A Foxconn está a utilizar tecnologia da Nvidia para criar robôs e ferramentas inteligentes que possam ajudar em contexto hospitalar. Uma das experiências envolve o Nurabot, um enfermeiro-robô com Inteligência Artificial e que consegue realizar atos de enfermagem. As soluções visam ajudar a melhorar as condições para todos, numa altura em que a Organização Mundial da Saúde estima que até 2030 existam menos 4,5 milhões de enfermeiros do que os que são necessários, devido a esgotamentos.

No início do processo, estão centros de dados com modelos de Inteligência Artificial treinados em supercomputadores Nvidia. Depois, com essa informação, os hospitais estão a testar e treinar robôs com gémeos virtuais. O último passo envolve integrar estes sistemas em dispositivos avançados que podem ser usados no terreno. As experiências estão a ser conduzidas em vários centros hospitalares de referência em Taiwan.

“Os robôs estão a aumentar as nossas capacidades, para podermos providenciar um cuidado mais focado e significativo”, descreve Shu-Fang Liu, que dirige um dos departamentos de enfermagem envolvidos ao Interesting Engineering.

No centro destes avanços estão várias tecnologias da Nvidia, como a Jetson Orin, a Holoscan e a plataforma Omniverse. Entre as inovações propostas estão o FoxBrain, um grande modelo de linguagem assente em Nvidia NeMo, e a CoDoctorAI, uma plataforma que usa modelos específicos para a saúde para monitorização de sinais vitais e deteção de sinais de cancro, entre outras. A Foxconn contribui também para o ecossistema de código aberto MONAI com o CoroSegmentater, uma ferramenta de segmentação de artérias coronárias que permite diagnósticos mais precisos.

Nestes centros hospitalares há gémeos digitais de instalações completas que permitem aos robôs praticar e serem treinados nas operações que vão realizar depois no terreno. O Nurabot foi treinado num destes gémeos e usa FoxBrain, o Isaac for Healthcare para treinos e integra Holoscan e Jetson Orin da Nvidia para monitorização em tempo real. Em uso diário, o robô consegue guiar visitantes, gerir a administração de medicamentos e estar de vigília nos corredores. A Foxconn avança que é possível reduzir a carga de trabalho dos enfermeiros em 30% com o Nurabot: “numa das alas, estamos a usar o Nurabot para entregar kits de tratamento de feridas e materiais de educação para a saúde às cabeceiras dos pacientes. Para os enfermeiros, ter uma assistência robotizada ajuda a reduzir a fadiga física, poupando-lhes múltiplas viagens para abastecer os quartos e permite-lhes mais tempo para se focarem nos pacientes”.

Outro exemplo dado é que o Nurabot pode ajudar a assistir outro enfermeiro humano em tarefas que tipicamente precisam de dois humanos. Assim, o segundo profissional de saúde fica liberto para realizar outro tipo de tarefas. As versões futuras vão poder operar em múltiplos idiomas, reconhecer rostos e até ajudar os pacientes a levantar-se.

As micro e pequenas empresas (MPEs) portuguesas são o motor silencioso das economias locais. Muitas vezes ofuscadas pelas grandes empresas, as primeiras são, na realidade, a espinha dorsal das comunidades e do País, criando emprego, e impulsionando a inovação.

Segundo a Direção-Geral das Atividades Económicas, as MPEs são responsáveis por cerca de 76,2% dos postos de trabalho a nível nacional, um valor superior à média europeia, sustentando a vida de milhões. Assim, estas empresas são as principais empregadoras nas comunidades locais, oferecendo oportunidades a pessoas que, de outra forma, poderiam ser obrigados a migrar para os grandes centros urbanos. E porque muitos destes negócios dependem de fornecedores da mesma região, criam um ciclo colaborativo de consumo que beneficia toda a comunidade. Este efeito multiplicador assegura que a riqueza gerada permanece nos territórios, contribuindo para o seu desenvolvimento sustentado.

Por terem uma relação próxima com as regiões onde estão inseridas, as MPEs conseguem não só compreender melhor as necessidades locais, mas também adaptar os seus produtos e serviços para garantir um atendimento personalizado e com mais valor para os consumidores. Adicionalmente, estas empresas estão frequentemente envolvidas em iniciativas sociais e culturais, apoiando organizações sem fins lucrativos ou eventos comunitários que contribuem para o desenvolvimento da vida local.

