Começou por responder pelo nome de Salon International de la Haute Horlogerie (SIHH) quando foi criado, em 1991, porque a Cartier, a Baume & Mercier, a Gérald Genta, a Daniel Roth e a Piaget decidiram fazer uma espécie de mostra ultraexclusiva das suas coleções. Só entravam no certame profissionais do setor – ou jornalistas –, e todas as peças eram praticamente inatingíveis, sobretudo pelo fator preço. Hoje em dia, continua a ser uma atmosfera de exclusividade que se respira na Watches and Wonders – a designação com que, em 2022, a feira internacional foi rebatizada, agora está sob a alçada da Watches and Wonders Geneva Foundation (WWGF).

Estamos, 23 anos depois, a falar de uma mostra significativamente maior do que aquela que lhe deu origem. Alguns números, para que possamos ter a noção da dimensão: durante seis dias, as 54 marcas presentes – e já foi anunciado que vão ser mais, em 2025 – viram passar pelas montras mais de 49 mil visitantes. Desses, 1 500 foram jornalistas de mais de 125 países. Houve 5 700 retalhistas a passar pelo Palexpo, um espaço onde 75 mil metros quadrados acolheram a iniciativa para a qual foram vendidos 19 mil bilhetes – a abertura ao público é algo relativamente recente, e a generalidade das pessoas só tem o privilégio de acudir à meca da relojoaria nos últimos três dias dos sete que dura a Watches and Wonders.

Em Genebra, e os hotéis da cidade enchem-se de tal forma que é preciso alojar parte dos visitantes em hotéis franceses, logo ali ao lado da fronteira, estima-se que o alcance gerado por esta iniciativa supere os 600 milhões de pessoas (obrigada, redes sociais!).

D.R.

Também lhe podemos contar que foram servidas mais de 100 mil chávenas de café, e possivelmente o mesmo número de taças de champanhe, porque, afinal, é sobretudo nas mesas, que ocupam os corredores entre os expositores, que acontece grande parte dos negócios e encontros importantes deste certame.

Há várias coisas que nos saltam à vista assim que descemos as escadarias – que parecem quase reais – do Palexpo: antes de mais, o silêncio. Foi preciso caminhar durante vários dias e várias horas para ter a certeza absoluta de que ali estavam realmente milhares de pessoas, a conversar ininterruptamente, a ouvir apresentações, a falar ao telefone, a gravar vídeos, a divertirem-se enquanto trabalhavam. Há uma espécie de burburinho que nos acompanha durante todo o dia, mas não é mais do que isso. Murmúrios em muitas línguas que se cruzam com as luzes das montras pejadas de novos modelos ou de referências incontornáveis de marcas como a Tag Heuer, a IWC Schaffhausen ou a Rolex, dona do maior pavilhão da feira.

E se, em 1991, o objetivo era mostrar a quem mais sabia tudo sobre o que a indústria relojoeira andava a desenvolver, hoje não bem assim. Aqui, o velho lema de Coco Chanel (“Menos é mais”) é atirado para o caixote do lixo, e tudo o que seja minimalista não tem direito a existir. Na Watches and Wonders, as marcas põem as garras – ou o dinheiro – de fora e tentam atrair pelo que conseguem mostrar. Pavilhões de dois andares, chão que imita os oceanos (sim, IWC, estou a falar de vós), barcos de corrida pendurados nos pavilhões, celebridades a aparecer de surpresa junto das marcas das quais são embaixadores, professores universitários a dar palestras em auditórios exclusivos, diamantes, ouro e brindes – muitos brindes: desde toalhas de praia a livros de design, passando por carteiras, porta-chaves, porta-relógios, garrafas… enfim, é toda uma mostra de opulência e de criatividade que nos deixa relativamente assoberbados durante as primeiras horas. E, claro, trata-se também de um desfile de moda e de acessórios: todos competem para serem os mais bem-vestidos, e há mesmo quem apareça com um relógio em cada pulso – todos de alta-relojoaria –, para que fique claro que merecem um lugar ali.

Porém, não é por acaso que a Watches and Wonders já ganhou até uma iniciativa-satélite em Xangai: em 2024, o mercado da alta-relojoaria na Ásia garantiu receitas superiores €26 mil milhões. Estima-se que o crescimento deste segmento se mantenha na ordem dos 2,79% ao ano e, claro, a China domina o mercado global, ao garantir sozinha receitas de €11,2 mil milhões, o que explica não apenas a presença de um número muito, muito considerável de jornalistas asiáticos em todas as conferências de Imprensa mas também o corrupio de influenciadores digitais vindos do Oriente para promover as marcas.

