Visão
Num momento em que não faltam ameaças à solidez e coerência do projecto europeu e algumas semanas após a eleição para o seu Parlamento, tem-se falado muito de políticos e pouco de políticas.
Durante a campanha para o Parlamento Europeu, foi consensual que esta era uma das eleições mais decisivas da história da União quanto à política europeia e no que toca à regulação no espaço europeu por motivos vários, como o receio de que o populismo de extrema-direita que ensombra a Europa se tornasse mais influente, as guerras comerciais (China, mas também EUA) e bélicas (Ucrânia, Médio Oriente, Taiwan) em curso ou em potência nos próximos 5 anos, e os desafios urgentes (combate às alterações climáticas) e emergentes (evolução tecnológica).
Num Parlamento que passou de 705 para 720 deputados, as forças políticas de Direita aumentaram ligeiramente a sua representação tendo os dois partidos que englobam populistas e extrema-direita reforçado a sua presença em percentagem superior à do crescimento geral desse espectro, que se reforçou como claramente maioritário na sede da democracia europeia. Tais resultados são preocupantes considerando o posicionamento das Direitas (nomeadamente das portuguesas) em relação a conquistas dos últimos anos e décadas, seja em matérias como o bem-estar animal e a exploração dos oceanos, ou de Direitos Humanos básicos como os dos migrantes e os das mulheres.
Ainda assim, surgiu nos últimos dias uma nota de esperança. Em França, de enorme influência no projeto europeu, a extrema-direita foi derrotada pelas forças democráticas tendo a Nova Frente Popular, coligação progressista, ecologista e de esquerda, vencido a eleição e demonstrado que o verdadeiro antídoto contra as forças reacionárias e populistas é a união em torno de políticas verdes e de progresso que apostem num reforço do Estado Social e da solidariedade.
Infelizmente, nas Europeias, o Livre não elegeu um eurodeputado por uma pequena margem de votos apesar de ter obtido o melhor resultado percentual da sua história, sendo hoje o partido mais votado à esquerda do PS em vários municípios (p.e. Lisboa, Ourém, Cascais, Alcobaça, Oeiras, Vila Real) cimentando-se como alternativa credível e alcançando novamente a confiança de quase 150 mil cidadãos.
A não eleição não nos desmobiliza nem faz esmorecer a nossa esperança no projecto europeu, continuamos a acreditar nele como fórmula de paz, progresso e resolução dos problemas das populações europeias e das urgências globais. A nossa visão de uma Europa solidária, justa, ecologista, social, e fortemente ancorada na defesa dos Direitos Humanos, continuará a ser defendida através da nossa participação nos trabalhos dos Verdes Europeus (força europeia da qual somos o único membro português de pleno direito com estratégia autónoma e europeísta), mas também na política nacional (no Parlamento e não só), nomeadamente a partir dos debates com o Governo sobre os temas europeus e acerca dos assuntos nacionais, visto que acreditamos e defendemos que a União é também parte essencial da solução para as dificuldades que a nossa população enfrenta no dia-a-dia.
Prova disso é que, no último debate quinzenal, o Livre questionou o primeiro-ministro sobre a nossa proposta de criação de um Instituto Europeu que permita, por exemplo, apoiar e formar portugueses para que consigam mais facilmente trabalhar na União Europeia e chegar aos lugares de topo ampliando assim a influência do país nas suas decisões. Doutro modo, uma das últimas propostas do Livre na Câmara Municipal de Lisboa é precisamente o estabelecimento de uma delegação da cidade junto das instituições europeias, permitindo maior impacto nos processos de construção das suas políticas.
Continuamos muito atentos aos principais desenvolvimentos da política e regulamentação europeia, principalmente em domínios como a inovação tecnológica e a ecologia. Quanto ao setor das tecnologias, é importante garantir o acesso livre à internet e às inovações, nomeadamente nas que contaram com a participação de fundos europeus e cujo objeto se relaciona com a transição verde, bem como regulamentar a Inteligência Artificial e a Segurança Cibernética para que não se tornem um perigo para os Estados de Direito e os Direitos Humanos, e afinar os mecanismos de combate aos grandes monopólios tecnológicos cuja posição dominante tem nefastos impactos ao nível social, económico e da inovação.
No que toca ao combate às alterações climáticas e à protecção e restauro da natureza defendemos medidas como a criação de um Tribunal Europeu para o Ambiente que vigie o cumprimento do Pacto Climático e da Diretiva de Redução das Emissões Poluentes bem como de outros padrões ambientais em domínios como as pescas ou a mineração, queremos um reforço normativo para combater pecuária assente em práticas cruéis na reprodução, criação e transporte de animais, e a promoção da economia circular a partir do combate à obsolescência programada e ao consumo descartável, permitindo maior reutilização das matérias-primas críticas.
Considerando todos estes desafios prementes e o impacto que o Parlamento Europeu pode ter na resposta aos mesmos, cabe perguntar qual o rumo traçado, e se queremos uma União de Futuro ou uma Europa do Passado. O Livre permanecerá vigilante e proativo em relação à política europeia e aos seus impactos na vida nacional.
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Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.
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Dvontaye Mitchell, um norte-americano negro, de 43 anos, morreu na passada quarta-feira, dia 3 de junho, à porta de Hotel Hyatt Regency, no estado do Wisconsin, nos Estados Unidos, após ter sido agarrado à força por quatro seguranças do estabelecimento. Segundo as informações da polícia, o confronto entre Mitchell e os seguranças terá tido início ainda dentro do hotel, após Mitchell ter, alegadamente, provocado “distúrbios” e “lutado com os seguranças enquanto o retiravam para a rua”. O momento de imobilização de Mitchell por parte dos seguranças foi captado por testemunhas presentes no local, tendo-se tornado rapidamente viral nas redes sociais. As circunstâncias que terão levado à morte do norte-americano – que deixou dois filhos de 6 e 8 anos – estão a levar a comparações com a morte de George Floyd, em 2020.
No vídeo pode observar-se o momento em que Mitchell é expulso do hotel e imobilizado pelos seguranças, com um a colocar o seu joelho nas suas costas enquanto outro lhe segura as pernas. Um terceiro segurança pode ainda ser visto a usar a força para impedir que o homem se levante. Mitchell é também ouvido no vídeo a gritar várias vezes por ajuda, enquanto um dos guardas lhe ordena que permaneça deitado. A certa altura do vídeo, é ainda possível ouvir um dos guardas dirigir-se às testemunhas que se encontravam no local a filmar e gritar: “Isto é o que acontece quando se vai à casa de banho das senhoras!”, ouve-se. “Entrar na casa de banho das mulheres “não devia ser uma sentença de morte”, pode ler-se no comunicado entretanto emitido pela defesa de Mitchell, onde a família refere ainda o seu historial com problemas de saúde mental, admitindo que o mesmo poderia estar a sofrer uma crise.
