A confiança no sistema de Justiça é a última reserva do Estado de Direito, sobretudo quando os valores constitucionais estão sob ameaça da vaga populista.

Infelizmente, o poder judicial tem progressivamente caminhado para o descrédito, ausência de uma imagem consistente e desaparecimento no quadro das políticas públicas face à atomização de agentes e à abstenção reiterada do poder político em enfrentar as corporações do setor e as dimensões críticas do sistema.

A magistratura judicial não tem assumido uma posição marcante no sistema, nem no plano dos valores que marcam a sociedade nem no da fixação de jurisprudência relevante.

A multiplicação de ciclos de curta duração na liderança do STJ e do Conselho Superior da Magistratura, acentuada pela rotação rápida dos juízes conselheiros que atingem o topo do sistema muito tarde e se jubilam quase de imediato, mantém uma apagada rotina burocrática impotente para reagir com propostas insuscetíveis de serem recusadas pelo poder legislativo que contrariem o arrastamento dos megaprocessos até à prescrição e a sensação de que as grandes empresas encontraram na arbitragem uma justiça própria inacessível aos cidadãos comuns ou às pequenas empresas.

O crime violento é investigado com eficácia pela PJ e julgado com celeridade, mas a imagem do sistema é corroída pelas infindáveis regulações de poder paternal, pelo calvário para conseguir cobrar dívidas, pela incapacidade para decidir atempadamente sobre criminalidade económico-financeira, como se viu recentemente no caso do cartel da banca, ou pelo arrastamento de processos com figuras conhecidas, como o dos acusados autarcas Tutti Frutti maioritariamente do PSD de Lisboa, por factos ocorridos até 2017, que passados dois mandatos autárquicos ainda nem chegaram a julgamento.

O Ministério Público goza de um modelo de autonomia e de falta de escrutínio, sem paralelo em qualquer parte do mundo livre, que tem sido subvertido corroendo a hierarquia num modelo autogestionário em que muitas vezes o único porta-voz é o sindicato dos magistrados.

Só uma perversa disfunção entre autonomia e irresponsabilidade permite a tolerância nacional relativamente a factos como o antigo ministro João Galamba ter sido escutado durante quatro anos ou o magistrado Ivo Rosa ter sido investigado durante três anos, sem que qualquer deles tenha alguma vez sido ouvido no âmbito desses inquéritos e muito menos saber o que estaria a ser alvo da curiosidade dos procuradores.

O PS tem duas décadas de responsabilidade na matéria, porque desde o caso Casa Pia, situação agravada com o processo de José Sócrates, se sentiu coibido de fazer qualquer intervenção estrutural na área da Justiça, tendo mesmo desperdiçado a disponibilidade de Rui Rio para um diálogo com o PSD em torno dos grandes temas do setor.

Mas, no atual ciclo governativo, nem para as questões de intendência parece existir Ministério da Justiça. Face a uma idade média próxima dos 60 anos nos registos e notariado, fecham-se áreas de atendimento público, suspendem-se serviços e acumulam-se atrasos enquanto fracassam os processos de recrutamento.

O concurso para guardas prisionais conseguiu cerca de 50 candidatos para mais de 200 vagas e o de oficiais de justiça permitirá no máximo reunir metade dos estagiários pretendidos.

As novas prisões ou grandes remodelações não passam do plano e a estratégia contra a corrupção só teve como resultado a substituição da direção do MENAC-Mecanismo Nacional Anticorrupção.

A justiça tributária afunda-se com prejuízo grave para as contas públicas e incerteza para os agentes económicos, enquanto a solução encontrada na Lei de Estrangeiros para os processos de massa para respeito de direitos fundamentais dos imigrantes foi uma intolerável restrição no acesso aos tribunais administrativos.

Já nem vale a pena falar de uma Justiça que vive tranquilamente com o facto de ser acessível apenas aos muito ricos, que podem pagar bons advogados e todas as custas judiciais, e aos muito pobres que podem beneficiar do apoio judiciário, deixando de fora do sistema a maioria dos portugueses.

Nesta pobreza de valores e ausência de desígnios, o desaparecimento de Laborinho Lúcio, um ministro culto que tinha da Justiça e, sobretudo, da vida uma visão plural muito para lá da aridez dos códigos e uma dimensão humanista, que não se perdia com as vãs glórias corporativas, é um sinal do final dos tempos da construção de um Estado Democrático e solidário deixando-nos mais sozinhos nestes tempos de incerteza e risco de regressão civilizacional.

A Justiça é um bem fundamental do Estado Democrático só valorizado quando desaparece e é substituído pela lei do mais forte, pelo que a total inexistência da ministra da Justiça Rita Júdice merece o prémio Laranja sem Sumo de hoje.

Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.

1. Naqueles primeiros dias após o “fecho” do último JL, Jornal de Letras, em meados de julho, pela primeira vez desde há muitos, muitos anos, senti-me plenamente em férias… Não tinha que pensar na próxima edição, telefonar a pedir isto e aquilo, mandar emails a lembrar prazos, escrever e ler textos, etc. Coisas, embora não todas, que mesmo no período teórico de férias também me preocupavam, não conseguia esquecer. Soube da morte do José Blanco, e de par com a tristeza que a notícia me causou, a minha reação imediata foi a de termos de fazer no jornal uma coisa boa que lhe prestasse justiça. Ou seja: recordar o sabedor e devotado estudioso de Pessoa, como administrador da Gulbenkian propiciador de bolsas a seus investigadores, cujo trabalho o JL mais do que uma vez destacou; e, sobretudo, o homem que naquela qualidade, e à frente de diversos serviços da Fundação, incluindo os de música e internacional, teve ação de grande relevância para a cultura e o país. Imaginando que, como aconteceu, não fosse lembrado/valorizado como devido tudo que José Blanco fez, por exemplo, para a preservação do património histórico português no mundo – “missão” em que trabalhou com ele o excelente arquiteto Viana de Lima. Foi a minha primeira reação – e só depois me lembrei que afinal não havia JL…

2. Mas a que propósito vem isto agora? Cerca de três meses corridos sobre aquela última edição, se algumas vezes – por exemplo, na recente atribuição do Prémio Camões à Ana Paula Tavares – lamentei não haver jornal para o assinalar e “tratar” um tema à nossa maneira, senti exatamente o mesmo, ou ainda mais, do que em relação ao José Blanco agora na morte, no passado dia 17, do António Borges Coelho (ABC). Velho “querido amigo” – como ainda sublinhava há cerca de um mês na dedicatória do seu livro Poemas, em boa hora acabado de editar pelo Zeferino Coelho (Ed. Caminho) -, além de notável historiador uma figura raríssima: pelo seu espírito humanista, pelo seu caráter, pela sua seriedade, simplicidade e solidária atenção aos outros.

E muito mais. Porque tendo sofrido o que sofreu durante a ditadura, perseguições de toda a ordem, seis anos e meio de prisão no Aljube e no forte de Peniche, a proibição de ser professor (saído do cárcere foi jornalista…), com a sua força de convicção, capacidade de entrega e luta, foi sempre, como noutra circunstância sublinhei, um homem discreto e cordial, que “na fidelidade ao essencial dos ideais por que se bateu mantém e manteve sempre um espírito tolerante, sem nenhuma espécie de ódio ou ressentimento, de que até a limpidez do seu riso ou sorriso aberto constitui sinal seguro”.   

