Foi através de uma publicação na rede social Facebook que os guardas do Parque Nacional das Grutas de Carlsbad, no Novo México, Estados Unidos, partilharam o “estrondoso” impacto que um pacote de “Cheetos” – uma marca de snacks muito popular -, deixado no chão da gruta, teve no ecossistema da gruta. Sendo estritamente proibido comer ou beber qualquer coisa que não água nas cavernas de Carlsbad, um dos visitantes do parque terá quebrado a regra durante uma visita e deixado para trás o pacote, aberto, de tiras de milho. “À escala da perspetiva humana, um pacote de snacks espalhados pode parecer trivial, mas para a vida da gruta pode mudar o mundo”, pode ler-se na publicação.

O “esquecimento” acabou por perturbar o delicado ecossistema do espaço, uma vez que os “detritos externos” ao ambiente da caverna resultaram no desenvolvimento e crescimento de bolores e micróbios. “O milho processado, amolecido pela humidade da gruta, formou o ambiente perfeito para acolher a vida microbiana e os fungos. Os grilos, ácaros, aranhas e moscas da caverna organizaram-se rapidamente numa teia alimentar, dispersando os nutrientes [dos Cheetos] pela caverna e formações circundantes. Os bolores espalham-se pelas superfícies, frutificam, morrem e cheiram mal. E o ciclo continua”, lê-se.

A publicação refere ainda que apesar de alguns membros do ecossistema – como as aranhas ou as moscas – já fazerem parte do ecossistema da gruta, outras – como os bolores –, ao surgirem, perturbam o equilíbrio estabelecido.

Um impacto que, segundo os responsáveis, é “completamente evitável”. A direção do parque relembrou ainda que embora seja impossível evitar que permaneçam alguns vestígios da presença humana na gruta – como fios de cabelo humano ou tecidos da roupa – todos os visitantes devem zelar pela proteção do espaço natural. “Todos nós, grandes ou pequenos, deixamos um impacto onde quer que vamos. Deixemos todos o mundo num lugar melhor do que o encontrámos”, pedem no comunicado.

Conhecida pela designação “Big Room”, a gruta de Carlsbad recebe milhares de visitantes anualmente.

Como acontece desde 2001, neste 11 de setembro vão multiplicar-se as recordações e homenagens às vítimas dos atentados que destruíram o World Trade Center. As imagens, 23 anos depois, ainda impressionam; e todos sabemos onde estávamos quando as torres gigantes se desmoronaram em direto à frente dos nossos olhos. Os quatro aviões desviados nesse dia 11 de setembro de 2001 resultariam em quase três mil mortos e anunciavam um século XXI cheio de tensões e violência.

Mas, pela primeira vez desde 2001, a memória desse dia traumático não vai dominar a agenda noticiosa que dos EUA se espalha por todo o mundo. Este 11 de setembro de 2024 é o dia que sucede ao tão esperado primeiro (e único?) debate entre os candidatos presidenciais às eleições de 5 novembro: Donald Trump e Kamala Harris.

Ainda antes dessa contenda no canal ABC uma coisa parecia-me absolutamente certa: ia chegar à rede social X (ex-Twitter) e, independentemente do que tivesse acontecido, os indefectíveis de Donald Trump que por aí abundam – insuflados pela estratégia do proprietário do X Elon Musk, já um apoiante declarado do candidato republicano – iriam dizer que ele ganhou o debate. Enganei-me. Esse é o tema, claro, mas poucos se arriscam a declarar Trump como vencedor

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Quem visitar Londres por estes dias depara-se com manifestações de rua, no coração da grande metrópole, que expressam forte repúdio pelo abandono da União Europeia. Elas têm lugar perto do Big Ben e do número 10 de Downing Street, a sede do governo e, pelas reacções, parecem contar com o apoio de boa parte da população, embora muitos ainda se mantenham à mercê do tradicional orgulho insular.

A nostalgia do velho Império Britânico ajudou a ditar o voto a favor do Brexit, pelo menos nas gerações mais velhas. O Reino Unido, mesmo enquanto esteve na União ficou sempre com um pé de fora, nunca aceitando aderir à moeda única em nome da sagrada libra, ao contrário dos continentais.