Ainda não está confirmado que tenha sido este o incidente na origem da altercação entre a segurança do hotel e Mitchell.
À revista TIME, o Departamento de Polícia de Milwaukee referiu existir uma investigação em curso, recusando-se a confirmar a identidade do indivíduo e do estabelecimento onde ocorreu o incidente. Segundo as autoridades, o homem terá sido detido pelos seguranças do hotel até à chegada da polícia que, já no local, verificou que Mitchell já não se encontrava consciente. A morte foi confirmada depois da realização de manobras de salvamento. Segundo os resultados da autópsia preliminar realizada pelo Gabinete do Médico Legista do Condado de Milwaukee, a morte de Mitchell é considerada um homicídio, estando a causa final do seu óbito ainda sob investigação.
Em conferência de imprensa, na passada segunda-feira, dia 8 de junho, junto ao hotel, o advogado da família assinalou a utilização de “força excessiva” por parte dos seguranças, o que terá levado à morte de Mitchell que se encontrava “desarmado”. O advogado da família apelou ainda a uma investigação contra os seguranças envolvidos no incidente, referindo-se às circunstâncias da morte de Mitchell como “perturbadoras” e que, “conforme descrito por uma testemunha, fazem lembrar o assassinato de George Floyd”. “É profundamente preocupante que tenhamos perdido outro homem negro num confronto com pessoal da segurança, o que levanta sérias preocupações sobre o uso da força, falta de responsabilização e ausência de considerações sobre a saúde mental”, referiu. Durante a conferência, dezenas de pessoas reuniram-se do lado de fora do hotel, como forma de protesto, segurando cartazes com a frase “Justiça para Dvontaye”.
O vídeo que circula pelas redes sociais tem gerado comparações com o homicídio de George Floyd, que morreu a 25 de maio de 2020, após ter sido imobilizado pelo joelho de um agente da polícia que pressionou o seu pescoço durante quase dez minutos. A morte de Floyd, também muito partilhada na internet, resultou numa onda de protestos contra a violência policial e o racismo pelos EUA e que está na origem do movimento #BlackLivesMatter. “Depois de George Floyd, todos na América deveriam treinar os seus funcionários, especialmente as forças de segurança, para não colocarem os joelhos nas costas e no pescoço das pessoas. E quando as pessoas estiverem com problemas para respirar, não as mantenham deitadas”, refletiu Crump.
Já um porta-voz do hotel referiu que o mesmo “ainda está a concluir a sua investigação e, até à data, suspendeu os seus funcionários envolvidos no incidente”. “Estendemos as nossas sinceras condolências à família de Dvontaye Mitchell, a todos aqueles que o conheciam e amavam, e à comunidade de Milwaukee à luz desta tragédia”, refere.
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A Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO na sigla em inglês) está a trabalhar com investigadores dos EUA, Islândia, Suécia e Suíça para construir um sistema que redirecione o tráfego da internet dos cabos submarinos para vários satélites, caso este sistema de comunicações esteja sob ataque ou seja afetado por uma calamidade natural ou um acidente, o que constituiria uma espécie de ‘apocalipse’ da internet. O trabalho é necessário sabendo-se que a maior parte das pessoas dos países da NATO depende destes cabos submarinos para ter acesso online. Assim, um plano de redirecionamento é necessário para evitar disrupções no serviço global de internet, algo essencial à medida que os cabos submarinos assumem um papel cada vez mais crítico no funcionamento das sociedades e economias modernas.
Além desta iniciativa, a organização tem outros programas para proteger estas instalações e o HEIST (de Hybrid Space and Submarine Architecture project to Ensure Information Security of Telecommunications) deve ser lançado ainda este mês.
Com a situação geopolítica a agravar-se, os líderes da NATO receiam que a Rússia esteja a mapear os pontos críticos dos EUA e Europa e temem que os cabos submarinos estejam entre os alvos primordiais.
Ao abrigo do HEIST, a atividade dos cabos vai estar a ser constantemente monitorizada e, em caso disrupção, o tráfego será redirecionado para outros cabos ou para satélites, caso seja necessário. Os sistemas de monitorização atual detetam problemas à escala do quilómetro mais próximo, mas a equipa de investigadores quer apertar a malha e detetar problemas numa escala mais precisa, noticia o Tom’s Hardware.
No âmbito do HEIST estão a defesa da infraestrutura de internet em caso de ataques militares, mas também proteção em caso de evento natural ou acidente, como terramotos ou prender-se uma âncora de um navio num destes cabos – como aconteceu, inclusive, recentemente com um navio fantasma. Outra defesa necessária é contra a espionagem. Apesar de o tráfego que passa pelos cabos estar encriptado, a utilização de computadores quânticos pode ameaçar mesmo a encriptação mais avançada.
Se quiser perceber melhor como funciona uma estação de cabos submarinos, pode ver (ou rever) uma reportagem sobre o tema em baixo:
As equipas em terra estão a realizar testes à Boeing Starliner, que continua acoplada à Estação Espacial Internacional (ISS na sigla em inglês). O que estava projetado para ser uma missão de apenas uma semana deve agora prolongar-se pelo menos até ao final de julho, escreve a publicação Gizmodo, com os dois astronautas a poderem voltar para a Terra provavelmente só nessa altura.
A cápsula foi lançada a 5 de junho e, logo na subida e acoplagem, surgiram indícios de que algo não estava a correr bem e receios de que não fosse capaz de transportar os atronautas de regresso à Terra. Na aproximação à Estação, cinco dos propulsores falharam, tendo quatro já sido recuperados entretanto. Outro problema prende-se com a identificação de cinco fugas de hélio, sendo que uma delas já era conhecida antes do lançamento.
Com todos estes problemas, as equipas de engenharia têm estado a realizar testes a partir da Terra, recolhendo dados e operando alterações de forma a poder autorizar o regresso em segurança. Apesar dos sucessivos adiamentos do regresso, a NASA reafirmou várias vezes que os astronautas não estão presos na Estação e que consegue, a qualquer momento, desacoplar o Starliner e voltar para a Terra, não o fazendo já por escolha.
Este voo faz parte de um programa da NASA destinado a permitir a privados o transporte de tripulação e carga de e para a Estação Espacial Internacional. A SpaceX já o fez por oito vezes e esta é a estreia da Boeing.