A presença das MPEs também estimula o empreendedorismo e impulsiona a inovação. Ao identificarem necessidades específicas das comunidades onde estão inseridas, estas empresas acabam por desenvolver soluções ajustadas à realidade local. Esta capacidade de adaptação fortalece não só a economia, como também cria oportunidades para o aparecimento de novos negócios, enriquecendo o ecossistema empresarial e tornando-o mais dinâmico.

Ao desafiar as empresas já estabelecidas a inovar e otimizar os seus processos e produtos, ajudam a manter um ambiente competitivo, o que pode resultar em melhores condições para os consumidores, tanto em termos de qualidade como de preços.

Por todos estes motivos, é essencial reconhecer e apoiar as MPEs, pois são elas a força motriz das economias locais. Seja através de incentivos governamentais ou simplesmente pela escolha consciente dos consumidores em privilegiar o comércio local, apostar nas MPEs é investir no crescimento e na sustentabilidade das comunidades – e do País.

Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.

O Reino Unido vive, hoje, o reflexo de uma decisão histórica cujas implicações estão longe de estar encerradas: o Brexit. Quando, em 2016, uma maioria de eleitores britânicos votou pela saída da União Europeia, abriram-se portas para um futuro incerto, ancorado numa promessa de soberania recuperada e de prosperidade renovada. Quase uma década depois, a realidade é outra. Hoje, começa a ganhar tração um conceito que, ainda que embrionário, tem peso simbólico e político: o “Brentrance” — o regresso do Reino Unido ao projeto europeu.

Este termo, ainda em disputa com outras variantes como “Brejoin” ou “Breturn”, representa mais do que um simples jogo linguístico. Encapsula uma revisão profunda da relação entre os britânicos e a Europa, motivada por desafios que transcendem o plano económico. As ameaças geopolíticas, a crise climática, a erosão da ordem internacional e o enfraquecimento das democracias liberais tornaram a cooperação europeia uma necessidade existencial, não apenas uma escolha estratégica.

O custo silencioso do Brexit

Os defensores do Brexit prometeram um Reino Unido mais forte, mais ágil, com maior controlo sobre as suas fronteiras, leis e economia. No entanto, o que se verifica é uma economia a crescer mais lentamente do que os seus vizinhos, dificuldades nas trocas comerciais, escassez de mão de obra em setores essenciais como a saúde e a agricultura, e um isolamento crescente em matérias de segurança e investigação científica.

As PME britânicas enfrentam entraves burocráticos antes inexistentes, o setor dos serviços financeiros perdeu parte da sua influência em relação a centros europeus como Frankfurt ou Paris, e a juventude britânica viu-se excluída de programas como o Erasmus+. É uma geração que paga o preço de uma decisão tomada por outras, mais velhas.

A nova ordem geopolítica e o imperativo da unidade

O regresso da guerra em solo europeu, com a invasão da Ucrânia pela Rússia, expôs a fragilidade de um continente dividido. A NATO tem sido um pilar de defesa, mas a União Europeia tem vindo a assumir um papel crescente na área da defesa comum e da segurança energética. Neste contexto, o Reino Unido encontra-se numa posição ambígua: uma potência militar que partilha interesses estratégicos com os seus vizinhos, mas que está fora dos mecanismos de decisão europeus.

A cooperação na defesa, na cibersegurança, no combate à desinformação e na resposta a pandemias exige estruturas de articulação que vão para além de alianças militares. A União Europeia, com todas as suas imperfeições, tem sido capaz de articular uma resposta coordenada. Para o Reino Unido, continuar de fora é abrir mão de influência onde ela é hoje mais necessária.

Reentrar na Europa: um caminho complexo, mas possível

Naturalmente, um eventual Brentrance não seria simples. A União Europeia não está de mãos abertas incondicionalmente. A reintegração exigiria concessões políticas significativas: possivelmente o abandono de opt-outs históricos, uma maior integração política e, talvez, a aceitação do euro. Além disso, haveria um ceticismo natural por parte dos Estados-membros, receando uma repetição do ciclo de divergências.

Ainda assim, as circunstâncias mudaram. A geração mais jovem é maioritariamente pró-europeia. Os setores empresariais pedem estabilidade e acesso ao mercado comum. E, nos bastidores, começam a surgir movimentações diplomáticas discretas que apontam para um realinhamento progressivo.