Mas a grandeza do passado vitoriano já lá vai, em especial desde a perda da jóia da coroa em 1947, dando origem a dois novos países independentes, Índia e Paquistão, sobretudo devido à força moral de Ghandi e à sua inovadora proposta de acção política, a não-violência.

Mas houve outras razões mais rasteiras e ocultas numa campanha de mentira promovida por políticos sem escrúpulos como o nacionalista Nigel Farage e o conservador Boris Johnson. Em resultado disso agora o povo britânico torce a orelha.

Durante todo este tempo, desde o Brexit, o governo britânico andou a tapar o sol com a peneira. Fingiu que a saída constituía um ganho para o país e simulou que estava tudo bem. Além de ter perdido relevância no contexto europeu, de ter deixado fugir a tutela de duas agências relevantes, como a Agência Europeia do Medicamento e a Autoridade Bancária Europeia, e de ter passado por períodos de falta de diverso tipo de bens. Londres continua a necessitar de muita imigração para que a economia funcione. Basta andar pelas ruas e transportes públicos da cidade para o comprovar.

As gerações mais novas e menos acantonadas na ilha e os estudantes que fizeram Erasmus e que votaram no sentido de permanecer na União, continuam inconformadas e a maior parte já se rendeu à realidade.

A agonia do governo Tory prolongou-se excessivamente devido ao sistema parlamentar, quando já não tinha o apoio da esmagadora maioria do eleitorado, e enquanto ia passando pela chefia do governo uma sucessão de primeiros-ministros de uma incompetência atroz.

Em suma, deixaram a economia do país num estado lamentável, de tal modo que o governo trabalhista recentemente eleito já teve que vir alertar sobre a inevitabilidade do orçamento de estado do próximo ano ter de ser restritivo. Agora é que a população vai sentir na pele o resultado da precipitação estúpida do ex-primeiro-ministro conservador David Cameron, que se lembrou de convocar o referendo pensando que o iria ganhar. Em vez disso abriu uma caixa de Pandora que está longe de ser fechada.

Os idosos nostálgicos da Inglaterra imperial estão agora a ver os seus centros comunitários fechados. Bem avisaram os líderes da Igreja de Inglaterra quando vaticinaram que os mais pobres ficariam a perder e muito com o Brexit, caso o Reino Unido saísse da União Europeia sem acordo, quando Boris Johnson correu a pedir a suspensão do Parlamento à rainha, sem dar tempo a que os deputados que se opunham à saída pudessem discutir, analisar e pôr em marcha legislação necessária para evitar a saída.

O Brexit foi um êxodo falhado. Só o orgulho nacional impede os ingleses e apenas eles (a Escócia votou contra a saída!) de estenderem a mão à palmatória por terem dado ouvidos ao canto da sereia populista, e admitirem que estariam bem melhor dentro do que fora. Apesar dos seus defeitos e dificuldades a UE ainda é um espaço de progresso e prosperidade.

O novo primeiro-ministro, o trabalhista Keir Starmer, já demonstrou interesse em aproximar a Grã-Bretanha da UE. Daqui a uns anos há-de se voltar a colocar a hipótese da readmissão. Mas ninguém vai devolver o tempo entretanto perdido.

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Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.

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1. Azul de Agosto

Deborah Levy 

A premissa poderia acomodar um thriller clássico: a pianista Elsa M. Anderson observa alguém igual a si, a mesma gabardine verde vestida, numa feira da ladra em Atenas. Uma dupla que cobiça o objeto em que ela reparou, um par de cavalos mecânicos ativados pela corda das caudas: um detalhe onírico que dá o mote para uma perseguição (mútua?) por Atenas, Paris, Londres. Mas Levy é uma escritora incisiva, dedicada às questões de identidade, escolha e liberdade femininas. A suposta versão do tema do doppelganger evolui para uma exploração do poder das memórias suprimidas: Elsa, filha adotada de um professor, abandonou o palco a meio de um concerto. Agora, refugiada a dar aulas de música aos filhos das elites, tenta reconstruir quem é. Relógio D’Água, 496 págs., €22,90 

2. O Pequeno Navio

Antonio Tabucchi 

Os escritores raramente são complacentes com os primeiros livros, magnificando as imperfeições, envergonhando-se da carpintaria tosca, da cartografia mareada. Antonio Tabucchi (1943-2012) escreveu este seu segundo livro em 1978, três anos passados da estreia literária com Praça de Itália, tendo-lhe acrescentado uma nota em 2011, sinalizando pistas: “Um livro nosso que relemos é como uma verdade que tivemos a coragem de dizer imediatamente, mas ao tornar a ouvi-la tanto tempo depois receamos que tenha expirado.” Tabucchi descobriu que em O Pequeno Navio, inédito em Portugal, “as tábuas da quilha pertenciam à mesma madeira dos livros que se lhe seguiram no tempo”.