Acrescente-se, aliás, que ao seu currículo de vítima da fascismo à portuguesa se deve incluir o da sua companheira de sempre, Isaura, que foi também perseguida, agredida (arrastada pelos cabelos pela polícia…), ré num processo vergonhoso na sequência da sua luta, como enfermeira que era, contra uma das muitas medidas de Salazar que atestam o que foi o “catolicismo” do seu pensamento e regime: as enfermeiras não podiam casar nem ter filhos – e eram demitidas da função pública, como ela foi, se deixassem de ser solteiras ou os tivessem. Isaura esteve quatro anos presa, dos quais sete meses e dez dias em “isolamento”, ela e e ele casaram-se … no forte de Peniche.

3. A obra de ABC como historiador é enorme e de grande importância; como o é como professor, sobretudo depois do 25 de Abril na Faculdade de Letras de Lisboa, de centenas de alunos gratos por tudo que lhes ensinou e como os ensinou. Além dos domínios em que é unanimemente reconhecida como fundamental na historiografia portuguesa – sobre a ocupação/presença árabe na Península Ibérica, a Inquisição, etc. – a sua obra abrange outras áreas e diversos períodos da nossa história. Com a sua assinalável “coragem serena” e capacidade de trabalho, inclusive na área da investigação, ABC abalançou-se, com 80 anos (morreu com 97) a começar a publicar uma História de Portugal, de que saíram sete volumes. Cujos títulos dão conta da sua amplitude: o do primeiro é Donde Viemos; os dos dois últimos são Da Restauração ao ouro do Brasil e Portugal na Europa das Luzes.

Como muito bem escreveu Sérgio Campos Matos em uma das múltiplas matérias e salvo erro três capas que o JL ao longo do tempo lhe dedicou, António Borges Coelho foi, é, um “historiador da condição humana”, com “um lugar absolutamente original na nossa historiografia”, pela “coerência do seu percurso”, “a conceção totalizante de história de marca hegeliana, embora a narrativa viva também do pormenor significativo: uma narrativa cinematográfica, por vezes jornalística, elíptica, sugestiva, na sua marca dramática, inesperada”.

4. Não querendo entrar nesta coluna em qualquer análise, para a qual não tenho competência, parece- me imperioso citar o que sobre ABC, numa homenagem que lhe foi prestada, disse outro grande historiador, José Mattoso, com uma posição filosófica/ideológica muito diferente da sua:

“… mereceu a pena enfrentar riscos e humilhações que só lhe fortaleceram a dignidade, mereceu a pena consagrar longas horas à investigação e à docência, mereceu a pena cultivar a força transfiguradora e simbólica da palavra (…) Queremos agradecer-lhe: ter-nos mostrado o caminho certo, seja o do combate frontal como o que travou na juventude, seja o da conquista de uma posição a partir da qual possamos fazer ouvir a nossa voz, como ele fez também, subindo, pela sua competência científica e a sua autoridade moral, ao topo da carreira universitária (…); ter tido a coragem de, com risco da própria vida, contribuir para eliminar um regime opressor e injusto (…); não ter deixado que as marcas da repressão de que foi vítima, em vez de se traduzirem em ódio, desabrochassem em celebração da vida pela palavra poética, pela amizade do convívio, pela ironia bem humorada, pela disponibilidade e o otimismo.”

Uma nota ainda para o facto de ser “notório” o escritor ABC estar muito presente em inúmeras páginas da vasta obra do historiador ABC – e, claro,  ainda mais em intervenções e textos como os reunidos no livro Crónicas e Discursos, publicado em 2024. O Eduardo Lourenço dizia-me sempre que recebia e lia um dos livros do ABC que ele era muito bom escritor, no JL o Mário de Carvalho, entre outros, sublinhou-o, e no prefácio ao livro História e oficiais da História o António Lobo Antunes escreveu ter encontrado nele “um grande escritor, coisa que há muito não me sucedia no que à nossa língua diz respeito”. Por isso, quando saiu o Donde Viemos, titulei assim uma daquelas capas que lhe dedicamos: História de Portugal: rigor e ‘melodia’.

5. Nestes tempos tristes, em que o ódio se espalha ou derrama como óleo numa estrada de asfalto a que tantos querem atear o fogo, nestes tempos em tanto faltam cidadãos corajosos, militantes, tolerantes, humanistas no mais amplo e nobre sentido da palavra, e em que até não abundam os intelectuais, académicos, escritores, artistas, que intervenham a pensar nos outros, na cultura, na defesa da democracia e no país como creio se imporia – que fique o grande exemplo de António Borges Coelho.

Quando a grande porta de madeira se abre, temos à nossa frente uma escadaria imponente, que se curva até desaguar num patamar de chão de madeira, onde uma mesa baixa segura uma velha máquina de escrever. Olhamos para cima e reparamos no vitral redondo e colorido que dá ao espaço uma dignidade especial. As paredes estão cheias de capas de jornais emolduradas e há uma funcionária que nos guia até à sala que nos foi cedida pelo Sindicato dos Jornalistas. Sentamo-nos à volta de uma mesa e comentamos que daqui a um mês este edifício terá já deixado de ser o que é. Será preciso encaixotar tudo para sair, porque a renda no Chiado subiu de tal maneira que será impossível ficar. O Chiado e o Bairro Alto já não são lugares para jornalistas.

Somos poucos. É a primeira coisa que salta à vista quando nos olhamos à volta da mesa. Não estamos ali todos, mas sabemos que, mesmo com os que faltam, somos poucos. Falamos sobre isso. Sobre como poderemos continuar a fazer a VISÃO assim. Escrevo-o e assalta-me a ideia de que talvez não devesse contá-lo. Não se devem ver as costuras do que fazemos. E não me sai da cabeça uma das frases que me ficaram gravadas dos bancos da faculdade: “Os jornalistas não são notícia.” Certo. Mas há momentos em que temos de contar aquilo que outros gostariam que calássemos. É essa a nossa maior força. Antes que nos calem.

Somos poucos. E à volta da mesa, entre os risos nervosos e a vontade de lutar por esta paixão doentia que nos une ao jornalismo, são visíveis os sulcos do cansaço nos nossos rostos. Estamos cansados. Não, dizer que estamos cansados não chega para explicar como se vincam as nossas faces. Somos um pequeno exército a meio de um combate. Estamos entre a euforia da luta e a vontade de deixar cair os braços. Há baixas. Não é fácil sobreviver no meio desta guerra. Trabalhamos muito, não recebemos há meses, sim. Mas não é só isso. É esta incerteza que nos faz acordar a meio da noite. Todos acordamos a meio da noite. O sono interrompido pelo sobressalto. E se não conseguirmos?

Somos poucos. Temos de nos organizar melhor, gerir o esforço, perceber até onde podemos ir. O Rui Tavares Guedes é como um comandante, organizando um barco. A nossa embarcação é frágil. Atravessamos um mar alto e encrespado. Balançamos. E olhamos para ele à procura do caminho, como ele olha para nós à procura da força.