Steve Stitch, o gestor do Commercial Crew Program da NASA, revela que as equipas estão a testar uma unidade de réplica do Starliner na Terra e que “as temperaturas que conseguimos atingir não são as que pretendíamos, com base nos dados de voo (…) As equipas estão a analisar esses dados e a tentar determinar os próximos passos”.
Há uma mudança de tripulação da Estação programada para meados de agosto, pelo que os dois astronautas que foram no Boeing terão de regressar para a Terra antes disso.
A startup finlandesa Silo AI é especialista em desenvolver e treinar grandes modelos de linguagem (LLM na sigla em inglês) e despertou o interesse da gigante AMD que precisa de um reforço dessas capacidades para competir com a rival Nvidia. Com a aquisição de 665 milhões de dólares (o equivalente a 612 milhões de euros ao câmbio atual), a AMD pretende melhorar o desenvolvimento e lançamento dos seus modelos de Inteligência Artificial (IA) e ajudar potenciais clientes a construir os seus modelos IA complexos, tirando partido dos processadores da marca.
Vamsi Boppana, vice-presidente da AMD, afirma que a aquisição “desbloqueia um volume significativo de negócio”. A empresa não quis comentar quais as previsões concretas de novo negócio que espera vir a obter com a aquisição da startup finlandesa.
A Silo AI está focada em desenhar soluções de IA completas que ajudem os clientes a integrar tecnologia nos seus produtos e serviços e conta com Philips, Rolls-Royce e Unilever entre os utilizadores destas soluções.
A aquisição deve ficar concluída ainda este ano, com o CEO e cofundador da Silo AI a liderar a unidade como parte do AMD Artificial Intelligence Group. Recorde-se que a AMD comprou, no ano passado, a Mipsology e a Nod.ai e investiu mais de 125 milhões de dólares em 12 empresas de IA no último ano.
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E se o diagnóstico para uma infeção respiratória demorasse apenas 20 minutos e não 24 horas? E se esse teste dissesse não só qual a bactéria responsável, mas desse também pistas sobre como combater a infeção? E se nem precisasse de sair de casa para ter um resultado de calibre laboratorial?

Para os quatro cofundadores da startup Iplexmed, mais do que perguntas teóricas, estas questões são o guião que tem servido de referência para o desenvolvimento de um novo equipamento de diagnóstico médico. O NexaGuard é um pequeno dispositivo, do tamanho de um smartphone, ao qual é acoplado um acessório. É neste dispositivo de formato cilíndrico que é feita a recolha da amostra para análise (o paciente só precisa de depositar um pouco de expectoração).
Depois é feita uma análise à amostra, detetada qual a bactéria responsável pela infeção respiratória e a informação é enviada, ao fim de 20 minutos, para um computador ou smartphone. Imagine uma espécie de teste para a Covid, mas especializado em infeções respiratórias e com um maior aparato tecnológico. Isto porque ao contrário dos testes Covid, o objetivo é que a precisão do NexaGuard esteja ao nível dos testes feitos em laboratórios.

Se a lógica do equipamento é simples de perceber, o que se passa dentro do consumível é muito mais complexo. Na prática, cada consumível tem uma área com 100 biosensores, criados com recurso a grafeno e à nanoescala, assim como o que a Iplexmed chama de sondas moleculares (amostras de DNA), que reconhecem pedaços complementares das bactérias que se pretende detetar e fazem parte da amostra de expectoração. “Ao agarrarem o pedaço de DNA da bactéria conhecida, dá origem a um sinal. Estamos a miniaturizar isso à nanoescala. (…) [O NexaGuard] Permite fazer de forma simples, e num espaço físico reduzido, aquilo que é feito nos grandes equipamentos de análises molecular”, explica Bruno Almeida, diretor executivo da startup bracarense.
Sempre que há uma correspondência entre uma sonda e uma bactéria, através de moléculas que se ligam umas às outras, é criado um sinal biológico que é depois convertido em sinal digital. E é esta informação que depois é passada para os equipamentos dos médicos – e, no futuro, dos pacientes. “Atualmente não existem sensores de grafeno na aplicação médica, nós estamos naquilo que é a crista da onda destes sensores, queremos ser os primeiros a chegar ao mercado”, assegura Bruno Almeida em entrevista. A empresa já submeteu um pedido de patente nos EUA e está a trabalhar em duas novas submissões para proteger a forma como os biossensores são usados.
Além de ser capaz de identificar a bactéria que está por trás da infeção respiratória, o NexaGuard também será capaz de informar sobre a resistência antimicrobiana daquele agente – o que permite, logo, a prescrição da medicação mais adequada às necessidades do paciente. Ao todo, o NexaGuard promete identificar um de 30 elementos com uma única análise.
O caminho que se segue
A Iplexmed foi criada em 2021, mas a génese do projeto começou antes, em 2017, depois de uma competição de desenvolvimento e inovação promovida pelo Laboratório Ibérico de Nanotecnologia e o Instituto de Investigação em Ciências da Vida e Saúde, da Universidade do Minho. Foi destas organizações que vieram os cofundadores da Iplexmed e o primeiro investimento para o desenvolvimento de um protótipo.
Atualmente a Iplexmed está a terminar os testes de eficácia do sistema de análise de bactérias, que estão a ser feitos em parceria com o Hospital de Braga. “Estamos a trabalhar em parceria estreita com o departamento de urgência. O que estamos a fazer é processar as amostras [de expectoração], e saber das amostras positivas quantas é que dos nossos testes deram positivo, estamos a fazer bactéria a bactéria. Existe uma sensibilidade bastante elevada, não podemos revelar o número, mas os resultados são consistentes com o melhor que existe nos testes de biologia molecular”, destaca o líder da startup.
O objetivo da Iplexmed é colocar o NexaGuard primeiro em ambiente hospitalar, mas Bruno Oliveira não esconde o objetivo de também estar mais perto dos pacientes, em sua casa. “A prazo, o diagnóstico médico vai mudar e vai migrar dos laboratórios hospitalares, uma estrutura padronizada, dependente de mão de obra especializada e equipamentos complexos, para a casa dos pacientes. Iremos ter em casa um equipamento que fará por nós um conjunto muito grande de análises e diagnóstico laboratorial”. Um dispositivo destes pode fazer sentido, por exemplo, para um doente crónico de infeção respiratória e que tem a necessidade de testar-se com regularidade, evitando assim deslocações constantes – e potencialmente perigosas – ao hospital.
Além da redução muito significativa de tempo no diagnóstico para infeções respiratórias, há outras vantagens associadas a um projeto como o NexaGuard: desde a prestação de cuidados de saúde mais eficientes, a uma redução dos custos com diagnósticos e medicamentos, à maior personalização dos tratamentos dos pacientes.