Portugal e o papel dos parceiros europeus

Portugal, como parceiro histórico do Reino Unido, pode desempenhar um papel relevante nesta fase de reconciliação. As ligações comerciais, culturais e políticas que unem os dois países são profundas. Lisboa pode ser uma voz ativa em Bruxelas, defendendo uma abordagem pragmática e construtiva ao eventual regresso britânico, mesmo que esse regresso se inicie por fases: adesão ao mercado único, à união aduaneira, ou participação em programas europeus estratégicos.

O futuro é europeu

Num mundo em transformação acelerada, nenhuma nação europeia consegue, sozinha, responder aos desafios globais. O Brentrance não é apenas uma possibilidade técnica ou diplomática; é uma necessidade histórica, ditada pela realidade.

Reatar laços com a União Europeia não significa abdicar da identidade britânica, mas sim reconhecer que essa identidade foi, durante décadas, também profundamente europeia. O futuro do Reino Unido, para ser relevante e sustentável, passa por regressar à mesa onde se decidem os destinos da Europa.

O tempo de divisões passou. É tempo de reconstruir pontes. E de regressar ao futuro.

Reflexão final: para lá da política, a responsabilidade geracional

Um eventual Brentrance não é apenas uma decisão de governo. É uma escolha que exige visão, coragem e responsabilidade intergeracional. Reentrar na União Europeia é reconhecer os erros cometidos, mas também aprender com eles. É compreender que a soberania, nos dias de hoje, é partilhada para ser protegida, não isolada para ser perdida.

Num momento em que tantas democracias estão ameaçadas por extremismos e polarizações, a União Europeia continua a ser um dos projetos de paz, cooperação e prosperidade mais bem-sucedidos da história moderna. O Reino Unido tem lugar nesse projeto, se assim o desejar. E, talvez mais importante, se tiver a coragem de olhar para o futuro com humildade, convicção e esperança renovada.

Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.

O ataque foi totalmente inesperado. O brasileiro Joaquim Silva passeava a cavalo quando, subitamente, caiu num enxame de abelhas selvagens. Em pânico, o cavalo atirou-o para o chão. Joaquim partiu uma perna e o cavalo fugiu, perseguido pelas abelhas furiosas, que se juntaram em grandes quantidades . O cavalo morreu. Joaquim Silva escapou por um triz.

Isto aconteceu em 1971, 14 anos depois de 26 enxames destas “abelhas assassinas” terem escapado a um apicultor brasileiro. Warwick Estavam Kerr queria criar uma nova raça a partir de abelhas nativas e africanas, capazes de produzirem mais mel. Mas as abelhas africanas gostavam mais de viver em liberdade e fugiram.
As descendentes espalharam-se pela América . Estas abelhas não são maiores que as outras, mas reagem com muito maior agressividade.

Foto: Deamstime

Quando uma colmeia de abelhas europeias é atacada, a defesa é feita por 20 a 30 animais. Com as abelhas assassinas, aparecem mais de 10 mil. Calcula-se que já morreram mais de mil pessoas vítimas das suas ferroadas. Mesmo assim, os estudios os das abelhas, como o austríaco Gerald Kastberger, acham exagerado o nome de “abelhas assassinas”.

Ele diz que para as abelhas matarem alguém é preciso essa pessoa encontrar vários milhares de abelhas bem alimentadas numa velha colmeia, e que elas têm de se sentir atacadas. Uma colmeia pode ser habitada por 40 mil animais! Além dos guardas, há no interior abelhas educadoras, empregadas de limpeza, operárias de construção e, naturalmente, a rainha.

Quem trabalha na colmeia?

Uma obreira recém-contratada tem de prestar provas satisfatórias nas diversas ocupações: tem de limpar o favo, alimentar as larvas e construir favos novos. A cera, que serve de material de construção, é segregada pelas glândulas do abdómen. As abelhas têm uma habilidade espantosa: as paredes dos favos hexagonais (excepto nos cantos) têm sempre uns escassos décimos de milímetro de espessura.


Para reunir um único quilo de mel, uma abelha tem de voar cerca de 200 mil quilómetros – o que equivale a cinco voltas à Terra.