Somos poucos. Mas somos muitos. São tantos os que a cada dia se aproximam, querendo saber como podem ajudar-nos a remar. Há quem ofereça o seu trabalho, um texto, um apoio técnico, quem queira dar dinheiro, quem compre braçadas de revistas quando as encontra nas bancas para as distribuir por familiares e amigos, e quem anseie pelo momento em que conseguirá voltar a assinar a VISÃO em papel.

É por saber que somos muitos, mesmo sendo tão poucos, que continuamos. Por isso e pelo bichinho louco do jornalismo que nos mordeu há décadas e não nos larga. Os olhos exaustos iluminam-se quando percebemos que tantos se põem ao caminho para fazer a viagem connosco, que a cada semana vendemos mais exemplares em banca, que a cada dia há mais alguém que se junta, quando a alguns de nós nos passa pela cabeça desistir. Os olhos exaustos brilham quando falamos da história que está por contar, da reportagem que ninguém ainda fez, do texto que queremos mesmo escrever, porque há coisas para perguntar e coisas para descobrir.

Somos poucos. Mas sabemos que temos de nos juntar com os que connosco querem ser muitos. Juntos seremos tantos quantos os que forem necessários para não nos calarem. Uma sociedade sem jornalismo deixará de ter voz. Poderá até gritar na cacofonia das redes sociais e da indignação instantânea, mas não conseguirá ouvir-se nada no meio do ruído.

Somos poucos. Todos os dias há quem conte uma história, quem tenha uma pista para investigar, quem queira partilhar um testemunho. Cada uma dessas pessoas aproxima-se com esperança. A esperança de quem sabe que o jornalismo faz a diferença. E o difícil é sermos tão poucos para conseguir ir a tudo, para escavar cada informação, para mostrar cada rosto, para ajudar a tornar visível o que alguns querem oculto. Mas, sendo poucos, sabemos que há muitos que percebem a importância do que fazemos e por isso nos procuram quando todas as outras portas se fecham. As injustiças ficam impunes quando são invisíveis. É isso que sabe ou intui quem vem à procura de um jornalista para lhe contar alguma coisa.

Somos poucos. Mas metemos medo a muitos. Não é por acaso que o primeiro passo de qualquer ditadura é calar o jornalismo. Se somos jornalixo, se estamos a morrer, se os populistas não precisam de nós para falar ao povo, por que metemos tanto medo? Que medo pode fazer alguém cujo único poder é perguntar? E, sim, é medo que têm. Porque só se torna um alvo quem inspira temor.

Somos poucos. Mas não queremos ajudas do Estado nem perdões nem esmolas. Queremos contar com os muitos que agora se juntam e com os mais que aí virão, graças ao nosso trabalho. Lutaremos enquanto nos deixarem, para deixar claro que o que fazemos vale cada cêntimo do preço de capa de uma revista.

Calhou-nos a nós ir à frente nesta batalha. Mas sabemos que se erguerão fileiras atrás de nós. Já começámos a senti-lo. Queremos ser muitos, muitos mais. E faremos tudo para que o jornalismo independente, sério, isento, rigoroso, lento e pensado continue a encontrar páginas onde existir.

Palavras-chave:

José Luís Carneiro andava pelo Tâmega na segunda-feira à tarde. No rescaldo da Comissão Nacional do PS que, em Penafiel, arrumou (pelo menos, formalmente e para já) os temas do resultado das autárquicas e da escolha do candidato presidencial, Carneiro procurava mudar de página. “Vamos levar à Assembleia da República a proposta para a criação de um Contrato Territorial de Desenvolvimento para a Região do Tâmega e Sousa, que apresenta dos piores indicadores de desenvolvimento, pese embora os seus recursos territoriais”, respondeu à VISÃO numa pausa nas jornadas parlamentares do partido desta segunda-feira, assumindo que vai tentar pôr essa ideia “na agenda”, sem querer alongar-se sobre a reação do partido à “abstenção exigente” no Orçamento do Estado, o efeito Ricardo Leão no posicionamento político dos socialistas e a evidente falta de entusiasmo de alguns setores do PS com a candidatura de António José Seguro. Para José Luís Carneiro, nada disso é tema.

Liderança O discurso salomónico sobre o apoio a Seguro, para Belém, pode ser pensado para que o PS não se parta

Entre os carneiristas garante-se que “não houve uma única voz dissonante” em relação à votação no Orçamento, “nem sequer dentro do Grupo Parlamentar”, que Leão “é um produto do seu tempo e do contexto local” que não fará mexer a agulha do PS nacional e que o líder até deu “liberdade total” de voto nas presidenciais aos militantes para evitar fraturas, numa altura em que é evidente que Henrique Gouveia e Melo pesca votos e apoios de peso no partido. Mas se, no Largo do Rato, se olha para um copo meio cheio e sem ondas, há quem no PS veja as águas a agitarem-se. José Luís Carneiro é, para muitos, um líder a prazo para a travessia no deserto, que pode mesmo ficar “amarrado” ao resultado de António José Seguro, ainda que Carneiro esteja a fazer o possível para transformar a sua liderança numa longa maratona, resistindo ao desgaste.

Congresso de risco?

“Carneiro está ligado ao resultado de Seguro. Se Seguro não ganhar, Carneiro tem um problema”, vaticina um dos socialistas que estão com António José Seguro e que acreditam que o Congresso – que já devia ter acontecido, mas que só deve realizar-se depois das presidenciais – pode fazer saltar os descontentes com José Luís Carneiro. “O Congresso depois das presidenciais é tudo ou nada.” De resto, o segurista admite que há quem no PS esteja a apoiar António José Seguro “porque acha que ele não ganha”, mas “o cálculo pode sair furado”, por Seguro ser o único candidato que garante que o País não fica todo à direita. “O Seguro é igual à história do Soares. É o que há. Não há outro. Se não, fica tudo à direita”, argumenta a mesma fonte.

Nem todos os socialistas alinham por essa tese, porém. Há vários que preferem apoiar Gouveia e Melo. É o caso de António Correia de Campos, o antigo ministro da Saúde de António Costa, que sendo mandatário distrital em Viseu de Gouveia e Melo foi uma das duas abstenções na Comissão Política Nacional do PS quando se votou o apoio a Seguro. Dias antes, Luís Nobre, presidente reeleito da Câmara Municipal de Viana do Castelo pelo PS, tinha aparecido ao lado do almirante para manifestar o seu apoio, numa semana em que – no rescaldo das autárquicas e talvez por antever que a tese de distribuir os ovos por cestos diferentes possa continuar a valer na cabeça de muitos eleitores – Gouveia e Melo fez tudo para se posicionar ao centro, criticando mesmo o discurso das direitas sobre a imigração. “O voto na direita mais radical é difícil de conquistar para a minha candidatura, porque não vou radicalizar para ter votos à direita”, disse Henrique Gouveia e Melo ao Expresso.