Talvez o exercício mais difícil para uma jornalista seja, precisamente, partilhar a sala com os autodenominados “criadores de conteúdos”, que se transformaram em autênticas máquinas de publicidade para as marcas, sobretudo as que querem chegar a mais consumidores, mais jovens e menos tradicionais. As perguntas mais técnicas dos jornalistas da especialidade são recebidas com suspiros e revirar de olhos, e não raras vezes é difícil chegar aos modelos que estão a ser apresentados para os ver com atenção, tal a quantidade de tempo (e de apetrechos) que muitos dos influenciadores levam para as salas das apresentações – duram não mais de 15 minutos, podem ser feitas em variadíssimos idiomas, mas têm um número muito limitado de lugares e um apertado controlo de presenças.

A questão é que, atualmente, nenhuma marca se pode dar ao luxo de não ter nos influenciadores um veículo de propaganda. Da Chopard à Chanel, da Hermès à Hublot, da Vacheron Constantin à Ulysse Nardin, já não é possível sobreviver sem o recurso a quem mais seguidores tem nas redes sociais – são eles que chegam aos novos milionários, cada vez mais novos e digitais –, a que se juntam ainda os embaixadores-estrelas de cada marca. Durante os sete dias da Watches and Wonders, personalidades como Kylian Mbappé ou Gisele Bündchen fizeram as delícias dos visitantes, que eram a espaços surpreendidos com a chegada de estrelas de várias indústrias e geografias.

A esta altura, já se terá tornado claro que, da versão inicial, a Watches and Wonders mantém apenas a exclusividade. A opulência veio depois, em conformidade com os tempos, e esta sente-se tanto nos pavilhões, que cada marca cuidadosamente montou, como nas peças apresentadas.

Bling, bling e diamantes

Entrar no expositor da Van Cleef & Arpels é uma boa forma de exemplificar o que pode ser a visita a esta feira. É toda uma sucessão de cores, de movimentos mecânicos e de luzes, que tentam fazer da nossa experiência uma espécie de jogo dos sentidos, sempre em estado de alerta para que não percam nada do que está a acontecer. E, claro, antes de se percorrer um estreito corredor escuro, forrado a tecido macio, como que a antecipar o privilégio só de alguns para entrar nas salas preparadas para as sessões de Touch & Feel de cada peça, há um burburinho de pessoas que se amontoam perante uma vitrina. Num primeiro momento, espera-se que estejam a olhar para algo absolutamente único, uma vez que ninguém arreda pé da posição a que chegou.

Quando nos aproximamos, há uma espécie de tensão no ar, porque dentro da caixinha de vidro, em cima de dois andares do que nos parece uma caixa de música, está uma espécie de ovo dourado, que é muito bonito, efetivamente, mas que à primeira vista não nos surpreende por aí além. Até que, de repente, se ouvem os primeiros “ooohhhs” e “aaahhhs” de espanto e de encanto que, em qualquer língua, soam ao mesmo e não precisam de tradução: afinal, os pequenos e trabalhados braços dourados que compõem aquele ovo abrem-se totalmente, numa incrível mostra de de engenharia, e de lá de dentro sai, a dançar, uma pequena fada cujas asas vão batendo à medida que sobe no espaço. Na mão, perfeitamente esculpida, carrega um pequeno diamante. À sua volta, naturalmente, todas as pedras que a envolvem são preciosas. O Bouton d’Or é a peça extraordinária apresentada este ano, que é um relógio também – claro, é para isso que cá estamos –, mas é, sobretudo, uma mostra daquilo que os melhores artesãos são capazes de fazer quando têm a experiência, o tempo e o conhecimento.

É precisamente sobre essa manutenção de talento e de conhecimento que Nicolas Bos, CEO da Van Cleef & Arpels nos falará dias mais tarde, numa daquelas salas exclusivas mencionadas acima. “Se olharmos para o autómato que apresentámos este ano [Bouton d’Or], há muitas técnicas que temos in-house, como as que usamos na joalharia e na alta-joalharia. Tudo isso existe nas nossas oficinas em Paris. Há muito trabalho para adaptar as técnicas a uma escala específica e a um objeto específico, mas é algo que sabemos fazer. No entanto, a questão do autómato já é outra história: é muito diferente dos mecanismos usados tradicionalmente na relojoaria e é muito especial. Começámos a trabalhar há cerca de 20 anos com o François Junod [considerado o génio dos autómatos] e agora voltámos a fazê-lo, não apenas num projeto particular, mas com o objetivo de transmitir o seu conhecimento, treinar aprendizes e alargar as nossas oficinas”, diz-nos.