Aos 21 dias de idade, a obreira vai recolher néctar. O néctar é transportado para a colmeia num estômago especial de transporte, chamado estômago de mel. Ali chegadas, as obreiras expelem o conteúdo do estômago para dentro dos favos. Depois voltam a ingeri-lo e o processo repete-se várias vezes até a água do mel se evaporar. O mel que comemos passou, portanto, pelo corpo das abelhas. Parece repugnante, mas é saudável. Como já está pré-digerido, pode ser imediatamente absorvido pelo corpo humano. Apesar de ter sido concebido para alimentar as larvas de abelha…

A rainha pouco trabalha. Recebe um alimento especial e, ao longo de um ano, só põe ovos – até 150 mil. Desses ovos saem sobretudo obreiras, que geralmente vivem apenas algumas semanas. Mas também saem algumas dezenas de zangões. São os machos das abelhas, cuja tarefa principal é fecundar a rainha. Quando se aproxima o Inverno, são expulsos da colmeia. Só a rainha e umas poucas obreiras sobrevivem à estação fria, mas na Primavera seguinte voltam a nascer dezenas de abelhas.

A dança das abelhas


Embora as abelhas possuam um cérebro muito pequeno, dispõem de uma linguagem muito desenvolvida.
Quando uma obreira descobre um novo alimento delicioso, como uma macieira em flor, regressa apressadamente à colmeia. Ali, entrega às colegas uma amostra do néctar e “diz-lhes” onde fica a árvore. Sem palavras mas com passos de dança.

FOTO: Dreamstime

Se a árvore fica a menos de 100 metros, faz uma dança em rodopio – descreve um pequeno círculo, volta-se e volta a percorrer o círculo. Outras abelhas seguem-na numa espécie de dança polonesa.
Pelo tipo de dança e pelo odor que a obreira traz na pele, as abelhas percebem onde devem ir.

Se a macieira fica mais longe, é necessária uma dança de agitação da cauda. A abelha desenha um largo oito deitado. Com a quantidade de oitos a abelha indica a distância até árvore. E a direção da cauda indica a direcção que as colegas terão de seguir para encontrarem as flores. Se for na direção do sol, a abelha ergue a cauda. Se for na direção oposta, baixa-a.
Fascinante, não é?

Este artigo foi originalmente publicado na edição nº 15 da VISÃO Júnior

Palavras-chave:

A sua obra tem alternado entre a ficção – mas sempre com um pé em realidades históricas – e os ensaios. O percurso de vida de Amin Maalouf, nascido em 1949, em Beirute, Líbano, presta-se bem a essas duas vertentes. Quando era criança passou muito tempo no Egito, com os pais, num momento esse país, e a região do Levante, brilhavam entre o cosmopolitismo e a diversidade multicultural e os movimentos de afirmação nacionalistas, patrióticos e libertadores em relação aos velhos impérios europeus. Foi acumulando muitas histórias e História viva. Há meio século foi viver para Paris, onde ainda hoje vive. Começou por se dedicar ao jornalismo, foi editor da revista Jeune Afrique, mas desde cedo sentiu o apelo da literatura e de abordagens mais aprofundadas à História. Notabilizou-se, em 1983, com aquela que é, ainda hoje, uma das suas obras mais conhecidas e que pôs muitos europeus a olharem para si próprios de um ponto de vista a que não estavam habituados: As Cruzadas Vistas pelos Árabes. Entre os romances, destaquem-se, por exemplo, Leão, o Africano (1986), Samarcanda (de 1988), O Rochedo de Tanios (1993, que lhe valeu o Prémio Goncourt) ou o mais recente A Odisseia de Baldassare (2020).

Com O Naufrágio das Civilizações (2019) fez, ao mesmo tempo, uma autobiografia dos seus primeiros anos e uma apaixonante análise a um mundo em mudança acelerada, visto sobretudo a partir do “universo levantino”. Começava assim: “Nasci saudável nos braços de uma civilização moribunda e, ao longo de toda a minha existência, tive a sensação de sobreviver, sem mérito nem culpabilidade, enquanto tantas coisas, à minha volta, se transformavam em ruínas.(…) Foi este o meu triste privilégio, desde o primeiro suspiro.”

Amin Maalouf esteve no passado fim de semana em Lisboa para participar no festival literário 5L. Encontrámo-lo numa das enormes salas do hub criativo do Beato. Por vezes, fizemos-lhe perguntas sobre o mundo como se estivéssemos perante um oráculo. Mas ficámos a pensar numa frase, escrita por Bertrand Russell em 1933, muito partilhada nas redes sociais por estes dias: “No mundo moderno, os estúpidos estão cheios de certezas, enquanto que os inteligentes estão cheios de dúvidas.”