E o sistema está também a ser construído para que, no futuro, possa ser usado para a deteção de outras patologias, como malária ou até doenças sexualmente transmissíveis.
Depois da conclusão dos testes de precisão e eficácia, segue-se a prototipagem do consumível que o NexaGuard irá usar e uma angariação de investimento, para que o projeto possa continuar o desenvolvimento. “A seguir à prototipagem vamos entrar no processo de certificação, para termos autorização para vender na Europa”. A estimativa da equipa é que o NexaGuard possa chegar aos primeiros hospitais até setembro de 2026.

Inicialmente dedicada ao desenvolvimento e produção de baterias, a BYD rapidamente se tornou o segundo maior produtor do mundo, assumindo o papel de fornecedor para outras marcas. Desde a sua criação em 1995, a BYD tem seguido firmemente um caminho focado no desenvolvimento sustentável com a disponibilização de soluções de energia livres de emissões para todo o mundo.
A empresa conta com mais de 700 mil colaboradores, dos quais 100 mil ligados à Investigação e Desenvolvimento (I&D), consolidando o seu posicionamento na vanguarda da inovação tecnológica com registo de cerca de 27 patentes por dia.
Atualmente, enquanto fabricante líder mundial de veículos movidos a novas energias (EV e PHEV), já atingiu o impressionante marco de sete milhões de viaturas produzidas.
Liderança tecnológica
Em Portugal, a BYD apresenta uma gama diversificada, com destaque para cinco modelos 100% elétricos, desde o versátil SUV, BYD ATTO 3, até ao Carro do Ano 2024, BYD SEAL. Todos estes modelos incluem a tecnologia exclusiva BYD Blade Battery, desenvolvida com o objetivo de garantir elevados níveis de segurança, durabilidade e desempenho. Isto sem esquecer o tamanho compacto, para reduzir peso e espaço ocupado. A conceção da bateria, formada por células finas e alongadas que se assemelham a lâminas, assegura uma resistência superior ao fogo e aos impactos, reduzindo o risco de incêndios.

Esta tecnologia integra a estrutura e-Platform 3.0, desenvolvida especificamente para veículos elétricos, que proporciona grande flexibilidade, otimizando o espaço que se traduz em interiores mais confortáveis e maior capacidade de carga. O peso reduzido e o centro de gravidade mais baixo significam um comportamento eficaz e equilibrado para oferecer a melhor dinâmica de condução. Além disso, incorpora sistemas de controlo de tração e estabilidade, assim como capacidades de condução autónoma.
Nova tecnologia Super DM
A avançada Tecnologia Super DM (Dual Mode) presente no mais recente modelo lançado em Portugal, o BYD SEAL U DM-i (PHEV), representa uma evolução revolucionária na tecnologia PHEV inteligente priorizando a energia elétrica com uma dependência mínima do combustível.
O sistema permite que o motor térmico alimente as baterias e forneça energia de tração diretamente aos eixos motrizes. Desta forma, circula como um elétrico puro durante 90% do tempo, mas pode funcionar a gasolina, se necessário, assegurando sempre uma transição suave entre os modos de condução. Ao dar prioridade à energia elétrica, obtém máxima eficiência para garantir consumos mais baixos. Adicionalmente, a bateria recebe carga através da regeneração da energia, em travagem e desaceleração.
Visão de futuro
Com uma estratégia sustentável à escala global, que tem por base a inovação tecnológica, a BYD disponibiliza soluções de energia com zero emissões, desde a sua geração, passando pelo armazenamento até à aplicação.
A BYD atua em quatro grandes áreas – automóvel, eletrónica, novas energias e transportes ferroviários – que contribuem para o grande objetivo sustentável da marca: o de criar um ecossistema livre de emissões e contribuir para o arrefecimento do planeta em 1ºC.
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A reorganização da extrema-direita portuguesa surge ao mesmo tempo que aumenta o discurso racista e xenófobo no espaço público. Como é que voltámos aqui?
A História já nos mostrou, diversas vezes, como isto acontece. Normalmente, há uma confluência de fatores que explicam o aumento do racismo e da xenofobia, pequenas falências dos sistemas político, económico e social, que agravam as dificuldades, as desigualdades e a insatisfação das pessoas comuns. Quando se instala uma perceção coletiva de crise, isso aumenta a competição entre grupos. E, depois, as pessoas comuns acabam por ser influenciadas por ideias fabricadas, que são depreciativas em relação a quem é considerado um “intruso”.
É possível relacionar o crescimento de um partido da direita radical populista, como o Chega, que tem um discurso anti-imigração, anti-Islão, com este reaparecimento da extrema-direita?
O que vemos, um pouco por todo o mundo – e Portugal não é exceção –, é que o aparecimento destas forças partidárias alimenta as tais perceções coletivas negativas sobre certos grupos. O objetivo destes discursos é o de retirar vantagens políticas, culpando as minorias por todos os problemas, criando bodes expiatórios. Isto é discurso de ódio, que desumaniza os “outros”, promove o racismo e a xenofobia. E não tenho dúvidas de que o aparecimento do Chega contribuiu para a situação atual.
Acha que o Chega e o Grupo 1143 de Mário Machado podem ser vistos como sendo da mesma “família”?
São coisas diferentes, porque cada uma das estruturas se movimenta num determinado contexto. Mas há, claramente, uma partilha de pontos de vista ideológicos. Mesmo a narrativa utilizada é comum: bélica, de combate, de conflituosidade, de hostilidade, securitária, identitária. A própria atitude social é idêntica: sectária, difamatória, preconceituosa, estereotipada. Têm muitas coisas em comum.
A SOS Racismo tem estado envolvida numa “iniciativa legislativa cidadã” para criar um enquadramento legal mais eficaz para combater o discurso de ódio. As leis portuguesas, neste campo, são más?
Não necessariamente, mas, apesar de já existirem, a ideia de liberdade de expressão parece-me, hoje, tão “elástica” que as leis acabam por se tornar ineficazes. Temos muitos exemplos disso, como o dos deputados do Chega, que, muitas vezes, difundem mensagens deste género nas televisões, rádios ou redes sociais. Mesmo gozando de imunidade parlamentar, isso não significa que as autoridades não possam abrir um inquérito na sequência destas evidências. Infelizmente, isso não tem acontecido.
A SOS Racismo sempre criticou o Tribunal Constitucional pela legalização do Chega. Hoje, o partido é a terceira força política nacional. E a extrema-direita reapareceu em força. O sistema falhou?