Exclusividade e poder

Entretanto, seguimos viagem, apressadamente, porque, depois de termos sido delicadamente expulsos do pavilhão da Chopard – “só entra com marcação e, se não tiver uma com alguém, não pode mesmo ver as peças expostas” –, conseguimos, com a ajuda de um colega da Imprensa nacional que tinha não apenas uma marcação feita mas uma boa relação com a responsável de comunicação, acesso às exclusivas peças que a casa suíça decidiu apresentar em Genebra, neste ano.

O acesso a vários expositores, vedado até a jornalistas, é uma das maiores dificuldades reportadas durante aqueles dias. Na Chanel acontecia exatamente o mesmo do que na Chopard: não há pessoa de contacto, não há entrada, sequer, no pavilhão. No entanto, marcas como a Rolex, a Tudor, a Roger Dubuis, a Panerai ou a Montblanc tinham os seus espaços abertos a quem quisesse ver as peças – algumas que já não entram no catálogo das novidades, mas são clássicos que vale a pena admirar –, e as entradas para as sessões de esclarecimento eram facilitadas no caso de não terem comparecido todos os inscritos.

É evidente que isto acontece para manter a aura de mistério e de inacessibilidade de cada casa. Afinal, não se pode subir o preço consistentemente sem que haja para isso justificações facilmente compreensíveis: a exclusividade do acesso continua a ser a mais fácil razão evocada.

Depois de se conhecer os novos lançamentos de mais de uma dezena de marcas, torna-se claro que, tal como na moda, os relógios seguem tendências: neste ano, são as cores a remeter para as várias fases dos dias, o reforço dos diamantes nos modelos femininos, que vão ficando cada vez mais pequenos, e alguma uniformização dos modelos masculinos, para uma tendência mais unissexo.

Não deixa de ser interessante, também, como nenhum dos diretores de comunicação e marketing – geralmente são eles que recebem os jornalistas, até porque são os nossos contactos frequentes ao longo do ano, e é ótimo associar um rosto a um nome impessoal que surge nas dezenas de emails que trocamos – se espanta quando entram nas salas das sessões de apresentação copos de champanhe ou chávenas de café. Nada de preocupações com copos despejados ou acidentes fatais para as peças que estão ali à mão de experimentar, num momento em que o único objetivo é encantar quem visita a marca.

Aliás, se há outro fator transversal a todas as marcas, esse é o nervosismo presente em todos os profissionais de Relações Públicas, que neste dia levam as suas competências e capacidades ao extremo, tentando garantir o máximo de reuniões possível. Um estado de espírito que contrasta com o dos engenheiros ou o dos artesãos, que, com sorte, encontramos em algumas apresentações e que se mostram apenas extasiados por estarem a apresentar mais uma obra, fruto de tanto trabalho.

É muito curioso como, numa indústria em que não se inventa nada de realmente significativo ou disruptivo há mais de um século, o encanto continua a perdurar. É impossível não nos fascinarmos com a conjugação de mecanismos que cada marca tenta, todos os anos, elevar a um extremo ainda não tocado, para manter os consumidores atentos às novidades.

Obviamente que há sempre quem tenta percorrer aquilo a que os ingleses chamam “extra mile” – ir um pouco mais além. Foi o que fizeram a IWC Schaffhausen e a Tag Heuer, neste ano, ao ganharem o meu coração com duas simples (embora nada baratas) movimentações: a primeira, a da IWC, foi o facto de terem convidado para orador principal Brian Cox. O físico, professor universitário e apresentador de programas de Ciência da BBC encheu um auditório e falou da origem do tempo, da eternidade e dos mistérios do Espaço, no mesmo ano que a IWC apresentou o novo calendário eterno, que apresenta um desvio teórico de apenas um dia em 45 361 055 anos (isso, são milhões de anos), superando o recorde anterior em mais de 43 milhões de anos. Já a Tag Heuer fez uma ação de publicidade com a edição internacional do The New York Times, e, de repente, tínhamos a cara do Ryan Gosling em todos os jornais daquela quinta-feira de abril, que quisemos ler enquanto descansávamos a meio dos mais de dez quilómetros que percorremos diariamente no pavilhão da feira.