Passagem por Lisboa No Hub Criativo do Beato. Amin Maalouf já esteve várias vezes em Lisboa, mas diz que ainda não conhece a cidade como gostaria

Abre o epílogo d’O Naufrágio das Civilizações, de 2019, com uma citação de Pedro Calderón: “O pior nem sempre é certo.” E esforça-se por fechar o livro com algum otimismo. Hoje, seis anos depois, tê-lo-ia feito de outra maneira?
Não me considero um pessimista. Mas sinto que neste momento o mundo pode ir na direção do melhor ou do pior. É difícil de prever. Há muito tempo que se fala de aceleração tecnológica, mas neste momento vivemos uma aceleração da técnica e da ciência inédita, ainda mais intensa, difícil de acompanhar, talvez incontrolável. Mesmo quem trabalha nessas áreas e está implicado nessa aceleração não consegue perceber bem para onde tudo se encaminha, o que vem a seguir…

O caso da Inteligência Artificial,por exemplo…
Exatamente. Estamos num momento da História em que tanto podemos conseguir feitos notáveis como ir na direção de um grande desastre… Temos que perceber onde estamos e tentar evitar esse último caminho. Julgo que escreveria esse epílogo da mesma maneira, acreditando que o pior possível não é uma certeza. Há muitas coisas inquietantes, é verdade, mas as novas tecnologias abrem possibilidades de resolver problemas e desenvolver o mundo de formas novas, que nunca experimentámos. Hoje, há, por exemplo, uma difusão do conhecimento impressionante. A partir do nosso quarto conseguimos aceder a todos os saberes do universo… Acho que podemos imaginar um mundo que encontra uma forma de reconciliação, apesar das difíceis situações atuais. É possível.

A metáfora do Titanic e do naufrágio que usa nesse livro já é, por si, bastante assustadora…
Estamos próximos do iceberg, mas ainda é possível evitar o pior. Uma questão urgente que se coloca agora é que assistimos a um esgotamento da ordem mundial que conhecíamos. Conseguiremos reconstruir uma nova ordem mundial?

Na sua obra e pensamento há sempre a ideia de que a diversidade, o cruzamento de culturas e identidades diferentes, é uma energia muito positiva de desenvolvimento. Hoje isso não parece claro para todos… E nas eleições vemos muita gente com medo precisamente do “outro”, dessa diversidade.
A diversidade é positiva se a soubermos gerir. Se não soubermos pode tornar-se um problema, pode ser destrutiva. E é difícil tratar das relações entre pessoas e comunidades de origens diferentes. Infelizmente, não conheço muitos casos no mundo de grande sucesso quanto a isso

Fala do caso de Mandela, na África do Sul, como um bom exemplo…
Sim. A atitude pessoal de Nelson Mandela foi um bom exemplo dessa defesa prática da diversidade, o que não quer dizer que a África do Sul se tenha tornado num país idílico nessa matéria. Não vejo, nem no hemisfério sul nem no hemisfério norte, hoje, lugares onde essa questão seja bem gerida, com eficácia.

Isso não quererá dizer que, afinal, essa grande diversidade nos põe, sobretudo, problemas?
É difícil de gerir… A marcha do mundo levou-nos para aqui, para uma sociedade fundamentalmente diversa, um pouco por todo o planeta, ou seja: não podemos escolher se queremos ou não essa diversidade, ela existe, está aí. O que precisamos é de a gerir de forma a que se preservem os valores essenciais e o progresso da sociedade.

O medo do “outro” condiciona muito, atualmente, esse progresso, sobretudo devido aos grandes fluxos de migrações
Se existe mesmo medo, ele não pode ser desvalorizado. É preciso ouvir as pessoas que dizem que têm medo, tentar entender as suas razões. O que não se deve mesmo fazer é dizer-lhes: “Não há razão nenhuma para sentires medo, és um xenófobo, um racista…”. Se uma comunidade sente medo é preciso fazer um esforço para compreender esse medo.

Esse medo pode levar, nas democracias, os eleitores a votarem em forças que se opõem, de facto, à diversidade, e que até podem ser mesmo xenófobas. Isso não é um problema?
Sim, é um problema dos nossos dias.