José Luís Carneiro, que chegou a ser muito próximo de António José Seguro, fez, apesar de tudo, uma declaração de apoio que não pode ser vista como entusiástica. “Esse apoio em nada poderá colocar em causa a liberdade dos dirigentes, dos militantes, dos simpatizantes, que sempre tiveram e continuarão a ter respeito da parte de quem dirige o PS pela sua liberdade de opção. No respeito por uma liberdade que se expressa e que se exprime”, disse na Comissão Política, evitando ruturas no partido e tentando não se colar demasiado a um candidato que nas sondagens não é, para já, um dos favoritos à vitória.

As teses conspirativas

O objetivo de um José Luís Carneiro tão salomónico relativamente às presidenciais pode ser o de se equilibrar entre as tensões surdas que existem no partido e evitar que o PS se parta. Apesar de, para fora, haver alguma contenção nos discursos, nos bastidores socialistas há todo o tipo de teorias da conspiração a correr, com a ala direita a questionar-se se Pedro Nuno Santos – que suspendeu o mandato de deputado, mas está superativo nas redes sociais – não quererá formar um partido, e a ala esquerda a pensar que os seguristas podem vir a criar uma nova força política ao centro. Apesar desses burburinhos, não há, até agora, qualquer sinal de que quer uma coisa quer outra possa mesmo acontecer.

Com um partido a esvaziar-se de poder, a vitória de Ricardo Leão é vista por alguns como um sinal de que o PS tem de mudar de vida (e de discurso). O próprio presidente da Câmara Municipal de Loures, mal foi reeleito com maioria absoluta, deu uma entrevista à Rádio Observador, para vincar que não é uma voz isolada dentro do PS. “Há muita gente do partido que está comigo, não tenho a menor dúvida disso. Eu tive os autarcas comigo, a Associação Nacional de Municípios comigo, tive o presidente da Associação Nacional dos Autarcas do Partido Socialista comigo, tive a comissão política da minha Federação toda comigo”, defendeu Leão. Mas está longe de haver uma onda pronta a empurrar o PS para um discurso próximo do Chega. “Se o PS deixa de ser aberto e tolerante, perde tudo. A gente divide-se na economia, mas não nos valores da solidariedade e da fraternidade”, garante à VISÃO uma fonte da ala direita.

Ricardo Leão e António José Seguro O PS está num processo de reposicionamento ao centro?

Apesar disso, há quem na ala esquerda anteveja os efeitos políticos da vitória esmagadora de Leão numas eleições em que a frente de esquerda encabeçada por Alexandra Leitão saiu derrotada. “Sinto que vai haver um deslocamento para o centro, com o partido a procurar reposicionar-se. O PS está a sentir a tenaz. Por um lado, perde o voto popular para o Chega, por outro não apanha o voto dos modernos”, analisa um pedronunista, que vê o partido de André Ventura “a consolidar-se” com o resultado das autárquicas e sentiu na campanha “muita antipatia das pessoas pelo PS”.

Sem querer falar aos jornalistas, Pedro Nuno Santos não deixou em branco o resultado das autárquicas, que José Luís Carneiro viu como um sinal de que “o PS está de volta”, uma vez que conseguiu 1,8 milhões de votos numa altura em que o ciclo político virou à direita. “Não houve nenhuma retração do Chega, não enfiemos a cabeça debaixo da areia”, comentou Pedro Nuno, desfazendo a leitura de copo meio cheio de Carneiro.

Duarte Cordeiro na reserva

Pedro Nuno Santos não foi, contudo, o único destacado socialista a fazer esta análise em público. “Meter a cabeça debaixo da areia não é solução”, concordou Duarte Cordeiro numa entrevista ao Observador, na qual desmontava a tese de Carneiro sobre o resultado das autárquicas. “Não me recordo de uma situação em que o PSD tenha tido tanto poder. Mais vale tomarmos consciência deste facto do que procurarmos iludir-nos”, defendeu aquele que um dia foi, juntamente com Pedro Nuno, um dos “jovens turcos do PS”, mas hoje corre em pista própria – é um dos grandes aliados internos de Ricardo Leão – e continua a ser visto como alguém que pode vir a ser líder. De resto, nessa mesma entrevista, Cordeiro recusou fechar a hipótese de uma futura candidatura à liderança e até deu uma bicada ao secretário-geral ao confessar que “gostava que [José Luís Carneiro] tivesse maior presença” enquanto líder do partido.

A ideia de que o PS saiu fragilizado das eleições autárquicas pode, contudo, para já, ajudar a travar ímpetos de ataque mais direto à estratégia de José Luís Carneiro. Se é certo que em privado há quem critique a “abstenção exigente” decidida pelo líder, em público há alguma contenção. José Luís Carneiro queria evitar cair na armadilha em que Pedro Nuno caiu ao estabelecer uma espécie de negociação pública com o governo que o deixou encurralado. E, pelo menos isso, já conseguiu. “O PS faz bem em abster-se no Orçamento”, diz à VISÃO Álvaro Beleza, que já no tempo de Pedro Nuno defendia uma abstenção sem negociação. “Não é pelo PS que o Governo se deita com o Chega”, reforça agora.

A estratégia de José Luís Carneiro é a de criticar o Orçamento do Estado sem o inviabilizar, para que o Governo não se vitimize. “É um mau Orçamento”, disse na Comissão Política do PS, apontando à “falta de credibilidade” das contas de Miranda Sarmento. Essa é a parte da abstenção que, no Largo do Rato, se explica como “um lavar de mãos” em relação ao documento. O que fará desta abstenção “exigente” é a discussão na especialidade, onde Carneiro espera “diálogo político” em relação a temas como o aumento de pensões, o acesso dos jovens à habitação, o acesso às creches, o reforço de professores e melhorias nas urgências hospitalares.

No entanto, se alguém espera drama orçamental, o melhor é não contar com José Luís Carneiro, que já fez saber, através de António Mendonça Mendes, que o partido não vai embarcar em votações que possam pôr em causa as contas públicas. “Tal como em nossa casa, não pode ser chapa ganha, chapa gasta”, disse Mendonça Mendes na Antena 1, numa entrevista muito crítica das contas de Miranda Sarmento, mas que faz antever que dificilmente o PS se alinhará com o Chega para, por exemplo, fazer subir as pensões (algo que ambos os partidos defendem).

Logo após as autárquicas, Ascenso Simões foi ao Facebook escrever: “As eleições foram há dois dias e já estão todos a afiar as facas. O PS pode não ter mesmo remédio.” Mas se há lâminas mais cortantes, elas ainda estão todas embainhadas.

Palavras-chave:

Na manhã em que um rapaz de 14 anos foi detido pela suspeita de ter assassinado a própria mãe, vereadora em Vagos, o País não apenas estremeceu — parou. Não foi só o crime em si que nos deixou sem ar, mas o que ele revela: uma geração à deriva, sem bússola moral, sem ancoragem afetiva, sem adultos de verdade ao seu lado. E, entre os muitos silêncios que este caso expõe, talvez o mais ensurdecedor seja o da ausência parental. Como chegámos aqui? Que falhas estruturais, que silêncios acumulados, que ausências educativas permitiram que um adolescente, ainda em formação de si mesmo, se visse envolto numa espiral de violência extrema?