No final do certame, quando o burburinho foi substituído pelo rolar das malas que se encaminhavam para o aeroporto, pelas mãos de milhares de jornalistas exaustos, ecoariam na minha cabeça as palavras de Nicolas Bos sobre o que ainda é o luxo: “Continua a ser uma demonstração de gosto, de poder, de importância, que pretende mostrar algo ao resto do mundo – sendo que o resto do mundo pode ser apenas a família ou o companheiro. Este princípio continua a ser o mesmo. (…) Creio que estamos, atualmente, a assistir a uma tendência, em que se dá mais atenção a joias, mais pessoais e íntimas, pelo menos no mundo ocidental. Por outro lado, há muitos países asiáticos em que os logótipos e as marcas são importantes. Parece que estão a descobrir aquilo que era o luxo ocidental há cerca de 20 anos, e com muita atenção ao pormenor e à qualidade.”

O mercado dos relógios tem séculos. Séculos de engenharia, de investigação, de história, de artesanato. Nunca como hoje movimentou tanto dinheiro, provocou tanto envolvimento, obrigou a tanta exposição das marcas. Qual o caminho que vai seguir nos próximos tempos, não o sabemos, mas creio que se pode afirmar, sem muitas dúvidas, que ainda vai fazer mexer muitíssimo a economia – e desengane-se se acha que em Portugal não é como nos outros países. Há razões pelas quais marcas como a Montblanc, a Vacheron Constantin ou a Van Cleef escolheram a Avenida da Liberdade como casa em território nacional – e não é apenas porque gostam muito da luz de Lisboa.

O certame em números

A meca da relojoaria leva, todos os anos, milhares de pessoas a Genebra, na Suíça

54

Marcas presentes

49 000

visitantes passaram pela Watches and Wonders, durante os sete dias

19 000

bilhetes foram vendidos ao público, em geral

100 000

Chávenas de café servidas ao longo da feira internacional

O mercado

€50

mil milhões é o valor estimado do mercado da alta-relojoaria em 2024

€26

mil milhões é o que representa o mercado asiático no setor

€11,2

mil milhões. A China é a principal geografia no que diz respeito a vendas na Ásia

5,84%

Espera-se que o mercado continue a crescer 5,84% ao ano, globalmente, segundo dados da Mordor Intelligence

A par da grande tradição de produção de vinhos e bebidas espirituosas a partir do vinho, Portugal tem também, desde o dia 7 de março de 1992, através de publicação de Decreto-Lei em Diário da República, a única Região Demarcada de Aguardente Vínica de Qualidade com Denominação de Origem Controlada: a Aguardente DOC da Lourinhã. Até esta data, apenas as regiões francesas de Cognac e Armagnac podiam usar essa designação.

Reza a história que esta tradição de produzir aguardentes na Lourinhã começou logo após a Batalha do Vimeiro, em 1808, por alguns soldados franceses que ficaram na região e ensinaram a população local a destilar o vinho. Um produto novo para muitos, que servia não só para beber mas também para desinfetar feridas ou “aliviar a dor”.

Através de alguns registos paroquiais, ficou a saber-se que ainda no século XIX são criadas duas grandes destilarias na região, que compravam as uvas aos pequenos produtores para fabricarem aguardente de acordo com o método ensinado pelos franceses.

Envelhecimento As aguardentes DOC estagiam, no mínimo, seis a sete anos em barricas de carvalho

Aos poucos, começou a desenvolver-se toda uma economia local com a produção de aguardente vínica, que ganhou ainda uma maior expressão quando os grandes produtores da região do Douro começaram a vir até ao centro do País comprá-la para fortificar o vinho do Porto. Ao longo de décadas, este foi o principal destino de toda a aguardente produzida na Lourinhã.

“Após o 25 de Abril, os produtores de vinho do Porto passaram a poder comprar a aguardente no exterior e, como França tem uma produção de mais de 150 milhões de litros, foi praticamente impossível que os produtores locais conseguissem competir com eles. A grande maioria das destilarias acabou por fechar”, lembra Carlos Melo Ribeiro, proprietário da Quinta do Rol, um dos maiores produtores de aguardente DOC, a par da Adega Cooperativa da Lourinhã.

Como resultado, a grande maioria dos produtores locais começou a fechar as suas destilarias e, aos poucos, a tradição do fabrico de aguardente foi-se perdendo. A uva era então aproveitada para produzir vinho de baixa qualidade, vendido nas tabernas locais a preços muito baixos, quase sem qualquer margem de lucro para os agricultores. Muitos deles deixaram de produzir e, aos poucos, as vinhas foram dando lugar a outras culturas mais rentáveis que começaram a instalar-se na região.