Sinto, por vezes, que vivemos numa espécie de limbo entre política e justiça, em que há um constante medo de se ser acusado de se limitar as liberdades. O que é preciso esclarecer, de uma vez por todas, é que numa democracia as liberdades não são, por si só, um direito absoluto. Quando uma pessoa, um grupo ou um partido político defende uma ideologia que põe em causa a liberdade de outras pessoas e a própria dignidade humana, esse direito deve ser-lhe retirado.
O Grupo 1143 é assumidamente racista e xenófobo. Se, como diz, “existem leis”, porque é que as autoridades não proíbem o movimento?
Eu tenho sempre dificuldade em compreender porque é que, nestes casos, não se cumpre a Constituição portuguesa. Se são organizações neonazis, com uma ideologia racista, eugénica, que defendem a eliminação da presença dos “outros”, que apelam à violência contra imigrantes, não compreendo como pode ser antidemocrático proibi-las. Já aconteceu noutros países. Estamos a dizer que a liberdade destes grupos se sobrepõe à liberdade dos “outros”? Sobrepõe-se ao próprio sistema democrático?
No início de maio, houve três episódios de agressões a imigrantes no Porto, associados à extrema-direita. Este nível de violência surpreende-a?
Não, porque já tinha acontecido no passado, com as mesmas pessoas e grupos. O discurso de ódio tem consequências reais, e resulta inevitavelmente em violência.
Tendo em conta a sua experiência, ainda acredita numa sociedade sem ódio nem preconceito?
Acho que nunca vamos alcançar essa ideia idílica. O que importa, no momento em que vivemos, é chamarmos a atenção para que a História não se repita. Não tenho dúvidas de que a solução para resolver este fenómeno passa por um sistema político, económico e social mais justo para todos. Melhores circunstâncias ajudam a travar o ódio.
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Mário Machado: Segredos da vida de um neonazi português
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Mário Rui Valente Machado era um adolescente de apenas 15 anos, quando ingressou, por convicção, no seu primeiro grupo de skinheads. No verão seguinte, a paixão pelo desenho levou-o a inscrever-se na Escola Artística António Arroio, pensando poder ali completar o 10.º e o 11.º anos no curso de Arte e Design. A realidade que encontrou, fez o militante de extrema-direita sentir-se deslocado, manifestando repulsa pelo que descreveu como os “valores mais liberais” daquela instituição – conhecida pelo caldo de cultura mais à esquerda –, fazendo com que entrasse rapidamente em conflito aberto com professores e outros colegas.
Este e outros episódios da vida do mais conhecido dirigente do movimento nacionalista português constam do Relatório Social para Determinação da Sanção, a que o arguido Mário Machado, 47 anos, foi submetido antes de conhecer a última condenação em tribunal: dois anos e dez meses de prisão efetiva por incitamento ao ódio e à violência contra mulheres de esquerda (identificando em particular Renata Cambra, antiga líder do Movimento Alternativa Socialista), em publicações nas redes sociais.
Mais de trinta anos depois, o lápis de desenho ficou para trás, e Mário Machado continua de megafone, em punho, à cabeça do Grupo 1143, um novo projeto de ódio, que parece continuar a aproveitar um aparente entusiasmo.

De entre milhares de contas anónimas, rostos cobertos e comentários cáusticos, nas redes sociais, um grupo de, pelo menos, 200 pessoas, mostra-se orgulhoso, no papel de combatentes de um exército que reclama uma “reconquista” para Portugal. Do teclado, passaram para as ruas, promovendo marchas que já percorreram as principais artérias de Lisboa e do Porto. A maioria são homens jovens, mas também há mulheres. E crianças, levadas pela mão dos adultos. Alguns, são velhos conhecidos destas andanças, que posam em piqueniques, passeios pelo parque, idas à praia, em fotografias em que nunca falta, pelo menos, uma saudação nazi.
Depois de pensar em desistir diversas vezes, desiludido com as rivalidades e dissidências no seio do que chama de “movimento nacionalista”, como partilhou nas suas redes sociais, Mário Machado, que entrou no radar das autoridades com apenas 18 anos, regressa à mesma “luta”, provando que os dez anos na cadeia não lhe mudaram as opiniões ou o comportamento; não se arrepende nem se reabilita. E, aos 47 anos, continua a reclamar impunemente a liderança da extrema-direita em Portugal.
Uma vida radical
Ansioso para o dia de jogo do Sporting, habitou-se a ir ao antigo Estádio José de Alvalade na companhia do pai e do avô, mas assim que completara 13 anos, o adolescente de “personalidade forte e independente”, como se autodescreveu às técnicas da Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP) que elaboraram o seu relatório social, passou a ir sozinho para as bancadas, misturar-se com a Juventude Leonina, lado a lado com skinheads, por quem desenvolvera “um sentimento de simpatia”, por considerar serem “os líderes da claque” e revelarem uma “postura de poder e força”. Com o convívio, começou a identificar-se cada vez mais com o que ia ouvindo deles, até que o “fervor patriótico” que já sentia “passou a nacionalismo”. Numa reportagem, chegou a confessar ter tido como “grandes influências” um skinhead, seis anos mais velho, e uma skingirl, de quem ainda é amigo. Foram eles, aliás, que o levaram a inscrever-se na Frente de Defesa Nacional, grupo que, no início da década de 1990, se mantinha na sombra do mais visível Movimento de Acção Nacional (MAN), então considerado o principal movimento de extrema-direita no País. Mário Machado tinha apenas 15 anos, mas o seu destino já estava traçado, e nunca mais conheceu desvios.
O mais conhecido neonazi português nasceu em agosto de 1976, na freguesia de Campo Grande, em Lisboa, filho único de um casal de comerciantes de classe média. Às técnicas da DGRSP, a sua mãe recorda-o como “uma criança inteligente”, que teve um desenvolvimento “normal”, ao ponto de, para a família, a sua associação à extrema-direita portuguesa ter suscitado “surpresa”, tendo em conta que a sua educação respeitou “princípios humanistas e democráticos”. Descrito como um “jovem afetivo” e “responsável”, a radicalização fê-lo mudar.

Esse ponto de viragem teve reflexos no percurso escolar, com Machado a chumbar no 7.º ano. No relatório, justifica o percalço com “a adaptação a uma nova escola” e alguma “desmotivação pelas atividades escolares”, mas as alterações de personalidade davam-se silenciosamente, já revelando, a quem o rodeava, sentimentos discriminatórios e intolerantes.
A passagem pela Escola Artística António Arroio, como já referido, foi fugaz. Aos 15 anos, Machado não convivia pacificamente com os “valores mais liberais” daquela instituição. Abandonou a escola em “colisão”, sem nunca ter completado o 11.º ano de escolaridade.