Fala-se muito da escola como falhada, e com razão. Mas raramente se ousa dizer o óbvio: a educação começa — e continua — em casa. Não basta gerar um filho. É preciso habitá-lo. Acompanhá-lo. Estar presente não apenas com o corpo, mas com a atenção, com a escuta, com a coragem de dizer “não”, de impor limites, de responder aos “porquês” incómodos que as crianças e adolescentes lançam como sementes ao vento. Quando essas sementes caem em solo árido — quando os pais delegam a educação nos ecrãs, nas escolas sobrecarregadas, nas redes sociais ou, pior ainda, no vazio — o que brota não é curiosidade, mas confusão. E, por vezes, fúria.

A indisciplina nas escolas não é um surto repentino de maldade juvenil. É o grito mudo de quem não foi ensinado a lidar com frustrações, a esperar, a respeitar o outro, a reconhecer a própria humanidade nos olhos alheios. É o eco de casas onde não há rotinas, onde não há diálogo, onde os filhos são simultaneamente sobreprotegidos e abandonados emocionalmente. Protegidos de tudo — menos da solidão. Mimados em bens materiais — mas órfãos de orientação ética.

Os professores, por mais vocacionados que sejam, não podem ser os únicos adultos que acreditam nos jovens. Não podem substituir pais que não lhes perguntam o que sentiram na aula de hoje, que não sabem com quem andam, que ignoram os sinais de desespero disfarçados de rebeldia ou apatia. A escola é um lugar de saber, sim — mas só funciona como lugar de humanização, se for eco de um lar que também educa, que também acompanha, que também ama com exigência.

E há, infelizmente, uma nova forma de negligência parental: a tecnológica. Entregamos smartphones como chupetas digitais, tablets como amas eletrónicas e depois espantamo-nos quando os nossos filhos não sabem estar consigo próprios, não toleram o tédio criativo, não distinguem o virtual do real. Pior: não sabem lidar com a dor, com a rejeição, com a disciplina, com a injustiça — porque nunca foram guiados por alguém que lhes ensinasse a transformar a raiva em palavra, o ódio em pergunta, o vazio em projeto.

Nas salas de aula, multiplicam-se os relatos de desinteresse, agressividade verbal e física, desrespeito sistemático, apatia crónica. Professores exaustos, sem formação em gestão emocional ou resolução de conflitos, veem-se reduzidos a polícias de corredor, em vez de mediadores de saberes. Os jovens, por seu turno, sentem-se invisíveis. Não são ouvidos, não são vistos como sujeitos em construção, mas como obstáculos à “normalidade” do ensino. E quando a família e a escola não acolhem, a rua oferece identidade — ainda que feita de ódio, de pertença tóxica, de violência como linguagem.

Há décadas que especialistas em educação, psicologia e sociologia alertam: não se educa pela repressão, mas pela relação. A Comunicação Não Violenta, a mediação de conflitos, a educação emocional, a pedagogia do cuidado — não são luxos pedagógicos, são urgências civilizacionais. E, contudo, continuamos a investir mais em medidas sancionatórias do que em prevenção, mais em vigilância do que em escuta, mais em punição do que em compreensão.

Pior ainda: assistimos, impávidos, à erosão progressiva dos espaços de diálogo nas escolas. O Gabinete de Apoio ao Aluno, quando existe, está sobrecarregado. A disciplina de Cidadania, potencialmente transformadora, é muitas vezes ministrada sem formação específica, sem tempo curricular digno, sem continuidade. Enquanto isso, os jovens navegam sozinhos num mar de ansiedade, solidão e raiva — sentimentos que, sem canalização ética e emocional, facilmente se tornam explosivos.

O caso de Vagos não é apenas um drama judicial. É um espelho cruel. Nele vemos o que acontece quando a responsabilidade coletiva — dos pais, da família, da escola, da comunidade — se esfarela. Quando cada um espera que o outro cuide do que é de todos. Quando a paternidade e a maternidade se reduzem a funções biológicas ou logísticas, e deixam de ser atos contínuos de presença, de coragem, de amor exigente.

Não se trata de culpar, mas de responsabilizar. Porque educar não é um direito — é um dever. E esse dever não termina quando a criança entra na escola. Pelo contrário: intensifica-se. Exige vigilância afetiva, diálogo constante, coerência entre o que se diz e o que se vive. Exige que os adultos voltem a ser adultos — não perfeitos, mas presentes. Não autoritários, mas firmes. Não distantes, mas suficientemente próximos para ver o que os olhos dos filhos não conseguem dizer.

Se queremos evitar que outros adolescentes caminhem para abismos, não basta reformar currículos ou aumentar penas, numa espiral de punições. É preciso repensar o que significa ser pai, ser mãe, ser adulto num tempo que confunde liberdade com abandono. Porque, quando os adultos desaparecem, as crianças não apenas perdem o chão: os seus abismos tornam-se também os nossos.

Segundo o presidente da Câmara da Nazaré, Manuel Sequeira, em declarações à Lusa, Álvaro Laborinho Lúcio morreu em casa. O corpo de Laborinho Lúcio vai ficar numa capela em Coimbra, sendo depois transportado para outra na Nazaré, no distrito de Leiria.

Laborinho Lúcio foi secretário de Estado da Administração Judiciária e ministro da Justiça em 1990, durante o governo de Cavaco Silva, e Ministro da República para os Açores, em 2003, durante a Presidência de Jorge Sampaio.

Foi também Procurador da República junto do Tribunal da Relação de Coimbra, inspetor do Ministério Público, Procurador-Geral-Adjunto da República, diretor da Escola da Polícia Judiciária e do Centro de Estudos Judiciários.

Na Câmara Municipal da Nazaré, foi presidente da Assembleia Municipal, durante o mandado do executivo de Jorge Barroso (PSD).

Mais recentemente, compôs a Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica Portuguesa.

Álvaro Laborinho Lúcio nasceu na Nazaré a 1 de dezembro de 1941. Na juventude, foi ator amador, tendo participado na criação do Grupo de Teatro da Nazaré.

Ingressou na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, onde se licenciou em Direito e obteve o Curso Complementar de Ciências Jurídicas.

Laborinho Lúcio foi membro, entre outras, de associações como a APAV – Associação Portuguesa de Apoio à Vítima e a CRESCER-SER, de que é sócio fundador.

Entre 2013 e 2017, foi Presidente do Conselho Geral da Universidade do Minho e membro Eleito da Academia Internacional da Cultura Portuguesa.

Laborinho Lúcio estreou-se na escrita de ficção narrativa em 2014, com “O Chamador”, na Quetzal, editora pela qual lançou mais quatro títulos até ao ano passado: “O Homem que Escrevia Azulejos”, “O Beco da Liberdade”, “As Sombras de uma Azinheira” e o livro de crónicas e outros textos “A Vida na Selva”.

Já este ano, em março, editou, pela Zigurate, com Odete Severino Soares e ilustrações de Catarina Sobral, o livro “Marília ou a Justiça das Crianças”.

