta a crendice é o vazio da vida. Uma fake news pode compensar uma fake life
A solidão de Teodoro
Sente saudade de qualquer coisa, um pedaço da infância, o riso de Delfina, a gargalhada dos filhos. Nostalgia de algo que nunca houv
O incorretor automático
– Quem é a puta? – Tanto insistiu que perdeu a voz. A pergunta era retórica. Esmeralda queria apenas deflagrar um nome feio. As palavras podem ser balas. Puta, mil vezes puta
Mia Couto apontou a necessidade da revisão das leis e do processo eleitoral em Moçambique
O escritor moçambicano Mia Couto apontou a necessidade a revisão das leis e do processo eleitoral como a "grande lição" das eleições autárquicas de 11 de outubro em Moçambique, cujos resultados continuam a ser fortemente contestados pela oposição
A assinatura póstuma
Sentou-se no degrau do pátio e foi falando como se não houvesse tempo. O filho tinha ido para a cidade e não mais voltara. Tinha-se perdido porque, nas guerras, os caminhos ficam todos iguais
Mia Couto: “A realidade é a mais ousada das ficções”
"Compêndio para Desenterrar Nuvens" é a nova recolha de crónicas de Mia Couto, publicadas na VISÃO. Conversa com o escritor moçambicano, a propósito destes breves contos com personagens dentro
Uma prece à procura de um crente
Era nela o que mais resistia à velhice: os seus olhos escuros e brilhantes. O tempo tudo enrugava, menos o seu olhar
A metafísica dos equívocos
Tudo acontece no momento certo, o que é preciso é deixarmo-nos ser abraçados pelo tempo
Carta a Putin
O vizinho sabe falar e escrever russo. Aprendeu quando, há meio século, estudou na falecida União Soviética, que Deus a tenha lá no cemitério das nações, onde enterram hinos e bandeiras
O emigrante algorítmico
As pessoas complicavam e atrasavam os processos. Saltavam passos, tinham dúvidas, reclamavam. E sobretudo, erravam. Esse é o maior pecado da nossa espécie. Errar
O bosque (Homenagem ao poeta Miroslav Holub)
Há muito a alma lhe encalhara no corpo. O homem desistira-se
O regresso a casa
Puxou o punho bem para trás do corpo e desfechou um murro movido por raivas milenares. Aconteceu, então, o impensável: Matilde desviou-se do golpe
"Nayola": O filme de animação de José Miguel Ribeiro é uma pintura de guerra
Longa de animação para adultos, "Nayola", de José Miguel Ribeiro, tem como pano de fundo a guerra civil angolana e o misticismo africano. O filme está nas salas de cinema
A lembrança de Ilda
Com oitenta e um anos, não há semana que não escreva uma cartinha para cada um dos seis filhos. É assim que insiste em chamar: uma “cartinha”
O culto dos pesarosos
Ainda me ocorreu argumentar que eu era feliz exatamente porque lutava, à minha maneira, para mudar esse afligido mundo
Sem teto
Maurício volta a entrar para o quarto, liga o computador e espreita as notícias do mundo. Não é exatamente o mundo que ele quer ver. Quer deixar de se ver no mundo
A pasta do vizinho
Chamavam-lhe o “Doutor da Pasta” porque o homem caminhava invariavelmente com uma pasta apertada contra o peito. E fazia-o com tal zelo que uma vizinha chegou a especular que se tratava de uma carga explosiva