A Deezer, um serviço alternativo ao Spotify, anunciou que são carregadas todos os dias 20 mil músicas completamente geradas por Inteligência Artificial para a plataforma. Este volume representa 18% do total de músicas carregadas, ou seja, praticamente uma em cada cinco novas músicas são criadas por IA.

A plataforma de música tem métodos para artistas independentes poderem publicar os seus trabalhos sem terem uma editora por trás. Esta opção alivia os requisitos e está a ser aproveitada para permitir o upload de músicas feitas sem intervenção humana, explica o Engadget.

No início do ano, a Deezer estreou uma ferramenta para detetar e classificar os conteúdos gerados por Inteligência Artificial. Em janeiro, constatou-se que a música gerada por IA constituía apenas 10% de todos os carregamentos. O aumento de volume agora levanta o tom da discussão sobre se músicas feitas por algoritmos devem ser permitidas na plataforma.

Recorde-se que as editoras Suno e Udio, especializadas em música gerada por IA, foram processadas por violação de direitos de autor em 2024 e já vários músicos falaram sobre os seus trabalhos estarem a ser usados de forma não autorizada para treinar modelos de IA.

Também a Spotify enfrenta a ‘praga’ da invasão de trabalhos feitos por IA, mas a gigante não parece querer hostilizar para já: “se os criadores estão a usar estas tecnologias – onde estão a criar música de forma legal e pela qual pagamos e as pessoas ouvem – e são bem sucedidas, devemos deixar as pessoas ouvir” afirmou o co-presidente Gustav Söderström num podcast em novembro.

Os utilizadores da Xbox que têm o serviço Game Pass Ultimate vão poder tirar partido mais rápido dos jogos que já tenham comprado. A Microsoft anunciou uma funcionalidade que permite aos utilizadores jogar os seus jogos em streaming, sem terem de descarregar um pesado ficheiro e ocupar espaço em disco para o guardar.

Entre os mais de cem jogos que podem ser desfrutados em streaming, estão títulos populares como Assassin’s Creed ShadowsAnimal WellBaldur’s Gate 3 e Hogwarts Legacy.

Os jogos que podem ser jogados em streaming aparecem na biblioteca com um ícone de uma nuvem e podem ser filtrados na pesquisa. A aplicação da Loja mostra também o ícone, permitindo jogar diretamente assim que a compra é efetuada.

O Engadget lembra que esta hipótese já estava ao alcance dos jogadores, mas em dispositivos que não as consolas Xbox, surgindo em equipamentos como televisores inteligentes, Amazon Fire TV ou Meta Quest VR e em aparelhos com navegadores, como computadores, tablets e smartphones. Os testes para a funcionalidade chegar à Xbox arrancaram em dezembro.

Outra novidade neste domínio é que os jogos compatíveis da Xbox e da Xbox 360 também vão poder ser jogados em streaming nos aparelhos suportados, o que irá alargar significativamente o catálogo de jogos disponíveis.

De acordo com um comunicado do Ministério dos Negócios Estrangeiros chinês, a imposição repetida de taxas dos Estados Unidos aos produtos chineses tornou-se “um jogo de números” sem “qualquer significado económico prático” que o país vai “ignorar”. A Casa Branca anunciou tarifas sobre Pequim até 245%, em alguns produtos.

O Governo chinês acusa ainda Washington de táticas de “intimidação e coerção” ao instrumentalizar a aplicação de tarifas. “Não há vencedores numa guerra tarifária ou comercial. A China não quer travar esta guerra, mas também não tem medo dela”, referiu o Ministério dos Negócios Estrangeiro.

O país asiático já anunciou que “vai ripostar resolutamente” e avisou que, se Washington quiser negociar, deve “parar de usar ameaças e chantagem”.

A guerra comercial entre Pequim e os Estados Unidos intensificou-se na última semana, após Donald Trump anunciar uma pausa de 90 dias nas “tarifas recíprocas” para o resto do mundo, excluindo a China. Desde então que as tarifas têm vindo a ser aumentadas, por ambos os lados, enquanto medidas de retaliação. 