Foi condecorado em 2005 pelo Presidente da República, Jorge Sampaio, com a Grã-Cruz da Ordem de Cristo.

1. Nos inícios de 1995, Jorge Sampaio, prestes a anunciar a sua candidatura às presidenciais do ano seguinte, convidou, em grande segredo, o dirigente do PCP, Carlos Brito, de quem era próximo, para jantar em sua casa. “Estou a pensar candidatar-me. O que é que acha?” O encontro, exploratório, visava perceber a posição dos comunistas, ainda com grande peso eleitoral, perante tal desenlace. “Na manhã seguinte”, conta Carlos Brito ao biógrafo de Sampaio, José Pedro Castanheira (que, por coincidência, dá uma entrevista à VISÃO, esta semana), “fui logo falar com o Álvaro Cunhal, que ficou satisfeito”. O velho líder histórico do PCP tinha passado a pasta da liderança, três anos antes, para Carlos Carvalhas, mas mantinha grande ascendente sobre os destinos do partido. E logo, com assinalável pragmatismo, declarou a Brito: “É o Presidente mais à esquerda que podemos ter em Portugal. Temos de fazer tudo para assegurar a sua eleição.”

O diálogo é datado: aconteceu em 1995, quando a maioria sociológica do País ainda se situava à esquerda e onde o PCP, embora já afetado pela erosão, mantinha bastante força. Mesmo nesse quadro, Cunhal, no seu realismo, considerava que nunca os portugueses elegeriam ninguém mais à esquerda do que o socialista Jorge Sampaio.

O tempo passou, o País mudou e, em 2026, é difícil prever que os portugueses elejam, para Belém, alguém mais à esquerda do que António José Seguro. Mas faltará à esquerda uma voz realista, prudente e conhecedora como a de Álvaro Cunhal. Em 1996, os comunistas apresentaram Jerónimo de Sousa para que este desistisse, a favor de Sampaio, à boca das urnas. Em 2026, nem vários dos próprios dirigentes do PS desistem das suas reticências contra o “demasiado moderado” António José Seguro, muito menos teremos desistências, a seu favor, de candidaturas estimáveis mas de nicho, como as de António Filipe ou Catarina Martins. Pelo contrário, estes são candidatos que recolherão votos de muitos socialistas que, misteriosamente, não podem ver Seguro, nem que este se apresente dentro de uma burca…

Ainda por cima, não se sabe se para o tramar ou para o favorecer, surgem notícias de movimentos de alegados “passistas” que ponderam apoiar Seguro. Evidentemente que, em teoria, isto só o favorece: indica que o candidato pode alargar ao centro e à direita, sem cujos votos, dado o novo panorama da sociologia política eleitoral, jamais terá hipóteses de lá chegar. Claro que esses apoios, vindos do setor do PSD mais odiado pelo PS, provocam ainda mais desconfiança sobre o antigo secretário-geral socialista. Esquecem-se os “socialistas desconfiados” de que Mário Soares, em 1986, fez uma campanha iminentemente centrista, na primeira volta, mas virou o discurso para um pendor fortemente esquerdista, na segunda, para se distinguir bem de Freitas do Amaral e, assim, obter a unanimidade do (então) precioso voto comunista, depois de ter sido agredido por militantes comunistas na Marinha Grande! Que se saiba, Passos Coelho nunca agrediu nenhum socialista… E também se esquecem de que, na reeleição, em 1991, Soares, apesar da rábula do “republicano, socialista e laico”, não enjeitou o apoio explícito do PSD de… Aníbal Cavaco Silva!

António José Seguro foi secretário-geral da JS e do PS, deputado, deputado europeu, secretário de Estado, ministro e, na liderança do PS, ganhou umas eleições (europeias), as únicas que teve oportunidade de disputar. Não se lhe conhecem telhados de vidro, nem casos e casinhos, e é tido como uma pessoa proba. É, portanto, um candidato apresentável, e de centro-esquerda. E, sob o alto patrocínio de José Luís Carneiro e de Carlos César, a quem era difícil os socialistas dizerem que não, foi apoiado, no passado fim de semana, finalmente, pelo PS. Só que, ainda assim, Carneiro teve a necessidade de ressalvar que dirigentes, militantes e simpatizantes mantêm toda a liberdade para discordar (presume-se que em público). Um apoio envergonhado que, assim, se percebe mal. Ou que pode ser tático: como as coisas estão, não convém ao sucesso de António José Seguro – e chegar à segunda volta já seria um sucesso… – uma colagem excessiva ao partido. Talvez seja isto. Porque, caso Seguro não chegue à segunda volta, a alternativa do PS – e de toda a esquerda! – pode ser entre Gouveia e Melo e André Ventura. Ou entre um deles e Marques Mendes. É isto que a esquerda democrática – e a outra… – desejam?

2. A polémica em torno da nova lei que proíbe o uso da burca, em espaço público, representa a metáfora perfeita da esquizofrenia da discussão política. O Chega, suspeito de ter uma agenda retrógrada de redução dos direitos das mulheres, posições relativamente à família e ao aborto ultraconservadoras e declarações explícitas de vários dirigentes, incluindo mulheres (Rita Matias) nessa senda, vestiu a pele de cordeiro e, para entalar a esquerda, bateu no peito pela dignidade da mulher, em nome da qual, supostamente, fez aprovar, no Parlamento, esta lei. É óbvio que, depois de quase três dias desaparecido em combate, sendo substituído, em entrevistas nas televisões (que já ressacavam…), pelos candidatos à presidência do Benfica, e evitando, assim, ser ainda mais confrontado pelo desaire eleitoral, André Ventura teve nesta lei o pretexto para fazer esquecer tal desaire. E, de caminho, para anular, nas redes sociais, o bruaá desencadeado pela inspirada intervenção do deputado social-democrata Gonçalo Capitão que, com assinalável sentido de humor, ridicularizou a bancada do Chega, no Parlamento. Mas não foi só isso que moveu o Chega: a pretexto de proteger os direitos das mulheres, onde Ventura quer chegar é à confrontação com a comunidade islâmica e com esta parte dos imigrantes. E nem sequer se percebe qual comunidade islâmica: em todos os testemunhos desta discussão, contam-se pelos dedos de uma mão as pessoas que já viram burcas no espaço público, em Portugal. E, mesmo estas, se calhar confundem a burca com outra peça de vestuário. Como alguém referiu, nas redes sociais, é uma espécie de legislação preventiva que podia ter derivado, por exemplo, para “a proibição de os cidadãos circularem montados em leões africanos”. Convenhamos, também precisamos dessa lei, em nome da segurança pública…

Depois, foi divertido assistir ao voto sim da Iniciativa Liberal, o tal partido que se insurge contra a interferência do Estado na vida das pessoas, incluindo, alegadamente, na vida privada, e que, por isso, votou contra os estados de emergência, durante a pandemia, e agora aprova, sem pestanejar, a interferência do Estado no domínio das escolhas do vestuário feminino… Que liberais estatistas e proibicionistas são estes?