A prioridade era agora outra, e passou a dedicar-se a outra “missão”. Com 17 anos, entrou numa loja, no Bairro Alto, para fazer a sua primeira tatuagem: escreveu skin na parte de dentro do lábio inferior, assumindo, com aquela ideologia, uma espécie de compromisso para vida.
Ainda menor, pensava, acima de tudo, em “defender a pátria”, o que o levou a falsificar a assinatura dos pais para se poder oferecer como voluntário na Força Aérea. A perspetiva era seguir uma carreira militar e, posteriormente, frequentar o curso de sargentos. Com 18 anos, Machado tinha completado a recruta na Ota e era treinador de cães-polícia na Polícia Aérea. Com a patente de cabo especialista, sonhava tornar-se polícia ou militar, mas a noite de 10 para 11 de junho de 1995 mudaria tudo.
Proibido na Constituição
No artigo 46.º, a Constituição da República Portuguesa estipula que não são consentidas “organizações racistas ou que perfilhem a ideologia fascista”. São, pois, proibidas as organizações de extrema-direita. Porquê estas e não as de extrema-esquerda? Por duas razões. A primeira, de carácter interno: Portugal sofreu 48 anos sob uma ditadura de direita, sendo a Constituição de 1976 fruto da revolução que derrubou essa estrutura repressiva. A segunda é de carácter geral: os fascismos espalharam o terror na Europa, arrastando o mundo para a II Guerra Mundial. Depois de derrotados, viram o seu banimento consignado na lei da maioria dos países.
O “seu” Sporting vencera nessa tarde a Taça de Portugal (2-0 ao Marítimo, com golos do búlgaro Yordanov), 13 anos depois. E, como todos os anos nesta data, os skinheads juntavam-se para celebrar o “Dia da Raça”. Mário Machado e a então namorada (que viria a ser a sua primeira mulher) estavam sentados à mesa. Sentia-se em casa. Ainda hoje, a cada 10 de junho, Machado publica, nas redes sociais, uma fotografia daquela noite, em que surge, franzino, vestido com suspensórios, tendo os colegas e uma bandeira de Portugal como pano de fundo.
O que se seguiu é conhecido. Acabado o convívio, o grupo varreu o Bairro Alto e o Chiado, agredindo todas as pessoas negras com quem se cruzou. Dez pessoas, pelo menos, ficaram feridas com gravidade, dando entrada nas urgências no Hospital de São José. Alcindo Monteiro foi a 11.ª vítima – cercado e espancado pelo grupo, em pleno Chiado, o luso-cabo-verdiano não resistiria aos ferimentos, falecendo ainda nessa madrugada. Horas depois dos acontecimentos, Machado seria detido no Cais do Sodré. No julgamento, escapou às acusações de homicídio, mas acabou condenado a dois anos e seis meses por oito agressões violentas. Vestir uma farda passava a ser impossível.
O passado repete-se?
A história de violência da extrema-direita portuguesa tem muitos capítulos. No próximo mês de outubro, passam 35 anos desde que José Carvalho, conhecido como Zé da Messa, militante do PSR, foi assassinado à facada por um skinhead, à porta da sede do partido, na Rua da Palma, em Lisboa, hoje casa do Bloco de Esquerda. A morte do luso-cabo-verdiano Alcindo Monteiro fez, este ano, 29. No próximo mês de setembro, cumprem-se nove anos desde que mais de duas dezenas de cabeças rapadas cercaram e agrediram quatro militantes do PCP, à saída de um comício da CDU, realizado no Coliseu de Lisboa, provocando um ferido grave. No início deste mês, assinalaram-se dois meses da noite em que um grupo com uma dezena de homens agrediu dois imigrantes marroquinos nas ruas do Porto, e depois invadiu uma habitação, na Rua do Bonfim, armado com paus, facas e, segundo as testemunhas, uma arma de fogo, para bater em todos os que lá viviam. A investigação aponta para o envolvimento de membros do Grupo 1143 de Mário Machado.
A lista de todos os crimes e vítimas da extrema-direita portuguesa não caberia nestas páginas. Reorganizados a partir da década de 1980, os movimentos de cariz racista, xenófobo e homofóbico têm vivido, desde então, ciclos de maior ou menor fulgor. Mas, talvez, nunca como até aqui “a retoma da atividade de organizações neonazis e identitárias”, como menciona o Relatório Anual de Segurança Interna (RASI), referente a 2023, tenha representado uma tão grande ameaça para a democracia.

“No campo dos extremismos políticos, assistiu-se [a partir do ano passado] a um agravamento da ameaça representada por estes setores, sobretudo no âmbito da extrema-direita”, alerta o documento, que acrescenta que, após um período de estagnação, os movimentos tradicionais e os militantes dos setores neonazi e identitário “retomaram a sua atividade, promovendo ações de rua e outras iniciativas com propósitos propagandísticos”. A reabilitação da extrema-direita portuguesa, nomeadamente entre as gerações mais jovens, deveu-se, em grande parte, ao “esforço desenvolvido na esfera virtual”, que constituiu o “principal veículo de disseminação de propaganda e motor de radicalização”, completa o RASI.
É, precisamente, em redes sociais como o Telegram, TikTok ou X (ex-Twitter) que o discurso de ódio passou a circular livremente entre os internautas. Antes com dificuldade para passar a mensagem, a extrema-direita beneficia, desde 2019, do surgimento do Chega, partido radical populista, que tem contribuído para a “normalização” dos “processos de desumanização e demonização” contra minorias, como explica, à VISÃO, Cátia Moreira de Carvalho, investigadora da Universidade do Porto em Psicologia, Extremismo e Radicalização. O atual contexto fornece “um maior conforto à extrema-direita para se mostrar e recrutar mais seguidores”, afirma.
A vida atrás das grades
A relação de Mário Machado com o sistema prisional português não é, para já, uma história com final. A reabilitação nunca se cumpriu. Os contactos com grupos e militantes de extrema-direita (portugueses e estrangeiros) continuaram e aprofundaram-se a partir da cela. Machado mantinha ligações ao MAN, e ainda saiu a tempo de acompanhar a criação da Aliança Nacional, em 1995, movimento que pagou as dívidas do Partido Renovador Democrático (fundado por Ramalho Eanes), elegeu uma direção e mudou o nome para Partido Nacional Renovador (hoje, Ergue-te), conseguindo, com este expediente, legalizar a primeira formação política de extrema-direita em Portugal, no pós-25 de Abril, sem oposição do Tribunal Constitucional.
O PNR nunca descolou. E a extrema-direita portuguesa caiu numa longa estagnação. Entre 1995 e 2019, nenhum partido deste espetro político conseguiria obter qualquer resultado eleitoral relevante. E os projetos de Mário Machado – como a Frente Nacional (FN), Grupo 1143, Portugal Hammerskins (PHS) ou Nova Ordem Social (NOS) – também se ficaram pela marginalidade.