Um processo demorado

Ainda na década de 60, o Instituto Nacional de Investigação Agrária de Dois Portos (atual Polo de Inovação de Dois Portos) começou a fazer um estudo sobre a aguardente da Lourinhã. “Nessa altura, em Portugal as coisas levavam tempo. Foram necessárias várias décadas até que esse estudo fosse concluído, nos anos 90”, relembra Carlos Melo Ribeiro. Na sua opinião, houve dois homens muito importantes em todo este processo: João Baptista, da Adega Cooperativa da Lourinhã, e Pedro Belchior, da Dois Portos. Em entrevista publicada há dez anos, no site da Câmara Municipal de Torres Vedras, Pedro Belchior recordou a primeira tarefa que lhe foi dada quando começou a trabalhar naquele organismo do Estado: “O meu diretor disse-me que tínhamos de estudar as aguardentes da Lourinhã. Fiz um estágio em França, durante dois meses, em Cognac, e verifiquei que a Lourinhã tinha efetivamente características para a produção de aguardentes de muita qualidade.”

Mas, afinal, quais são essas características únicas que dão à região a designação DOC para produção de aguardente?

Medidas apertadas

Carlos Melo Ribeiro explica: “O vinho não pode ter mais de 9o a 9,5o e tem de ter um determinado nível de acidez. Há zonas do País, como o caso da Região do Vinho Verde, que conseguem ter o mesmo teor alcoólico, mas menos acidez. E na Bairrada atingem a acidez necessária, mas o grau é mais elevado.”

Além disso, existem várias regras que têm de ser cumpridas, como a não adição de sulfuroso (o aditivo mais antigo e mais comummente usado para conservar o vinho), o que obriga o vinho a ser logo destilado após a fermentação.

E depois temos as castas mais comuns na região, muito similares às que são usadas em Cognac e Armagnac. “Basicamente, são castas com produção muito alta e com pouco álcool. Como estamos junto ao mar, as uvas não amadurecem muito e ficam com pouco álcool e muita acidez, as condições ideais para se produzir uma aguardente de grande qualidade”, conclui Carlos Melo Ribeiro.

Atualmente, existem apenas dois produtores desta aguardente: a Quinta do Rol e a Adega Cooperativa da Lourinhã. Esta cooperativa, que no passado chegou a ter mais de três mil associados, hoje conta com pouco mais de duas dezenas. Atualmente produz cerca de 17 mil litros de aguardente vínica.

Já a Quinta do Rol tem estado a envelhecer as suas aguardentes por mais tempo. “Na altura deste processo, consegui visitar a região de Cognac e Armagnac e tive contacto com alguns dos grandes produtores franceses de aguardente. A determinado ponto, eles estavam a ensinar-me coisas que aqui em Portugal teria muita dificuldade em conseguir saber. Fiquei com um problema de consciência e acabei por confessar que iria ser concorrente deles. A resposta foi a que menos esperei: ‘Não se preocupe. Quanto mais produtores surgirem, melhor é para fazer crescer o mercado’, responderam-me.”

Foi nessa visita que Melo Ribeiro percebeu que, apesar de a idade de envelhecimento para se tornar uma XO (extra old) ser de seis anos, a aguardente só fica realmente “adulta no crescimento” a partir do décimo ano.

Atualmente, a Quinta do Rol tem lotes já com mais de 12 anos de envelhecimento. “Já muitos dos grandes produtores quiseram comprar-me estes lotes para produzirem outras aguardentes sem a designação DOC, mas o nosso compromisso é com a Lourinhã e iremos utilizar toda a produção em DOC Lourinhã”, conta.

No início, a Quinta do Rol teve uma parceria com o Esporão para a produção da aguardente Magistra, que se tornou um dos símbolos dos produtos da Lourinhã. Cada garrafa é vendida a preços acima dos 250 euros, e nalguns casos atinge mesmo os 400 euros. É uma aguardente que estagiou mais de 15 anos em barricas de carvalho francês.

“O Esporão foi um parceiro importante em termos de divulgação e de comercialização do produto, mas já acabámos com essa parceria. Estamos agora a ter contactos com outras casas de grande dimensão e com projeção no mercado internacional para desenvolvermos outras aguardentes”, conta Carlos Melo Ribeiro.

Passados cerca de 32 anos desde que foi publicado o decreto-lei que criou a Denominação de Origem Controlada da Região da Lourinhã para a produção de aguardente vínica, o cenário da indústria do vinho mudou radicalmente. Uma economia que se baseava na produção de grandes quantidades de vinho que era vendido a baixo valor está agora a usar essas uvas para fabricar um produto de luxo.

Mas o processo não é fácil e requer alguma capacidade financeira. Afinal, deixar uma produção a envelhecer durante seis ou sete anos obriga a um enorme esforço financeiro por parte dos produtores, pois terão de suportar os custos sem que tenham qualquer rendimento durante um período longo. “O difícil é ultrapassar esses primeiros anos. Depois a coisa volta a equilibrar-se”, diz Melo Ribeiro.