Aqui, diz, reencontra a História com maiúscula, “leviana rapariga que exibe, jubilosa, lutos e desgraças”, a história sem maiúscula de Itália, a defesa da língua, o “fenótipo” de personagens futuros – “um personagem derrotado, mas não resignado”. E a ideia de que “nós somos porque nos contamos”. Acrescentem-se-lhe melancolia, vinhetas narrativas paralelas, figuras ancoradas num certo insólito – um Sócrates filósofo que acreditava no Homem terreno, uma Ivana dita Rosa de Luxemburgo comida por vermes, uma mãe de lóbulos transparentes, povo da Toscana rural e fascistas na Abissínia, gente entre a ditadura e a resistência, entre o sonho e a memória. Tudo convocado por Sexto, ruivo e desencontrado com a poesia, um capitão que navega por um século de História italiana e pela árvore genealógica dos que, antes dele, usaram este “nome aritmético”. D. Quixote, 208 págs., €19,90 

3. O Pacto da Água

Abraham Verghese 

Este romance homenageia forças tectónicas: a paisagem indiana, a magnitude da Natureza, a beleza minerada nos contrastes quotidianos. O Pacto da Água pede ao leitor que mergulhe na leitura sem muitas interrupções, e sabendo que a resiliência humana será recompensada no fim. A começar pela da protagonista, matriarca cujo percurso acompanhamos por sete décadas no futuro estado de Kerala, desde que era uma menina de 12 anos na véspera do que a mãe afirma ser “o pior dia na vida de uma mulher”: o casamento arranjado com um viúvo de 40 anos, de uma família amaldiçoada em que, a cada geração, alguém morre nas águas. O resto são descendentes, desafios (há um médico escocês que se descobre opressor na Índia), destinos. Porto Editora, 736 págs., €22,20 

4. Templos da Alegria

Kate Atkinson 

Retrato soberbo, num galope narrativo com saltos temporais, da Londres decadente a pedir meças à joie de vivre parisiense no pós-I Guerra Mundial, Templos da Alegria é a descrição dos bas fond cuja lei única era o divertimento, regado a champanhe e música de ragtime. Um potpourri sociológico, com príncipes, banqueiros, artistas, expatriados, cortesãs, criminosos, heróis tresmalhados, todos a dançarem no clube Amethyst de Nellie Coker, madame acabada de sair da prisão, com uma prole de seis filhos que são uns Bórgia domesticados. Kate Atkinson acrescenta-lhes realismo histórico e um tema contemporâneo: para onde vão as raparigas que andam a desaparecer? O mistério vai ser investigado pelo inspetor-chefe Frobisher e sua infiltrada. Asa, 496 págs., €22,90 

5. A Borra do Café

Mario Benedetti 

De leitura mansa como um rio, A Borra do Café funciona como uma photomaton existencial: a de Cláudio, desde que é um miúdo a saltar de cidade em cidade até desembocar e crescer e jogar futebol no bairro de Capurro, na cidade de Montevideu, até à sua idade adulta, homem ziguezagueando entre os círculos esclarecidos do design e outras ocupações modernas, mas assombrado por eventos como o da largada das bombas atómicas em Hiroxima e em Nagasaki. E é igualmente um elegante exercício, ilusoriamente simples, sobre as memórias, ou os resquícios existenciais, que ditam a sorte de cada pessoa.