Os endereços do motor de busca Google específicos por país, e que usam os domínios de topo das diferentes nações, como google.pt (para Portugal) ou o google.co.jp (para o Japão), vão deixar de ser mostrados aos utilizadores e vão passar a redirecionar para o domínio principal do serviço, o google.com.

A tecnológica revela que vai deixar de usar os domínios de topo para cada país nas pesquisas e passar a disponibilizar todos os serviços de pesquisa no google.com, mas com a garantia de que os resultados localizados continuam a ser mostrados.

A estratégia de usar informação de localização para fornecer resultados baseados na geografia começou em 2017. Nessa altura, em qualquer pesquisa que fosse feita num endereço de país ou no google.com o utilizador veria sempre a versão dos resultados para o local onde estava localizado. Com o fim da utilização dos domínios de topo, a Google parece chegar a uma conclusão neste processo, noticia o Engadget.

Em comunicado, a gigante explica que “é importante realçar que embora esta atualização vá mudar o que os utilizadores veem na barra de endereços do navegador, não irá afetar a forma como a Pesquisa funciona, nem vai mudar a forma como lidamos com as obrigações a que estamos sujeitos pelas legislações nacionais”.

Já era considerado há muito dos mais prestigiados escritores de língua portuguesa da atualidade e, na semana passada, tornou-se o primeiro a vencer o Prémio PEN/Nabokov de Literatura Internacional. Mais um galardão e um degrau numa carreira que muitos acreditam poderá acabar por levar o romancista moçambicano ao Nobel da Literatura. Esta mais recente distinção surge poucos meses depois de, em 2024, ter ganho o Prémio da Feira Internacional do Livro (FIL) de Literatura em Línguas Românicas de Guadalajara, México, mais um de uma longa lista de outros galardões que preenchem a sua carreira, dos quais se devem destacar o Prémio Eduardo Lourenço (2012), Prémio Camões (2013) ou o Neustadt International Prize for Literature (2014), considerado por muitos o “nobel norte-americano”.

“Posição singular”

Para o júri do PEN America, o trabalho de Mia Couto é um testemunho da dramática história da sua pátria, “bem como dos enigmas da identidade e da existência”, e merece a distinção “pelo conjunto da sua obra”, lembrando que o escritor moçambicano “é admirado por romances como Terra Sonâmbula (1992) e, mais recentemente, a trilogia As Areias do Imperador (2015, 2016 e 2018), selecionada para o Prémio Booker Internacional” e, como tal, ocupa “uma posição singular no panorama das literaturas africana e mundial”.

O Prémio PEN/Nabokov de Literatura Internacional, no valor de 50 mil dólares (cerca de 45 mil euros), é concedido anualmente pelo PEN America, em colaboração com a Fundação Literária Vladimir Nabokov, a um autor vivo cujo corpo de trabalho, escrito ou traduzido para inglês, representa o mais alto nível de realização em ficção, não ficção, poesia e/ou drama, segundo informação do “site” oficial do galardão. O prémio celebra autores cuja obra demonstra “originalidade duradoura e artesanato consumado”, evocando a versatilidade e o compromisso com a literatura, características da escrita de Vladimir Nabokov, acrescenta. Fundado em 2016, este prémio distinguiu anteriormente os escritores Maryse Conde, Vinod Kumar Shukla, Ngũgĩ wa Thiong’o, Anne Carson, M. NourbeSe Philip, Sandra Cisneros, Edna O’Brien e Adonis.