Quanto ao futuro da aguardente, o proprietário da Quinta do Rol mostra-se bastante confiante. “Este é um produto muito natural e o seu processo de fabrico é praticamente todo biológico, destinando-se a um mercado de nicho que procura qualidade”, explica.

No total, a região DOC da Lourinhã estende-se a cinco concelhos e 14 freguesias. São elas Lourinhã e Atalaia; Ribamar; Santa Bárbara; Vimeiro; Miragaia e Marteleira; Moita dos Ferreiros; Reguengo Grande; São Bartolomeu dos Galegos e Moledo, no concelho da Lourinhã. Na autarquia de Peniche temos Atouguia da Baleia e Serra d’El Rei. Campelos e Outeiro da Cabeça, A-Dos-Cunhados e Maceira, em Torres Vedras; Olho Marinho, em Óbidos, e Vale Côvo, no Bombarral.

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Estamos no mês da azáfama das vindimas. As vinhas enchem-se agora de gente, na proporção inversa em que se esvaziam de uvas. As videiras ficam sem frutos, mas as adegas tratam bem deles para que, no futuro, resultem em belos néctares ‒ uns melhores do que outros, é certo.

Chegámos à Vidigueira, à Herdade do Peso. No Alentejo tudo é intenso. Tudo são extremos. De madrugada podem estar uns frescos 12 graus, para depois do almoço derretermos com temperaturas acima dos 35. E tanto importa esse frio noturno como o calor abrasador – é o exagero meteorológico que enche os vinhos de aroma e sabores. 

Perder de vista Para vindimar os 160 hectares da Herdade do Peso há que pedir ajuda a uma máquina, em tudo parecida à que auxilia na apanha da azeitona. Só os vinhos especiais mantêm a manualidade

Aqui, as gentes sabem bem como o sol pode impedi-las de trabalhar. Por isso, ainda nem são bem seis da manhã quando a vintena de empregados da herdade chega ao campo, todos de chapéu na cabeça e mangas da camisa puxadas para baixo, não vá um galho mais pontiagudo deixar-lhes marcas nos braços, enquanto cortam um cacho de uvas. 

Nesta quinta, a vindima estende-se de 6 de agosto a 27 de setembro e é a mais longa da Sogrape. Em 2023, os vinhos que daqui saíram representaram cerca de 4%, em valor, do total das vendas da empresa, com origem em Portugal. Setenta por cento do negócio é tinto, embora o branco e o rosé estejam em crescimento. As castas mais usadas neste solo, ora de argila ora de calcário, são a Antão-Vaz, Arinto, Verdelho e Chardonnay, nos brancos; Alicante-Bouschet, Touriga-Nacional, Tinta-Miúda e outras em menor quantidade, como a Syrah, para os tintos. 

Transporte Depois de os cachos serem cortados da videira, entram em caixas de plástico que são acomodadas na traseira do camião para irem até à adega, mal acaba a jornada no campo

Considerando os vinhos da Herdade do Peso até €10, a produção de Sossego e Trinca Bolotas, líder de mercado neste segmento, será de cerca de 2,1 milhões de garrafas na colheita de 2024. Os especiais, da marca Revelado e Parcelas, em que a vindima se faz manualmente, assim como a seleção do bago na adega, têm uma produção menor, como se espera de uma viticultura de precisão que começa logo na forma como a videira está plantada.

Luís Cabral de Almeida, diretor de enologia da região do Alentejo, esclarece melhor o pormenor em que foram pioneiros e que representa uma grande diferença. “Fomos ao passado buscar um sistema de condução para a construção de um futuro diferente”, expõe, apontando para o talhão de vinhas velhas que plantaram em vaso, por oposição às outras, que se seguram com arames e estacas, em paliçada. “Nestas que aqui pusemos há quatro anos e de onde estamos a colher pela primeira vez nesta campanha, a fruta está mais protegida, há sombra nos cachos e usamos menos água porque a cota das videiras é mais baixa.”

Madrugada Antes do nascer do sol, já os empregados da Herdade do Peso andam na vinha, protegidos por chapéus de abas largas, de tesoura de poda sempre em ação. Aqui trabalham duas dezenas de pessoas, o ano inteiro

Recentemente, introduziram outra medida distintiva e sustentável. O enólogo volta a dar uma explicação clara: “Há 30 anos, ocupávamos 100% dos 160 hectares da herdade, numa lógica mais intensiva. Agora, só plantamos onde sabemos que haverá a melhor fruta, deixando 40% de área destinada a corredores de biodiversidade, para devolver a flora que existia no Baixo Alentejo antes da campanha do Estado Novo, que mandou inundar o território de trigo, depois da II Guerra Mundial.” Lição aprendida, é hora de irmos para o campo pôr a mão na uva e ver como se faz.