Há alusões a acasos, coisas sobrenaturais, golpes de sorte, fortuna ao jogo, que pontuam esta história. Mas, na prática, o uruguaio Mario Benedetti (1920-2009) discorre, com limpidez narrativa e provavelmente alguma autobiografia, sobre as experiências catárticas que nos transformam em adultos: o desenraizamento; a descoberta do amor, o idealizado e o real; o confronto com a morte; a descoberta de sentido. Diz-lhe o tio Edmundo, quando Cláudio sente culpa pela sua boa sorte num mundo em conflito: “Quando finalmente chegas à conclusão de que o mundo é enorme e de que o teu mundo é pequenino, começas a recuperar o equilíbrio, bah!, aquele bocadinho de equilíbrio que nos calhou e que não devemos delapidar.” Cavalo de Ferro, 192 págs., €16,45 

6. A Forasteira

Olga Merino 

Há toda uma sugestão de cinema mental a funcionar durante a leitura deste romance, sabendo-se que tem sido caracterizado como um western contemporâneo. O cenário é a Andaluzia, quase devolvida a tempos ancestrais devido à pobreza e à desertificação. O guião explora as guerras causadas pela posse do duríssimo território, e pela obliteração da lei. A anti-heroína, Angie, vive solitária num barraco que já conheceu melhores dias, apenas acompanhada por dois cães e as memórias de um amor de juventude. É esta personagem que vai ser forçada a entrar num confronto desigual, após descobrir o corpo do latifundiário da terra enforcado numa nogueira. O desfecho deste romance, escrito por uma ficcionista e jornalista nascida em Barcelona, vai ser decidido com as armas da memória. Quetzal, 224 págs., €17,70 

7. Além da Memória

Sebastian Barry 

Ao 11.° romance, este escritor virtuoso regressa à terra natal, a Irlanda, enfrentando um tema tabu. Melhor dizendo, Barry encarrega-se de esboroar, sob o pretexto ficcional, as camadas do silêncio e da memória associadas aos traumas causados pelos abusos sexuais a crianças infligidos pelos padres católicos no país. É enganador que o fio narrativo assuma inicialmente a forma de uma investigação policial: Tom Kettle, um agente reformado a tentar gerir as perdas da mulher e dos dois filhos, vive num castelo junto à costa a cuja porta batem dois ex-colegas polícias a pedirem ajuda na resolução de um antigo caso que envolve uma figura do clero. A História está impregnada de nevoeiros, fantasias e emoções que tornam o chão das memórias cada vez mais escorregadio. Relógio D’Água, 248 págs., €20 

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Margarida Blasco ficou na berlinda quando falhas de segurança permitiram um assalto ao edifício da Secretaria-Geral da Administração Interna, Rita Júdice também ficou no olho do furacão, depois de cinco reclusos perigosos conseguirem fugir da prisão de Vale de Judeus. A gestão das crises que se seguiram a dois incidentes sem precedentes foi, porém, diferente.

Gestão de comunicação

Rita Júdice ficou em silêncio perante a fuga de cinco reclusos perigosos. Entre sábado e terça-feira a única informação que veio do Ministério da Justiça foi para explicar que a ministra só falaria quando estivesse na posse de todas as informações. O silêncio foi duramente criticado pelos partidos da oposição e por vários comentadores, incluindo o social-democrata Marques Mendes. Durante quatro dias, a ministra não apareceu e apenas o ministro da Presidência, António Leitão Amaro, falou sobre o assunto, já na terça-feira, admitindo, em reação à insistência dos jornalistas, ser uma “situação preocupante e delicada”, mas sem adiantar muito mais.

Depois de muita pressão e numa altura em que as autoridades desconhecem ainda o paradeiro dos criminosos em fuga, Rita Alarcão convocou uma conferência de imprensa e justificou o seu silêncio. “Enquanto ministra da Justiça, entendi ser crucial dar espaço à investigação, não contribuindo para o ruído de fundo, que surge sempre nestes momentos. Ao mesmo tempo procurei reunir toda a informação possível, ouvir as explicações. Falar por falar não é meu timbre”, afirmou.

No caso de Margarida Blasco, a ministra da Administração Interna também não fez declarações sobre o assalto à Secretaria-Geral do MAI, mas o seu gabinete emitiu um comunicado logo nesse dia, partilhando algumas informações sobre o caso.

Alguns dias mais tarde e já depois de ter sido detido um suspeito do assalto, o gabinete de Blasco emitiu um novo comunicado, com algumas informações contraditórias.

Nesse texto, o MAI diz que “não corresponde à verdade que as câmaras de videovigilância, do edifício que sofreu a intrusão, estivessem avariadas ou desligadas, na altura da intrusão, já que estavam a funcionar normalmente e as imagens eram visíveis no respetivo posto de controlo”, apesar de se terem passado várias horas entre o assalto, ocorrido por volta das cinco da manhã, e o momento em que, já perto das 10h se deu pelo facto de os gabinetes terem sido remexidos e de faltarem dois computadores, dois deles de dirigentes da Secretaria-Geral.