Curioso foi ver, também, a incomodidade dos partidos à esquerda, de quem sempre ouvimos a denúncia do atropelo dos direitos das mulheres e a crítica explícita ao uso imposto da burca. A ala esquerda da AR contorceu-se na cadeira pelo ataque da direita à “liberdade religiosa”!

Na verdade, muitas vezes se disse das iniciativas do Bloco de Esquerda, nos seus inícios, que eram “fraturantes”. E que temas como a adoção por casais do mesmo sexo, por exemplo, não eram uma prioridade para os portugueses, a braços com outras preocupações, como a carestia do custo de vida, a saúde ou a habitação. O discurso repete-se, agora com as medidas fraturantes do Chega. Ora, a apresentação de leis e medidas ditas “fraturantes” nas margens das preocupações da população mas artificialmente empoladas, como se fossam urgentes, faz parte da cartilha de todos os partidos radicais e populistas, à esquerda ou à direita. E não é por esta via, claro, que os “chegas” desta vida ganham respeitabilidade para governar. Ainda bem.

Palavras-chave:

O Conselho Europeu de hoje faz verdadeiramente história ao incluir pela primeira vez na agenda de uma reunião de chefes de Estado e de Governo a habitação como problema comum europeu.

Durante décadas de construção europeia, a questão da habitação foi considerada um problema dos Estados que, de acordo com os níveis de descentralização, era resolvido a nível nacional, regional ou local, sem necessidade de intervenções específicas de Bruxelas. Mais ainda, a fé profunda na racionalidade dos mercados levava a que o assunto, salvo a habitação a custos controlados ou de iniciativa pública nas grandes cidades, fosse deixado à dinâmica própria do sistema financeiro, que tanto financiava a construção pelas empresas como a aquisição de casas pelos cidadãos.

A evolução dos últimos dez anos, sobretudo nos anos a seguir à pandemia, veio alterar radicalmente a situação tornando a habitação um dos principais entraves à coesão social, à competitividade e à mobilidade à escala europeia. Daí o decisivo relatório publicado a semana passada pela Comissão Europeia sobre “Habitação na União Europeia: Evolução do Mercado, Tendências Subjacentes e Políticas”, bem como o original agendamento formal do assunto para um Conselho Europeu.

Parte dos problemas é comum a todos os Estados-membros, mas com as dramáticas evidências de que em Portugal a escala do impacto é das mais elevadas, o desajustamento entre a evolução dos preços da habitação e os rendimentos é o maior a nível europeu e que, face a maleitas que são comuns, o Governo de Montenegro se destaca por fazer quase tudo o que é possível para agravar ainda mais a dramática situação.

Os nossos baixos índices de habitação pública, sem paralelo a nível europeu, a dependência do crédito bancário e a total desregulação dos preços dos novos arrendamentos contribuem para a tempestade perfeita.

Ontem o INE assinalou mais uma marca histórica. Os preços médios das transações no segundo trimestre de 2025 ultrapassaram pela primeira vez os 2 mil euros/m2 (mas com o concelho de Lisboa perto dos 5 mil euros/m2), com uma variação homóloga de 19% relativamente a 2024, a maior desde o início da série estatística.

Os preços da habitação na Europa triplicaram desde o início do século XXI, mas Portugal destaca-se com uma valorização superior a 200% só nos últimos dez anos e uma aceleração da tendência nos últimos dois anos.

O aumento dos preços supera imenso o dos rendimentos, provocando uma retração da mobilidade, uma degradação das condições de habitabilidade pelo recurso crescente à partilha de casas e uma permanência até tarde dos jovens na casa dos pais.

A Comissão Europeia diz que os preços dispararam enquanto a oferta de novas casas baixou relativamente ao início do século. Sobretudo nas cidades e nas áreas com pressão turística, a generalização do alojamento local e o peso crescente dos fundos de investimento imobiliário são responsabilizados pela retração do número de casas disponíveis e pela escalada dos preços.

A liberal Comissão Europeia diz que a solução exige a mobilização de todos os esforços para aumentar a oferta de casas e que se devem evitar apoios ao crescimento da procura como benefícios fiscais, apoio no acesso ao crédito e subsídios que favorecem os que têm rendimentos mais altos e fazem subir ainda mais os preços.

Tudo o que tem sido feito por Luís Montenegro e Miguel Pinto Luz parece retirado de um manual de como fazer tudo errado e agravar ainda mais a situação.

Fracasso na utilização dos recursos do PRR para a habitação e substituição dos apoios com subvenções a fundo perdido, a utilizar até 2026, por empréstimos do BEI até 2030. Os valores destinados à habitação foram já reduzidos na reprogramação do PRR de janeiro, mas mesmo assim a taxa de execução é só de cerca de 50% para obras que têm de estar concluídas até agosto de 2026.

Criação de uma política restritiva da contratação de trabalhadores estrangeiros, e da sua integração em Portugal, que paralisa as empresas por falta de mão-de-obra e promove o recurso à imigração ilegal e à informalidade sem direitos.

Estímulo ao aumento dos preços com as medidas fiscais e a garantia pública dadas aos empréstimos para jovens até aos 35 anos.

Adoção de conceitos de construção a custos moderados até 640 mil euros e de renda moderada até 2300 euros, muito superiores aos preços médios do mercado que, ao nivelar por cima o acesso a benefícios fiscais, são fortíssimos estímulos à continuação da cavalgada dos preços.

Redução de 23% para 6% do IVA da construção sem qualquer discriminação positiva destinada ao arrendamento ou à venda a custos controlados. Todas estas medidas estão no pacote de exemplos dados pelo relatório da Comissão Europeia como incentivos ao endividamento e à redução da acessibilidade da habitação.

Enquanto as áreas metropolitanas, o Algarve, a Madeira e o Litoral Alentejano superam já os 2 mil euros por m2 nas novas transações, mas com várias freguesias de Lisboa a superar já os 6 mil euros/m2, o ministro Pinto Luz vai tentar conhecer os problemas habitacionais do eixo interior numa excursão de Chaves a Faro ao longo da Nacional 2.

Pela insensibilidade à necessidade de promover a oferta, pública e privada, e arrefecer os preços da habitação, em contradição com o diagnóstico europeu e o desespero dos portugueses, o prémio Laranja Amarga de hoje vai de novo para o ministro do imobiliário Miguel Pinto Luz.

Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.

“A tolerância não era desprezada como sinal de moleza e fraqueza, mas sim celebrada enquanto força moral.”

A frase foi escrita por Stefan Zweig no extraordinário O Mundo de Ontem, Recordações de um Europeu. As memórias do vienense que consta na galeria dos meus heróis e não só por ser um dos mais brilhantes autores da Humanidade. 

Há demasiadas parecenças, descontando os normais anacronismos, entre os tempos que estamos a viver e as primeiras décadas da vida do genial escritor para que se possa destacar apenas um aspeto deste extraordinário livro. Dois mundos onde a segurança, o conforto, o crescimento económico, a conquista de direitos, a democratização no acesso à cultura, eram vistos como dados adquiridos e irreversíveis. Dois mundos cosmopolitas, progressistas, com extraordinários avanços nas várias áreas de conhecimento.