Escolhida a dedo No processo dos vinhos premium, depois do desengaço, há quatro pessoas que, perante um tapete rolante, fazem uma última seleção, separando os bagos bons dos mais amachucados ou com menos cor
Laboratório Quase todos os dias se examinam as amostras colhidas nas cubas que estão nas adegas. No entanto, a primeira análise acontece ainda na vinha, com a prova da fruta nos diversos estados de desenvolvimento
Especialista Luís Cabral de Almeida é enólogo da casa há mais de 30 anos. Tem vindo a acompanhar a evolução do processo, que por vezes reativa métodos do passado. Aqui está ele junto às talhas, onde a uva fermenta em barro

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Bar, laboratório de experimentação musical, gastronómica e artística, palco de concertos intimistas, ponto nevrálgico da noite lisboeta. Há quatro anos que o Vago tem vindo a somar atributos, conquistando um lugar especial na vida do habitantes da capital.

Do número 11 da Rua das Gaivotas espera-se já inovação, a qual, desta vez, chega sob a forma de uma colaboração pop up com Matheus Zanchini. Até 28 de setembro, o chefe brasileiro atrás da cozinha do Borgo Mooca, em São Paulo, restaurante italiano distinguido pelo Guia Michelin, e do Pope, no Rio de Janeiro, tomará os comandos da cozinha do Vago, normalmente liderada pela chefe Leonor Godinho.

O “menu de pequenas porções, criado para picar e partilhar”, é composto por pratos que aplicam a técnica francesa, obtida durante os dois anos que Zanchini trabalhou entre Paris e a zona da Provença, a pratos clássicos da cozinha italiana, herança da avó calabresa, cozinhados com sabores tipicamente portugueses, como as ostras, as azeitonas, os coentros e o bacalhau.

De forma surpreendente e inusitada, o chefe senta à mesa Portugal, Itália e França, numa viagem gastronómica entre a montanha e o mar. Sobre as ostras fumadas, por exemplo, encontramos filet mignon e uma cremosa bagna cauda com cogumelos, típica da região italiana do Piemonte, enquanto que o bacalhau é batido com natas, num creme leve e fresco, e apresentado sobre biscoitos de azeitona e pistácio.

Já o lagostim cru é servido com tomate assado e queijo azul sobre massa de pizza frita, o arancino de risotto de cogumelos, com maionese de amendoim e grelos, esconde um ovo quente no seu interior e a sobremesa chega sob a forma de uma queijada de coco acompanhada de um creme de queijo parmesão.

Sentado a uma das mesas do Vago, Matheus Zanchini conversou com a VISÃO sobre o seu percurso, o amor pela cozinha e os ingredientes que dão alma e calor às suas criações.

Ao longo dos seus 22 anos de carreira, passou por França, regressou ao Brasil, mas, uma vez aí, decidiu cozinhar pratos italianos. De onde surge esta decisão?

Apesar de a minha formação ser em cozinha francesa, a ideia do Borgo foi a de regressar às origens. A minha avó era italiana e o bairro onde abri o restaurante, inicialmente, em São Paulo, tem uma forte imigração italiana. No fundo, é uma cozinha de base francesa com o perfume italiano, que leva Itália de um modo muito “brincalhão”.

Foi o que tentou fazer no menu que apresenta no Vago?

Já cheguei a Lisboa com uma ideia concebida, mas respeitei sempre muito a chefe Leonor Godinho, que percebe muito de cozinha típica portuguesa.

Respeitar os sabores locais é uma prioridade?

O método francês, no qual sou formado, leva muito a sério a questão da origem dos produtos. Ou seja, onde você está pisando é onde você tem de comer. E aqui come-se muito bem. O cardápio foi totalmente devotado à região, à terra. No menu, coloquei muito Portugal, muitos coentros e bacalhau.

E também ostras e carne bovina no mesmo prato. É uma combinação pouco comum.

As ostras foram um prato que nasceram no Borgo, da vontade que, um dia, eu tive de comer uma ostra Rockfeller do bar de ostras da estação central de Nova Iorque. Sabendo que poderia fazer uma dessas ostras, apesar de não ser a mesma coisa, fiz aquilo que um cozinheiro faz, que é construir, de forma respeitosa, em cima de uma receita já existente. A primeira proposta, na realidade, foi a de colocar atum cru sobre a ostra e só depois é que surgiu a versão servida no Vago, com carne de boi.