Como segurança privado, primeiro, na casa de striptease Savana, e, depois, nos bares das Docas e do Parque das Nações, a ação de Machado apenas se tornava notícia quando estava a contas com a Justiça. A investigadora Cátia Moreira de Carvalho destaca que Mário Machado “é uma pessoa que é vista como representante da extrema-direita violenta em Portugal”, mas admite que “muito desta ideia também se deve à promoção que lhe tem sido dada”. “É preciso encontrar um bom equilíbrio porque o extremismo alimenta-se mais da promoção do que dos seus atos. Se formos realistas, muitos dos extremistas são uma fraude, mas a romantização em torno deles transforma-os em algo maior do que eles são”, diz.

O skinhead regressou à prisão em 2007, após ser condenado a sete meses de prisão por posse ilegal de arma, depois de uma reportagem televisiva em que surgia armado, e a defender a ideologia nazi. A cumprir pena, seria condenado a mais quatro anos e dez meses de prisão por crimes semelhantes, a que se juntou nova condenação, em 2009, no âmbito de um processo de ameaças à procuradora do Ministério Publico, Cândida Vilar. Seria absolvido do crime de ameaça, mas condenado a oito meses de prisão por difamação agravada da magistrada. Ainda nesse ano, foi condenado a sete anos e dois meses de prisão por sequestro, roubo e coação. A pena ficou fixada num total de dez anos por cúmulo jurídico.
Apesar da longa estada na cadeia, Cátia Moreira de Carvalho considera que as ações de “uma pessoa que tem um historial criminal e violento” como Mário Machado, nem sempre têm sido devidamente penalizadas pela Justiça portuguesa. A especialista em Psicologia, Extremismo e Radicalização considera mesmo que “certos atos que foram cometidos pela extrema-direita violenta em Portugal podiam e deviam ter sido considerados extremismo/terrorismo, e não o foram”. “Estou de acordo que existe um viés que faz com as instituições penalizem de forma diferente a extrema-direita. Se fosse uma pessoa de cor, origem e religião diferentes, a história seria certamente outra”, lamenta.
Jurista, treinador e comerciante de antiguidades
Mário Machado voltou à liberdade apenas em maio de 2017. Na cadeia, o antigo praticante de ginástica, andebol e taekwondo, passou a dedicar-se ao boxe e à musculação, atividades populares para lá dos muros, a que ainda hoje se dedica nos tempos livres. Ao longo do último período de reclusão, iniciou e concluiu a licenciatura em Direito, na Universidade Autónoma de Lisboa, com o objetivo de “ficar com outra bagagem jurídica”, como referiu a pessoas próximas. No decorrer da pena, insistiu na ideia de ser “um preso político”, e protagonizou momentos de tensão atrás das grades, envolvendo-se em confrontos físicos com colegas de cárcere, como Henrique Sotero, conhecido como “o violador de Telheiras”, e Wesley Silva, apontado como o braço direito de Sandro Bala, indicado como o chefe da máfia brasileira, que atuava na Margem Sul do Tejo.
Advogado de Mário Machado, durante todo este período, José Manuel Castro descreve o cliente, que já considera “um amigo”, como “um militante nacionalista empenhado, com as ideias bem enraizadas”, que “tem pagado um preço alto pelo seu voluntarismo”.
Casos de polícia
Abundam indícios das ligações de polícias à extrema-direita portuguesa, mas ninguém quer falar sobre o assunto
Ao jornalista, um responsável da PSP diz “não querer falar sobre o assunto”. A comentada “proximidade” entre elementos das forças de segurança e a extrema-direita portuguesa tornou-se tabu. A retórica securitária do Chega atrai e encanta muitos polícias e militares. Com a chegada de André Ventura ao Parlamento, dezenas de profissionais da PSP e da GNR, no ativo, aderiram ao partido, mesmo proibidos por lei. Uma amostra de 591 elementos das forças de segurança, trabalhada pelo Consórcio de Jornalistas de Investigação, destapou um submundo policial e militar feito de discursos de ódio online. A tese dos “casos isolados” seria demolida pelo premiado artigo O Braço Armado do Chega, da autoria do jornalista Miguel Carvalho, publicado na VISÃO em novembro de 2022. Por exemplo, dois guardas da GNR são membros ativos do Grupo 1143 de Mário Machado, posando ao lado de quem faz a saudação nazi. “Mas há mais polícias envolvidos no movimento”, garante, à VISÃO, um ativista antifascista. “Os outros apenas são mais discretos”, completa a mesma fonte. Dos sindicatos tradicionais, “não há comentários”. Neste momento, “ninguém quer ser acusado de dividir a classe”, quando “a prioridade é lutar por melhores condições salariais e de trabalho”, diz uma fonte sindical. No passado 10 de Junho, a atuação da PSP para afastar duas manifestações (do Grupo 1143 e de coletivos antifascistas e antirracistas), que coincidiram, no Padrão dos Descobrimentos, em Lisboa, amplificou a polémica e as críticas. Ativistas dos direitos humanos insistem que os bastões policiais “apenas batem na esquerda”, poupando “o outro lado”. “Polícias e extrema-direita andam de mãos dadas”, acusam. Oficialmente, a PSP considera que a ação foi “equilibrada”, e permitiu evitar a “desordem generalizada”. O Grupo 1143 deixou um agradecimento às forças de segurança. E agora até o Movimento Zero – grupo inorgânico de polícias associado à extrema-direita –, contido, há três anos, por centenas de processos disciplinares, instaurados pela PSP e pela GNR, ameaça reaparecer.
Habituado a defendê-lo em tribunal, José Manuel Castro confessa que já aconselhou Machado “a ter mais calma e ponderação” nas suas ações, pois considera que “os olhos estão sempre em cima dele”. “Seria um mau advogado, mas também um mau amigo, caso não o fizesse”, refere.
Os conselhos, porém, parecem não surtir efeito. Após a saída da prisão, em 2017, Machado ponderou afastar-se, dedicar-se à família – a nível pessoal, casou e descasou por três vezes, tendo hoje cinco filhos, de quatro mulheres diferentes. O mediatismo conquistado tornava-o “tóxico” aos olhos de outros grupos e militantes da extrema-direita portuguesa. E foi preciso esperar até 2019 para ser reabilitado (ver caixa).