Primeiro a poesia

António Emílio Leite Couto nasceu na Beira, em Moçambique, a 5 de julho de 1955. Trabalhou como jornalista e professor, e atualmente é biólogo e escritor. Nos últimos anos, foi cronista da VISÃO. Com uma carreira na literatura que se prolonga há já mais de 40 anos, começou pela poesia (as primeiras foram publicadas, tinha ele 14 anos, no jornal Notícias da Beira) e pelos contos, reuniu em livro várias das suas crónicas, mas foi como romancista que mais se destacou. Terra Sonâmbula, de 1992, foi o seu romance de estreia, tendo ganho o Prémio Nacional de Ficção da Associação dos Escritores Moçambicanos em 1995, e considerado pelo júri na Feira Internacional do Zimbabwe um dos doze melhores livros africanos do século XX. Seguiram-se outros sucessos, como Jesusalém, O Último Voo do Flamingo, Vozes Anoitecidas, Estórias Abensonhadas, A Varanda do Frangipani e A Confissão da Leoa, entre muitos outros, que, atualmente, se encontram traduzidos em mais de 30 línguas.

Habitação, Saúde e Imigração ocupavam, por esta ordem, o pódio das menções em redes sociais, referentes aos debates televisivos entre os líderes partidários. Isto, segundo o Barómetro Cision/Brandwatch Eleições Legislativas 2025, revelado esta semana. A uma considerável distância, mas ainda dignas de nota, surgem, nas menções dos internautas, a Segurança e a Educação. O mesmo estudo equipara Luís Montenegro a André Ventura, como os líderes mais citados nas redes sociais, com 19% nas referências dos internautas. Surpreendentemente, Paulo Raimundo é o terceiro líder mais citado (15%), seguido, ex aequo, por Pedro Nuno Santos e Rui Rocha (11% cada). No ano passado, os debates tiveram um considerável sucesso de audiências, com um número superior a 17 milhões de telespectadores, para todos os confrontos. As temáticas seguem de perto as que dominaram as atenções, em 2024, agora com mais incidência (ainda…) no tema da imigração – uma vitória de agenda do Chega – e no dado novo da empresa do primeiro-ministro. Ninguém pode garantir, com segurança, até que ponto os debates influenciam ou mesmo alteram o sentido de voto. Mas, com as crescentes “multidões” de indecisos, é cada vez mais seguro que, pelo menos, ajudam os que, querendo votar, hesitam entre duas possibilidades. Outra vantagem de que podem beneficiar, nos debates, os dois líderes dos dois maiores partidos é a de poderem convencer eleitores mais hesitantes a optar pelo voto útil. Neste aspeto, os confrontos que opõem Pedro Nuno Santos aos outros líderes da esquerda – em particular, Rui Tavares, do Livre, como se vê – ou Montenegro aos outros líderes da direita são de capital importância, para fazer a diferença, a 18 de maio, nas urnas. Mais duvidosa é a influência dos comentadores. O espetáculo do “comentariado” que, presumivelmente, também terá uma audiência respeitável, situa-se mais no campo do entretenimento do que no da informação. Embora haja analistas que procuram, mais do que opinar, descodificar as mensagens fortes de cada um dos confrontos entre líderes, e isso sirva para ajudar o telespectador, ao menos, a perceber melhor o que se passou, na maior parte das vezes assiste-se, isso sim, é a um novo debate, desta vez, entre comentadores.

Há, entretanto, um tema que ganha espaço nos debates, e não apenas pela presença do ainda ministro Nuno Melo, líder do CDS, nalguns deles: o da Defesa. Tema recorrente é o da corrupção. Ora, nenhum destes aparece na primeira linha do estudo que citámos. Segundo os peritos das sondagens, o tema da corrupção entra nas primeiras preocupações dos eleitores quando se lhes oferece um menu… e ela vem lá incluída. Mas quando se pede uma resposta espontânea – “o que mais o preocupa?” –, os inquiridos esquecem-se da corrupção e elencam a saúde, a habitação, o emprego ou o custo de vida. Os principais partidos – a que se junta, nesta campanha, a IL… – evocam muito a “estabilidade”, convencidos de que o eleitorado a deseja. Ora, se os eleitores desejassem estabilidade, não votavam como têm votado, fragmentando as suas escolhas e esvaziando, progressivamente, os partidos do centro. Os resultados da Madeira, porém, anunciam um refluxo desta tendência. O eleitor madeirense cansou-se de brincadeiras e, agora, a maior curiosidade é a de saber se isso vai repetir-se a nível nacional: os pequenos partidos à esquerda tendem a desaparecer? O Chega vai perder deputados? Luís Montenegro vai mesmo ser punido pelo caso Spinumviva? E que papel terão os debates, em tudo isto?