Qual o ingrediente que mais gosta de usar?

O que tem mais força na minha cozinha é a manteiga. Em França, aprendi a comer basmati com manteiga, pão com manteiga e rabanete. É uma delícia isso. Eu faço da manteiga o conforto da minha cozinha

Em Portugal também usamos muita manteiga.

Sim! Ontem eu fui no Ramiro e o que tem de melhor lá é aquele pão torrado com manteiga que você pega logo à chegada.

E da cozinha italiana tem algum predileto?

O azeite. No pescado, na pizza, no bacalhau, na mousse de chocolate. Azeite à “beça” [em grande quantidade]. Já do Brasil, o meu preferido é o pão. Não pode faltar. Com o pão podemos fazer tudo, até sorvete. Eu amo pão, é algo maravilhoso, não vivo sem pão. O vosso pão também é muito bom.

Após 28 de setembro, poderemos voltar a provar a sua cozinha em Lisboa?

Este menu é uma demonstração, um teste, para algo que poderei vir a criar, em 2025, num novo projeto, uma garrafeira, do Vago.

Vago > R. das Gaivotas 11, Lisboa > ter-sáb 19h-2h

Afinal, a escassez de água não leva as plantas a adotarem as mesmas estratégias de sobrevivência. Pelo contrário: quando sob pressão da aridez, as plantas diversificam as suas defesas. É esta a principal conclusão do estudo científico “Diversidade fenotípica imprevista de plantas num mundo seco e pastoreado”, publicado na Nature, que contou com a participação de 120 cientistas de 27 países.

“O cruzamento de um limiar de aridez de aproximadamente 0,7 (perto da transição entre zonas semiáridas e áridas) levou a um aumento inesperado de 88% na diversidade de características”, resume o estudo.

Os investigadores admitem ter ficado espantados com os resultados, que é o oposto do que esperavam encontrar. “O mais surpreendente é que, a partir de um certo nível de ariedez, notava-se um aumento de diversidade de valores destas características, uma diversidade funcional de estratégias”, explica Alice Nunes, investigadora do cE3c (Centre for Ecology, Evolution and Environmental Changes), da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, uma das co-autoras do estudo (que, no caso português, contou também com a investigadora Cristina Branquinho e uma equipa de técnicos no trabalho de campo).

Isto significa, por exemplo, que, em caso de secura do seu ambiente, uma planta pode “decidir” procurar água estendendo as suas raízes em profundidade, ao passo que a planta do lado “opta” por tornar as raízes mais superficiais, em busca de água perto da superfície.

“Dá-se um boom de estratégias quando a precipitação média baixa para 400 milímetros anuais, o que acontece no Alentejo em alguns anos”, diz Alice Nunes. “É um salve-se quem puder que contraria a hipótese de que ficavam parecidas umas com as outras. Não vão todas procurar o recurso escasso da mesma maneira.”

Uma das hipóteses para a variedade de armas contra a aridez que as plantas desenvolvem é a menor contacto entre elas. “Neste limite de 0,7 [de aridez], havia um colapso, com menos 50% de solo coberto com plantas. As plantas ficam mais isoladas umas das outras, pelo que há menor competição entre elas e menos interações positivas. Há uma grande heterogeneidade na distribuição dos recursos, no espaço e no tempo, muita sazonalidade e maior imprevisibilidade, o que pode ser uma das explicações da variabilidade de estratégias.”

No papel, esta descoberta pode ser uma boa notícia para a adaptação às alterações climáticas (que, para grande parte de Portugal, deverão fazer aumentar a desertificação) – se soubermos aproveitá-la, avisa Alice Nunes. “Tudo depende do que fizermos com esta informação. As zonas áridas são um reduto de diversidade, o que nos dá um elenco de possibilidades para quando pensamos em estratégias para lidar com a desertificação, em ferramentas para recuperar os ecossistemas. Mostra-nos que não devemos pôr os ovos todos no mesmo cesto. É uma lição que a natureza nos ensina, a prova de que a diversidade é importante para a resiliência a médio e longo prazo.”

O estudo foi realizado ao longo de oito anos e passou pela análise de mais de 1300 conjuntos de observações de 300 espécies, em todos os continentes exceto a Antártida. Em Portugal, as amostras de plantas foram recolhidas nas regiões de Castro Verde e Grândola (Alentejo) e na Companhia das Lezírias (Ribatejo).

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