Apesar dessa declaração sobre o funcionamento das câmaras, o mesmo comunicado admite que “havia uma falha na gravação de imagens “ no momento em que se deu o assalto.

Assumir “falhas muito graves” ou desvalorizar o incidente?

Quando, finalmente, falou ao País, numa conferência de imprensa, Rita Júdice não hesitou em reconhecer a gravidade de uma situação que não só permitiu a fuga de presos perigosos como revelou várias falhas que tornaram mais difícil às autoridades apanhá-los.

“A fuga de cinco reclusos, perigosos, em plena luz do dia, com ajuda externa, saltando dois muros, um deles com seis metros é de uma gravidade extrema”, assumiu a ministra da Justiça, vincando que a situação “é de uma gravidade que não podemos desculpar”, antes de proceder à cronologia de todos os factos já apurados sobre a “cadeia sucessiva de erros e falhas muito graves” que permitiu a fuga.

“Vimos desleixo, vimos facilidade, vimos irresponsabilidade e vimos falta de comando”, reconheceu, sem hesitar em carregar nas cores, antes de revelar ter aceitado os pedidos de demissão do diretor-geral da DGRSP e do subdiretor-geral com o pelouro dos Estabelecimentos Prisionais e de anunciar que pediu  à Inspeção-Geral dos Serviços de Justiça uma auditoria aos sistemas de segurança de todos os 49 estabelecimentos prisionais do país e uma “auditoria de gestão” ao sistema prisional.

A reação de Margarida Blasco foi bem diferente. A ministra da Administração Interna optou por não dar uma conferência de imprensa sobre o assalto à Secretaria-Geral do MAI e o comunicado que emitiu, após a detenção do suspeito, tinha nas entrelinhas alguma desvalorização de um caso que expôs a forma como, aparentemente, um criminoso de delito comum se infiltrou sem dificuldades num edifício onde há informações sensíveis para a segurança nacional.

Nesse comunicado, o MAI frisa que dos oito computadores roubados “só dois estavam a uso”, não valorizando o facto de um deles ser da secretária-geral adjunta e outro do responsável pela Informática da Secretaria-Geral do MAI, nem dando justificações para a demora no aviso sobre o assalto à PJ, ao SIS e ao CEGER (que gere a rede informática do Governo e que é essencial para bloquear informações à distância).

“Seja nos computadores de reserva/substituição, seja no caso dos dois computadores que estavam a uso, não existiu, nem existe, qualquer risco de acesso a qualquer informação e ou documentos, confidenciais ou não”, diz o mesmo comunicado, sem uma palavra sobre a forma como a montagem de andaimes no edifício contíguo, por onde entrou o assaltante, não ter levado a uma reavaliação do esquema de segurança do mesmo.

Ao contrário de Rita Júdice que fez rolar cabeças para deixar clara a gravidade da situação e que frisou que iria garantir que o caso levaria a ações disciplinares e penais, Margarida Blasco não fez cair o Secretário-Geral da Administração Interna, dando mais importância ao facto de o furto parecer não ter tido consequências de maior do que à forma como a Secretaria-Geral do MAI se encontrava vulnerável.

A fuga demorou 6 minutos, o alerta levou horas, e o comando nunca existiu. Apesar de tudo isto, e mais, a ministra Rita Júdice transmitiu confiança e segurança aos portugueses, na sua primeira reação formal à fuga dos cinco reclusos de Alcoentre. Baseou-se em factos, fez um cronograma rigoroso dos acontecimentos, tirou as devidas conclusões e tomou as respetivas decisões. Não disse tudo, nem podia, mas mostrou firmeza nos passos que já deu, e nos que se seguirão com as auditorias e investigações que estão a decorrer.

A ministra não se ficou por meias palavras. O que aconteceu foi o resultado de «uma cadeia sucessiva de erros e falhas graves, grosseiras e inaceitáveis», e as primeiras consequências já estão tomadas com a aceitação da demissão do Diretor-Geral dos Serviços de Reinserção e Prisionais, e da sua subdiretora. Não existia outra saída na cadeia de responsabilidades, que estará longe de terminar.