A ideia do protecionismo, que parece ter regressado em força com Trump na presidência dos EUA, será uma tendência duradoura para os próximos tempos, em oposição a um mundo globalizado?
Não consigo ter certezas nessa matéria. Mas julgo que esse é um movimento contracorrente na História e que dificilmente pode impor-se. Parece-me extremamente improvável, e difícil, haver um recuo na globalização. Até porque a força e o poder dos EUA vem, sobretudo, desse movimento, de que eles foram, em boa parte, criadores. A ideia de que ele podem ser ainda mais poderosos optando pelo caminho do protecionismo parece-me irrealista e até paradoxal. Não sendo especialista na matéria, não me parece que essa seja a direção em que vamos avançar nos próximos tempos…

Falando de Trump. Como escritor, parece-lhe uma boa personagem de ficção, apesar de ser bem real?
Totalmente. Podemos imaginar na ficção uma personagem que, rapidamente, muda a realidade no mundo inteiro. Mas é muito raro que isso aconteça na vida real… E, de algum modo, estamos a assistir a isso. Um mundo distorcido em relação ao que era antes de Trump ter chegado de novo ao poder. Meramente como observador é fascinante assistir a tudo isto, independentemente de simpatizarmos ou não com a personagem. Mas ainda estamos demasiado próximos do que está a acontecer para conseguirmos antecipar o que significará Trump daqui a 20 anos. Será uma espécie de parênteses estranho na História? Ou o início de algo realmente novo e marcante no mundo? É muito difícil fazer esse exercício agora… Houve casos parecidos, com impacto por muitos anos, que ainda sentimos: Thatcher, em Inglaterra, e Ronald Reagan, nos EUA… Donald Trump será alguém com esse poder? Não sei. Para alguém que tem a minha visão do mundo, não é, certamente, uma personagem a que eu adira espontaneamente. Muitas coisas que ele faz e diz são estranhas para mim… E devo dizer que das duas vezes em que ele se candidatou à Casa Branca, dois meses antes das eleições, em 2016 e 2024, eu estava convencido de que ele não iria ganhar. Só uns dias antes é que senti que isso era possível… Ainda vamos perceber se este aumento do populismo na Europa, e noutros países, como a Argentina, se vai instalar mesmo como uma tendência mundial, com grandes mudanças associadas, ou se é como um momento febre súbita, que vai baixar rapidamente. Poderá ser visto como o tal parênteses na História que vamos esquecer mais ou menos rapidamente…

Observador “O meu temperamento é mesmo o de observar e escrever”, diz o autor de As Cruzadas Vistas pelos Árabes, rejeitando qualquer ambição como político

Outra personagem que marca fortemente o nosso tempo é Benjamin Netanyahu, que tanto é visto como um criminoso ou como um pragmático, cumprindo os objetivos de Israel. Como olha para ele?
Não me parece comparável a Trump, como fenómeno que, a partir dos EUA, deixa uma marca no mundo de hoje. Netanyahu está há muito no poder em Israel, é o governante que liderou o país durante mais tempo, mais ainda que os históricos, como Ben-Gurion… O que é novo ali, neste momento, é o poder militar de Israel, extremamente forte. Eu que nasci nessa região [no Líbano] nunca assisti a isso. Neste momento intervém no Líbano, na Síria, no Iémen, às vezes no Irão e no Iraque. Com a ajuda dos EUA, claro… Netanyahu tem uma oposição interna muito forte, que aumentou com o modo como lidou com a questão dos reféns raptados pelo Hamas, mas ao mesmo tempo parece ter um grande apoio no modo como lida com os países vizinhos. Chega a ser paradoxal… Às vezes parece que vai cair de um dia para o outro, mas logo a seguir surge como a figura mais forte e poderosa daquela região. 

Acha que Israel está em risco de sobrevivência nas próximas décadas? A narrativa israelita para justificar o seu poderio bélico e as suas ações militares passa por aí, como se estivesse sempre em causa a sua existência…
Não sinto que Israel esteja ameaçado a esse ponto. É, aliás, uma grande potência regional e mundial. Num futuro próximo não vejo essa ameaça existencial, mas talvez a longo prazo essa questão se possa pôr.