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Numa das pontas do corredor principal do moderno edifício da NATO, em Bruxelas, fica o salão do Conselho do Atlântico Norte, conhecido pela sigla NAC. As instalações são excelentes. Tem, no centro, uma enorme mesa oval, com abertura ao meio, para que os repórteres fotográficos ali acreditados façam o seu trabalho, no início das sessões. Mas as reuniões são secretas: num dos extremos da mesa, senta-se o secretário-geral, o neerlandês Mark Rutte e, ao seu lado direito, o comandante supremo aliado da Europa em exercício, general Christopher Cavoli. Há pelo menos dois écrãs gigantes que permitem ouvir comunicações efetuadas remotamente, como as do presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, nos primeiros meses de guerra, em que não saía da Ucrânia. Há sinais luminosos a recordar a todos os participantes que as discussões ali mantidas são classificadas como segredo da NATO. Telemóveis ficam à porta. 
O comandante supremo aliado da Europa (na sigla, o SACEUR), que encontrámos, no início desta descrição, sentado ao lado de Rutte, tem sido sempre, desde Eisenhower (em 1951), um norte-americano, que acumula com as funções de supremo comandante de todas as tropas dos EUA estacionadas na Europa. Em tempos de guerra, esse papel pode significar acesso ilimitado às informações da inteligência dos EUA, bem como aos seus recursos, incluindo as armas atómicas. E há mais funções-chave, desempenhadas pelos americanos: o comando de forças aéreas e terrestres e o comando das forças da NATO no Mediterrâneo. 
Esta semana, o Washigton Post revelou um memorando interno da Administração Trump em que se admite o corte total (repetimos,total) de financiamento para a NATO (e igual, medida para a ONU e diversas organizações e projetos de assistência humanitária em todo o mundo).

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Desconfortável quando hoje, a caminho de um compromisso, desafiou o Waze e chegou mais tarde do que o tempo estimado na app? E quando, daqui a uns meses, no nosso telefone estiver disponível uma nova versão do ChatGPT com conhecimentos ao nível de um doutorado… iremos todos obedientemente seguir os seus conselhos?

Em 1961, o nazi Adolf Eichmann, no julgamento que teve lugar em Jerusalém, apresentou uma defesa tão simples como “eu só seguia ordens”.

Três meses depois, o psicólogo Stanley Milgram conduziu uma experiência onde pretendia perceber se Eichmann e os seus milhões de cúmplices no Holocausto apenas cumpriam ordens ou foram também cúmplices. Na experiência, era dito aos participantes que o objeto do estudo era testar se o castigo físico era útil na aprendizagem. O participante era o “professor” e, a cada resposta errada, aumentava a voltagem do choque elétrico. Se o “professor” hesitava, o “responsável” da experiência repetia algo como: deve continuar, a experiência assim o obriga e esclarecia que a responsabilidade pelo “aluno” era sua. Na verdade, não havia choques e o aluno era um ator (um homem de 50 anos). Os colegas de Milgram antecipavam que não mais de 2% a 3% dos participantes no teste aceitariam a ordem de infligir sofrimento a outro ser humano. O resultado foi desconcertante. Ainda que com manifestações de grande stresse, 65% dos participantes pressionaram o botão “perigo”. A experiência foi posteriormente repetida em diferentes cenários e variantes, mas os resultados mantiveram-se estáveis (documentário disponível no YouTube).