Hoje, Mário Machado está solteiro e vive com a mãe. Desdobra-se em atividades. Em liberdade, já trabalhou na fiscalização e manutenção de ares condicionados, como fiel de armazém ou no apoio à vigilância de espaços de diversão noturna, no Algarve. Atualmente, presta serviços como jurista, dá aulas de preparação física a amigos e outras pessoas, em Mafra, e ainda explora uma loja de antiguidades, nessa localidade. Declarou, às técnicas de reinserção, ter rendimentos na ordem dos €2 mil/mês, uma situação económica “equilibrada”, continuando, para mais, a contar com o apoio pontual da mãe, mas também com a herança deixada pelo progenitor, falecido há sete anos.
Uma longa lista de inimigos
Mário Machado acredita que o País entrou num novo ciclo, e que a extrema-direita nunca teve tanta força, como até hoje, no Portugal democrático. A entrada do Chega no Parlamento, em 2019, fê-lo suspender a NOS, passando a apelar ao voto em André Ventura, a quem elogia “as ideias”, “o discurso combativo” e “a nobreza de caráter”. Sabe, porém, que nunca vai ter espaço para aparecer na fotografia e, por isso, continua a fazer-se notar.
Nas redes sociais, criou vários canais no X e no Telegram, para partilhar as suas ideias, e atacar quem classifica como “inimigos”: imigrantes, ativistas antifascistas e antirracistas, homossexuais, políticos e jornalistas.
A lista é longa, com casos reais. Como o de Jonathan da Costa Ferreira, uma das caras mais conhecidas da Frente Unitária Antifascista (FUA), que residia em Braga com a família, mas que teve de abandonar a cidade, alvo de uma campanha de provocações e ameaças diárias, que chegaram ao local de trabalho. Jonathan chegou a ser vítima de uma emboscada e de duas tentativas de atropelamento. Acabando por apagar o rasto para proteger a sua família.
Ou o de Mamadou Ba, alvo do discurso de ódio online nos canais de Mário Machado, mas também de uma perseguição através de “uma montanha” de processos judiciais, chegando a ser condenado, em primeira instância, a pagar €2 400 a Machado, por difamação e calúnia do neonazi – sentença, entretanto, anulada pela Relação de Lisboa. “Já tive de enfrentar 13 processos judiciais, apresentados por pessoas ligadas à extrema-direita”, admite, à VISÃO, o ativista antirracista. Mamadou Ba considera que, “neste percurso de 50 anos, já todos percebemos a diferença do que é viver em ditadura e em democracia”, e alerta que “quando alguém tem um projeto para reverter este caminho, torna-se um perigo, não apenas para mim, mas para todos nós, enquanto sociedade”. “Se as ideias de Mário Machado vingarem, muitas pessoas que pensam como ele também estariam ameaçadas”, diz.
O código do telemóvel de Mário Machado é “1143”. O ano da assinatura do Tratado de Zamora, que reconhece Portugal como nação independente, tornou-se uma bússola para a extrema-direita portuguesa. E seguindo esse caminho, o Grupo 1143 quer fazer “uma demonstração de força”, no próximo dia 5 de outubro, numa grande manifestação em Guimarães. O passado ensina-nos que este nunca é um bom destino.
Convidado da TV e fã do Chega
O ano de 2019 foi decisivo para a reabilitação de Mário Machado. O militante neonazi foi convidado pela TVI para falar sobre Salazar e desistiu dos seus projetos políticos para passar a apelar ao voto no Chega de André Ventura

Às zero horas do dia 1 de janeiro de 2019, Mário Machado resistia à ideia de formular resoluções de Ano Novo. Os tempos recentes tinham-no desiludido novamente. O neonazi português estava em liberdade condicional há pouco mais de 19 meses, mas continuava a falhar o seu objetivo de formar um grupo capaz de liderar a extrema-direita portuguesa. Nas entrevistas com os técnicos de reinserção social dos serviços prisionais, Machado garantia estar “afastado” de contextos e atividades associadas ao movimento nacionalista, mas ao ser apanhado numa “guerra” entre gangues de motards radicais voltara a revelar a sua verdadeira natureza e o seu habitat.
Nesse ano, Machado vira a tentativa de criar uma filial portuguesa do grupo motard Los Bandidos cair por terra, depois de uma resposta violenta dos rivais Hells Angels. Nove meses antes, o neonazi escapara por pouco a um ataque num restaurante no Prior Velho (Loures), escondendo-se numa arrecadação nas traseiras do estabelecimento.
Depois de mais de quase nove anos na cadeia, o episódio demonstrava a fragilidade da sua rede de apoio. Naquele momento, restava-lhe a “sua” Nova Ordem Social (NOS), uma organização fundada em 2014, que se mantinha na marginalidade, nunca tendo conseguido reunir as 7 500 assinaturas necessárias para se constituir como partido político. Para piorar as coisas, o mediatismo de Machado tornava-o “tóxico” aos olhos de outros militantes da extrema-direita. À sua volta, restavam pouco mais de duas dezenas de indefetíveis. Com a cabeça a prémio, e a debater-se com um quadro de insuficiência renal, que o obrigava a submeter-se a longas sessões de hemodiálise, o neonazi português até recuara no projeto de abrir uma loja de tatuagens no município de Odivelas.
E foi quando começava a abandonar a ideia de ser “o” líder da extrema-direita portuguesa que o telefone tocou. Do outro lado da linha, o repórter Bruno Caetano (que não tem carteira profissional de jornalista) convidava-o a participar num debate com o tema “Precisamos de um novo Salazar?”, no programa da TVI Você na TV, apresentado por Manuel Luís Goucha.
A aparição motivou críticas de várias organizações antifascistas e antirracistas e do Sindicato dos Jornalistas, mas o convite repetir-se-ia, nesse mesmo dia, para o programa noturno SOS 24, da TVI24. A participação de Machado na TV motivaria queixas formais junto da Entidade Reguladora da Comunicação Social (ERC) contra a estação de Queluz de Baixo, mas o regulador não identificou qualquer infração.
Mário Machado leu esta oportunidade como um sinal de “um novo ciclo”, e não foi preciso esperar muito para confirmar ter razão. Enquanto recuperava de um transplante renal, assistiu com entusiasmo discreto ao surgimento do Chega (em abril de 2019) e à eleição de André Ventura como deputado, nas legislativas desse ano. Consciente do crescimento da direita radical populista – Donald Trump e Jair Bolsonaro eram presidentes dos Estados Unidos e do Brasil, respetivamente –, Machado anunciou, através do YouTube, a suspensão da NOS, justificando a decisão com o aparecimento de “um partido novo (…) [que tem] aglomerado grande parte dos nacionalistas portugueses e da direita”. Desde então, tem apelado ao voto no Chega, uma vez que considera ser este o “único partido da história” da democracia portuguesa com um discurso político que se aproxima do que designa por “nossas ideias”.
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