Avaliando a narrativa factual da ministra percebeu-se uma total descoordenação e tempo perdido entre a fuga e o alerta para as forças de segurança, o que deu toda a vantagem aos evadidos, que já beneficiavam da montagem de uma operação profissional invulgar. Todos os sistemas estavam operacionais e a funcionar, e mesmo assim a fuga só é detectada muito mais tarde, e numa ronda de rotina na cerca exterior da prisão. É um filme mau, cheio de surpresas, e que contou com ajuda exterior. Falta o desfecho: devolver os fugitivos à cadeia.

Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.

Em conferência de impressa, esta terça-feira, ao final da tarde, a ministra da Justiça justificou a demora em se pronunciar – 72 horas depois da fuga dos cinco reclusos do Estabelecimento Prisional de Vale de Judeus – com o facto de só agora ter nas mãos o relatório que resulta do inquérito instaurado no sábado. “Enquanto ministra da Justiça, entendo ser crucial dar espaço à investigação sem contribuir para o ruído de fundo”, sublinhou.

“A fuga de cinco reclusos, em plena luz do dia, e com ajuda externa, saltando dois muros, um deles com seis metros de altura, é de uma gravidade extrema e que não podemos desculpar”, começou por dizer Rita Júdice, antes de apresentar uma cronologia dos eventos:

  • A operação de fuga começou às 9h55 com a intrusão de três indivíduos no perímetro externo do Estabelecimento Prisional;
  • A evasão teve início às 9h57;
  • O último recluso a evadir-se ultrapassou a vedação exterior da prisão às 10h01;

Decorreram, assim, seis minutos desde o início da fuga até à sua conclusão.

  • A fuga foi detetada por dois guardas, quase em simultâneo, pelas 11h00 – um encontrava-se no pavilhão, enquanto o outro circulava, numa viatura, no perímetro interior da prisão quando viu uma das escadas. Sobre as escadas usadas na evasão, o relatório especifica que nenhuma das duas existiam no interior de Vale de Judeus;
  • O alerta dado a toda a corporação foi dado entre as 11h04 e as 11h08;
  • O diretor de Vale de Judeus foi informado às 11h10
  • O alerta à GNR ocorreu às 11h18

Feitas as contas, “entre as manobras de aproximação dos cúmplices externos, às 9h55, e a deteção da
fuga, às 11h00, decorreram 65 minutos”, esclareceu a ministra, acrescentando que “entre o início da fuga e a comunicação ao órgão de polícia criminal competente (no caso, a GNR) mediaram 83 minutos”.

Rita Alarcão Júdice adiantou ainda que no dia da fuga estavam escalados 33 guardas, mais dois
elementos com a função de Chefe de Equipa e que o elemento responsável por monitorizar as imagens do sistema de videovigilância (que “estava operacional e a funcionar”) estava no seu posto no momento da evasão.

“Ns relatos recebidos vimos desleixo, vimos facilidade, vimos irresponsabilidade e vimos falta de comando. Também vimos decisões erradas ou ausência de decisões nos anos mais recentes”, considerou a governante. “Temos fundamento para concluir que a fuga de cinco reclusos resultou de uma cadeia sucessiva de erros e falhas muito graves, grosseiras, inaceitáveis“, acrescentou.

O relatório confirma ainda o que a Polícia Judiciária anunciou no domingo: a fuga foi orquestrada, ou seja, “não resultou do aproveitamento de uma distração, não foi uma fuga oportunista”, mas sim o resultado de “um plano preparado com tempo, com método e com ajuda de terceiros”.

Além de anunciar duas auditorias – aos sistemas de segurança de todos os 49 estabelecimentos prisionais do
País e uma “auditoria de gestão” ao sistema prisional – a ministra deixou também claro que “a recuperação da confiança no sistema prisional vai exigir a responsabilização a vários níveis” e assegurou que não hesitará “em dar impulso aos processos disciplinares ou penais que se revelem necessários”.

A terminar, Rita Júdice lembrou que a sua entrada em funções “abriu as portas” aos guardas prisionais, tornando possível o aumento do suplemento que exigiam e a revisão do modelo de avaliação de desempenho, ao mesmo tempo que sublinhou que “o País espera dos Guardas Prisionais dedicação, profissionalismo e rigor no cumprimento das suas funções”.