E se a maioria está disposta a cumprir ordens de quem entende que tem autoridade e é responsável, ainda que violem os seus valores morais, como será quando nos próximos dois anos a Inteligência Artificial se tornar omnipresente? Iremos, também nós, reconhecendo a superinteligência do ChatGPT, segui-lo cegamente?

O cenário parece distópico. A maioria de nós utiliza o ChatGPT de forma “básica”. Mas será assim tão longínquo o momento em que abandonamos a nossa autodeterminação a uma forma de inteligência alienígena, como a categoriza Yuval Harari no seu livro Nexus?

Na verdade, já o estamos a fazer e com algoritmos muito menos inteligentes. Nos Estados Unidos da América, desde 2016, vários tribunais utilizam algoritmos para “recomendar” uma pena ao juiz. Ora, sendo o algoritmo treinado em casos passados, não surpreende que as sentenças recomendadas para brancos e negros sejam profundamente diferentes (recorde-se que a população negra nos Estados Unidos da América é de apenas 12%, mas os negros representam 37% da população prisional). Na decisão de um pedido de crédito ou do valor do seguro automóvel, os algoritmos já imperam, mas se pedir que lhe expliquem porque foi recusado o seu pedido ou cobrado um determinado valor, a resposta será provavelmente evasiva. O funcionário não compreende como funciona o algoritmo.

No ano passado, foi publicado o Regulamento Europeu Inteligência Artificial, mas a sua aplicação efetiva está por acontecer. E sendo certo que nada irá moderar o ritmo do desenvolvimento tecnológico, serão as regras existentes suficientes? Depende da sua aplicação. Do que qualificamos como recomendações, ordens e manipulação. Da forma como em cada organização a Inteligência Artificial for utilizada e os princípios éticos a que estará sujeita.

Esta não é uma questão a ser resolvida entre Ursula von der Leyen, Trump e Mark Zuckerberg. É nossa, individualmente e das entidades nas quais trabalhamos e em cujos processos de decisão participamos.

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Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.

1. O sufrágio de 18 de maio próximo ocorrerá exatamente 50 anos e 23 dias após as primeiras eleições livres, por sufrágio universal, da História de Portugal. Essas eleições, a 25 de Abril de 1975, para a Assembleia Constituinte, representaram uma espécie de primeira institucionalização da liberdade conquistada um ano antes, com a Revolução de 1974, graças ao Movimento das Forças Armadas (MFA) e em rigoroso respeito pelo seu programa. Com essas eleições à “legitimidade revolucionária” veio juntar-se a “legitimidade democrática”, que teve a sua institucionalização definitiva com a aprovação da Constituição da República a 2 de abril de 1976.

Quem viveu esse período, por vezes (por revolucionário) natural e inevitavelmente conturbado, mas sempre apaixonante, deslumbrante, não pode esquecê-lo. Nem pode esquecer o clima de verdadeira festa, um povo, após meio século de ditadura, a sentir-se livre e dono do seu destino, nesse 25 de Abril de 1975. Obviamente isso é irrepetível. Mas não pode deixar de ser triste, e impõe reflexão, ver como hoje, e nestas eleições, parece haver um clima e um sentimento tão no avesso dos de há meio século. Provavelmente idem com a percentagem de votantes – e para cúmulo confrontados com uns miseráveis cartazes que, sob a capa da propaganda eleitoral, vilipendiam o 25 de Abril, identificando-o com a “corrupção”.

2. Volto às eleições de 1975 para sublinhar, como é oportuno e de justiça, o admirável trabalho de recenseamento e elaboração dos cadernos eleitorais, desenvolvido pela equipa liderada pelo tenente-coronel Costa Brás, do MFA e ministro da Administração Interna. Assim, nas eleições de outubro 1973 havia um milhão e 800 mil recenseados, e nas de abril seis milhões e 200 mil, ou seja, quase quatro vezes mais! O que é extraordinário, como o é desses 6,2 milhões terem votado 5,7 milhões – cerca de 92%.