No entanto, olhar para a tolerância como fraqueza e não como força moral foi uma espécie de condição sine qua non que levou às duas guerras mundiais do séc. XX e que promete destruir as nossas comunidades.  

Não falta quem culpe, em larga medida, as redes sociais pelo clima polarizado e radicalizado em que vivemos.

De facto, a manipulação rápida e em massa tem tido efeitos terríveis no espaço público. A capacidade de se transformar a mentira em verdade (aproveito para recomendar a uma editora que esteja por aí a tradução do livro Invisible Rulers, de Renée DiResta, sobre este assunto), a facilidade com que se pode insultar e difamar sem consequências e o anonimato que faz de qualquer cobarde um valentão são potenciadores brutais de dissensão. E, já se sabe, quanto mais radicais, mais insultuosas, mais violentas forem as mensagens, mais efeito têm, mais tráfego geram e mais dinheiro dão a ganhar aos donos das plataformas.

Ninguém ganha nada com posts moderados ou a vender a chata da verdade. Nas redes sociais não há diferentes pontos de vista ou adversários, há só inimigos e amigos. Há só trincheiras.

No mesmo sentido, nas redes sociais não há ninguém simplesmente de direita ou esquerda (sim, cá estou eu outra vez a usar conceitos que estão desprovidos de sentido), o inimigo é sempre um extremista: o inimigo ou é de extrema-direita e fascista ou de extrema-esquerda e comunista. 

Não serei eu, portanto, a desresponsabilizar as redes sociais pela rápida degradação do espaço público. Bem pelo contrário.

As últimas eleições autárquicas, por exemplo, mostraram que há políticos que não hesitam em chamar radical ao seu adversário sem explicar em que se consubstancia essa acusação, que trocam epítetos por argumentos, que preferem discussões vagas sem ligação direta à vida das pessoas. E não poucas vezes isso resulta.

As pessoas estão muito recetivas a acreditar em mentiras, sobretudo nas que confirmam os seus preconceitos e, claro, esses podem ter sido amplificados por grandes ações de propaganda. No entanto, exploram sempre preconceitos.

As redes sociais apenas alimentam rápida e eficazmente sentimentos que são tão velhos como o mundo. 

Não há crise social que não tenha este tipo de fenómenos, esta parte negra da natureza humana na sua génese. Podem, claro está, ser alimentados por outras circunstâncias: problemas económicos, choques civilizacionais, etc., etc., mas este lado lunar é sempre imprescindível. A capacidade de destruirmos o chão comum, a comunidade, sempre teve Xs, Facebooks e afins.   

Por outro lado (ou não), a imensa concentração de riqueza ajuda hoje, como ajudou noutras alturas como a de Zweig, a definir narrativas – o poder imenso dos recursos infinitos consegue quase tudo.

O culpado da desigualdade, das crises económicas, do desemprego, da falta de expectativas é sempre um inimigo facilmente identificável: o imigrante, o judeu. Mas não só. É fundamental culpar as elites, e a narrativa define que nunca são as económicas, são sim as que chamam a atenção para os problemas das sociedades, os que não culpam os alvos do costume, mas apontam para causas que não se explicam num cartaz ou num tweet.

Que ninguém duvide: o investimento em propaganda e nos seus meios para a criação de um discurso político é também uma estratégia empresarial. Basta um exemplo: Trump e a sua clique.

Tudo isto, rigorosamente tudo, precisa de que não vejamos o outro como igual, como alguém que não vive com as mesmas angústias e desejos, que não tem como nós o mesmo direito a ser ouvido. É fundamental que não toleremos o outro e que o desprezemos. Um homem ou uma mulher como deve ser é um fraco se não gritar mais alto, se não insultar de forma mais violenta, se não olhar para o lado contrário. A tolerância tem de ser um defeito, não uma virtude.

Sim, querido Stefan Zweig, não aprendemos nada.

Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.

Palavras-chave:

“Por favor, apaga as imagens políticas horríveis que partilhei contigo, infelizmente ainda temos de voltar aos EUA.” Final da tarde de sábado, 18, em Portugal e o meu interlocutor no WhatsApp lembrava-se de que Donald Trump é um “agente laranja intocável” e que o Big Brother pode estar sempre a observar-nos.

Dois minutos antes, eu rira-me à gargalhada com os dois cartoons que me enviara. Num deles, Trump aparece mascarado de Mickey, de chupeta na boca e pistola na mão, orgulhoso de um cocó. No outro, o inquilino da Casa Branca está sentado no edifício do Capitólio feito retrete, preparando-se para usar papel higiénico com a bandeira dos Estados Unidos impressa.

Dentro de pouco tempo, este meu amigo e a sua mulher vão ter de sair de Portugal porque ainda não obtiveram a autorização de residência. Logo que possível, contam regressar ao País onde vieram procurar refúgio a seguir à tomada de posse da segunda Administração Trump. Mas, enquanto não estiverem escudados legalmente, todo o cuidado é pouco, lembram amiúde.

É uma amizade recente, esta, nascida por causa de um artigo a que demos capa na VISÃO, no início de fevereiro, sobre “refugiados de Trump” que aqui foram chegando nos últimos meses. Tudo pessoas que se sentem indignadas com o rumo do seu País e confessam ter vergonha de se dizerem norte-americanas.

Manhã de domingo, 19. Quando acordei, já tinha uma nova mensagem no grupo de WhatsApp criado por um outro casal também entrevistado para o mesmo artigo e também temporariamente de volta aos EUA: “Viste as manifestações? Nós não podíamos faltar!”

Nesse grupo, predeterminámos que as mensagens desaparecem ao fim de pouco tempo. Eu não tenho nada a perder com o que ali partilhamos; eles confessam algum receio, mas que não os travou de participarem no megaprotesto No Kings (sem reis) que, no sábado, 18, encheu de gente as principais cidades norte-americanas, pequenas vilas e subúrbios.

Não os travou a eles nem aos milhares de pessoas, de todas as idades, que se manifestaram contra a Administração Trump, a empurrar carrinhos de bebé, em cadeiras de rodas, de cães pela trela e cartazes alusivos (“Ninguém está a comer cães”), num ambiente festivo onde não faltaram as piadas. Foram mais de 2 600 manifestações, um pouco por todo o país, sem relatos de ilegalidades ou violência.

“Queremos expulsar o fascista Donald Trump e mandá-lo para onde ele pertence – direto para o lixo da História”, tinham anunciado os organizadores do No Kings. “Ele é a personificação do motivo pelo qual a 25ª Emenda e o impeachment [destituição] foram criados. Se o Congresso tivesse coragem, ele seria relegado para o caixote do lixo da História”, já defendera Bruce Springsteen, numa entrevista à Time.

O que talvez ninguém esperasse era ver Trump publicar na Truth Social um vídeo gerado por IA em que aparece de coroa na cabeça, a pilotar um caça e a deitar cocó sobre os manifestantes. Aconteceu logo na noite de sábado e escrevi “talvez”, embora já se espere tudo dele – sobretudo cocó e (suposto) humor para disfarçar mais uma ação de propaganda.

Transformar a violência num meme faz com que as pessoas deixem de a ver como violência, sabem de cor os ditadores.