Logo em maio de 74 foi nomeada uma comissão, composta por prestigiosos juristas, para apresentar uma proposta de lei eleitoral. Nessa proposta, e no processo subsequente, tudo foi feito para assegurar uma democraticidade sem mácula das eleições, uma completa igualdade de oportunidades para todas as candidaturas. E lembro-me bem de, já na fase final de aprovação da lei, haver uma disposição que obrigava a imprensa a dar o mesmo espaço a todos os partidos…

Eu estava na direção do Diário de Notícias, ao tempo o de maior tiragem e influência, e (também como jurista) critiquei essa imposição absurda: como dar o mesmo espaço, o mesmo relevo, inclusive noticioso, aos partidos que tinham numerosas iniciativas diárias e aos que quase não existiam ou tinham muito reduzida atividade? Fui convidado a ir ao Conselho de Estado – integrado pelos principais titulares dos órgãos de soberania, dirigentes do MFA e grandes personalidades (como Azeredo Perdigão) – para expor o que pensava. E a lei foi mesmo mudada, passando a obrigar a uma igualdade, sim, mas de tratamento jornalístico, para o que era igual…

Foi fantástica a campanha para os portugueses votarem nessas eleições de 1975, foi fantástico esse dia 25 de Abril, tendo a coroá-lo a cobertura televisiva pela RTP, numa emissão histórica de 30 horas seguidas. São as eleições de agora, mesmo atendendo à diferença dos tempos, simbolicamente “dignas” dessas de há meio século?…

3. Considero lamentável a posição da Comissão Nacional de Eleições sobre os cartazes do Chega em que sem margem para nenhuma dúvida se acusa de “corrupto” Luís Montenegro – e cuja retirada ele muito bem requereu através de uma providência cautelar. Ser corrupto é ter cometido um crime muito grave, para mais tratando-se de um político e primeiro-ministro. E então pode impunemente acusar-se, e com a maior exposição pública, alguém de um crime assim grave – de ser corrupto, ou ladrão, ou abusador sexual – em nome da “liberdade de expressão” e como forma de “propaganda eleitoral”? De facto, remetendo para o que aqui escrevi há duas semanas, “vale tudo”. E como a Justiça, ao fim de semanas, ainda não se pronunciou sobre aquela providência cautelar, isso confirma a por mim defendida necessidade de um Tribunal Eleitoral, como no Brasil.

À MARGEM

Duas notas sobre os debates

1) Nos debates televisivos que vi, de interesse e nível bastante diferentes, julgo haver em geral uma melhoria na intervenção e na moderação dos jornalistas. E por exemplo, na RTP, essa melhoria é nítida, ao passar a ter como titular um profissional que, curiosamente, até começou na área do desporto – Hugo Gilberto.

2) Continua, porém, em vários casos, a haver uma permissividade inadmissível – que por vezes parece até conivência, embora involuntária – em relação a André Ventura, suas interrupções e seus truques. Inclusive ao “focarem-no” enquanto o outro debatente está a falar e ele faz umas provocações e/ou diz umas aldrabices (por exemplo, sugerindo ligações ao Irão, à China ou à Venezuela de quem as não tem, pelo contrário).

As autoridades americanas enviaram um questionário às universidades portuguesas com quem têm protocolos de colaboração. Em traços muito largos, a continuação do apoio às instituições depende da não colaboração com “regimes malignos”, se estas escolas defendem ou não as mulheres da “ideologia de género”, se se fala das alterações climáticas, se se apoiam iniciativas para acabar com a discriminação ou se há contactos com partidos socialistas ou comunistas.

Aconselho vivamente a ler a lista de perguntas na sua totalidade. É um bom exemplo de várias das vertentes do processo revolucionário em curso nos Estados Unidos da América. Quer-se acabar, entre outras coisas, com todas as políticas que promovam a inclusão, a diversidade e a equidade. O plano é destruir todas as instituições que tentam apoiar minorias historicamente discriminadas, implodir todas as tentativas de tornar a sociedade mais coesa, criar barreiras sociais que não permitam a certos grupos sociais ter oportunidades.

É todo um novo mundo que se quer criar, um regime que impõe a verdade e que não tolera qualquer contraditório. Para isso é fundamental acabar com qualquer espaço onde se produza pensamento, onde haja debate, onde se investigue, onde se incentive o livre debate de ideias. Não surpreende assim o ataque feroz que o regime trumpiano tem feito às principais universidades americanas. A chantagem financeira nem se disfarça: ou promovem o que a nova ordem defende ou ficam sem financiamento e condenadas à irrelevância.

Seja como for, é esta gente que agora manda na ex-terra dos livres e que quer rapidamente transformá-la numa autocracia. Se querem acabar com políticas promotoras de diversidade, equidade e integração, se não querem o livre debate ou o contacto com outras realidades políticas e ideológicas no seu país, é normal que não apoiem escolas que o façam por esse mundo fora. Nada mais normal e legítimo.

O que não é normal e legítimo é a intromissão na mais sagrada regra das universidades: a sua autonomia.

O Estado ou qualquer outra instituição privada ou pública, nacional ou estrangeira, pode doar dinheiro a uma universidade, não pode é interferir nas suas liberdades e atividade académica.

Não há qualquer dúvida: as perguntas que foram feitas às universidades portuguesas violam os tais princípios inegociáveis.

Um ataque desta violência por parte de um governo estrangeiro a instituições tão relevantes da nossa comunidade tem de ter uma resposta.

Aguardei que o ministro da Educação dissesse alguma coisa sobre o assunto: nada. Ou seja, Fernando Alexandre não acha este ataque à autonomia universitária digno de uma palavrinha que seja.

Mas o que mais me surpreendeu foi o nosso ministro dos Negócios Estrangeiros nada ter dito.

Não é por sabermos Paulo Rangel um lutador pela liberdade (quem não se lembra da claustrofobia democrática?), é tão simplesmente por desempenhar as funções que exerce. É ele que tem de dizer ao governo americano que a sua atuação é intolerável e que Portugal não aceita esse tipo de interferências nas nossas universidades.

Mas sejamos justos, tinha de ser o Governo português a tomar uma posição clara. Ou seja, Luís Montenegro não podia deixar de dar indicações a Paulo Rangel para que atuasse com a necessária dignidade.

O problema é que este tipo de comportamento perante a nova Administração Trump está a tornar-se assinatura deste Governo. Ouço Nuno Melo a não pôr em causa a posição dos EUA perante a NATO; vi o ministro Pedro Reis a achar normal um inacreditável pedido de certificação às empresas portuguesas para garantir o cumprimento das leis americanas, que não é mais do que um ato de suserania económica; quando os líderes ocidentais condenaram em coro Trump por causa do que ele disse sobre Gaza, Montenegro ficou mudo e quedo.

Mais, não consigo encontrar frases condenatórias, tomadas de posição ou sequer chamadas de atenção do Governo português ou dos seus membros sobre os inúmeros atentados de Trump à democracia, à economia global ou ao que quer que seja que este pretendente a ditador tenha dito ou feito. Nada.

Pode ser cobardia, claro está, aquela que os bullies como Trump adoram e que os faz sempre exigir mais e mais. Pode, porém, ser outra coisa.

Em 2016, Montenegro disse que se absteria na eleição entre Hillary Clinton e Trump. Já era grave, mas a seguir aconteceu o que aconteceu e pode ser que ele tenha mudado de ideias. Mas há poucos meses, depois da tentativa de golpe de Estado e de tudo o que Trump anunciava, Hugo Soares, o, de facto, segundo homem mais poderoso do País, disse que teria muita dificuldade em escolher entre o atual Presidente dos EUA e Kamala Harris.

Talvez não fosse má ideia aproveitar a campanha para esclarecer se Montenegro e Hugo Soares já perceberam quem Trump é. Até agora, os atos e palavras não têm sido de forma a deixar-nos sossegados.

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