E o seu Líbano? Vai lá muitas vezes?
Não, não tenho ido… Poderia ir, mas não tenho essa necessidade. Começa a sair da sua crise profunda, as coisas estão a melhorar um pouco. Sinto alguma nostalgia do Líbano que conheci, mas não tenho ilusões, sei que não vai voltar ao mesmo nível de coexistência de comunidades, cosmopolitismo e de prosperidade que já teve. A violência vai imperar naquela região tumultuosa durante anos, décadas. Todas essas cidades do Levante, Alexandria, o Cairo, Beirute já não são cosmopolitas como um dia foram. Hoje as cidades cosmopolitas, nesse sentido, são Marselha, Londres, Lisboa…

Falando da União Europeia, a realidade onde vive. Sente que há o risco de colapsar quando se veem tantos partidos antieuropeístas a ganharem força em eleições?
Essa é uma questão que me preocupa muito. E sinto que, também neste caso, há vários caminhos possíveis. Há a grande oportunidade, agora, de a União Europeia se afirmar, se fortalecer. Mas também há o risco de se fragilizar, com a afirmação desses partidos populistas… São duas forças que se desenvolvem em paralelo por estes dias. Tenho esperança de que a União Europeia ganhe consciência do seu lugar e papel no mundo, do nível de vida que conseguiu proporcionar, e que isso leve a uma maior integração.

Não parece ser isso que está a acontecer neste momento…
Eu defendo mesmo o federalismo, uma federação parecida à dos EUA.

A 27?
Com a maioria… Hoje parece uma utopia, eu sei, mas olhando para os outros cenários possíveis, parece-me uma utopia possível de concretizar e desejável. E julgo que o mundo precisa desta força, desta união na Europa.

Em França, e antes dessa utopia se concretizar, vamos chegar a ver o Rassemblement National [antes Front National, o partido de Le Pen] no poder?
É uma possibilidade… Se me fizer essa questão um mês antes das eleições de 2027 penso que darei a mesma resposta que hoje. Vai ser uma decisão nos últimos momentos… Seja com Marine le Pen ou com Bardella, julgo que o resultado do partido não estará muito longe de 50% dos votos.

Essa divisão de eleitorado não parece muito promissora para uma Europa forte…
É muito importante que nos próximos tempos se faça uma reflexão a sério sobre o papel da Europa, em todos os países europeus.

Inglaterra também?
Neste momento tanto parece que se aproxima da América de Trump como, logo a seguir, parece que está arrependida de se ter afastado da União Europeia… São, talvez, só peripécias destes momentos que vivemos, mas julgo que esse movimento de reflexão europeu poderá incluir a Inglaterra. Devia-se ter feito tudo para evitar o Brexit. Em vez de encolhermos os ombros e termos aceitado facilmente que eles poderiam deixar a União Europeia, devíamos ter ouvido com atenção as suas recriminações, as suas razões. É um país com uma grande tradição democrática. Julgo que a UE devia ter tentado perceber o que nos levou a essa situação e tentar pensar em soluções, em vez de dizer simplesmente “ah, é o populismo…”.

Como observador tão atento do mundo, e ligado a vários contextos geográficos, nunca teve a tentação de seguir uma carreira política?
Não, de modo nenhum. Sinto-me muito mais à vontade no papel de observador. Não me vejo a envolver-me num combate em particular, e até receio que isso toldasse a minha objetividade. O meu temperamento é mesmo o de observar e escrever… No Líbano pertencia a uma comunidade muito restrita, muito pequena [greco-católicos melquitas]; quando cheguei a França era um emigrante sem nenhumas ambições políticas. Escolhi a literatura…

E o jornalismo. Que hoje parece estar tão frágil…
O papel dos jornalistas é extremamente importante hoje, e faz-se muito bom jornalismo. É fundamental organizar a informação no meio de tanto ruído do mundo, distinguir o verdadeiro do falso, o que é credível e não é, o que é importante e não é. Estamos claramente num período de transição, entre velhos modelos e novos, também no jornalismo. Tenho ouvido, por exemplo, podcasts notáveis, muito interessantes. É um combate que deve ser feito, o de reconquistar espaço para o jornalismo de qualidade, que existe.

Labirintos

Os dois mais recentes ensaios de Amin Maalouf, ambos publicado em Portugal na Marcador (uma chancela da Presença). O Labirinto dos Perdidos, o Ocidente e os Seus Adversários (368 págs., €20,90), de 2023, e O Naufrágio das Civilizações (240 págs., €17,90), de 2019, procuram sinais de uma nova ordem mundial a partir da História

Palavras-chave:

Bem adivinhou o Presidente da República ao convocar eleições legislativas para esclarecer o quadro de governabilidade. Tudo como esperado — e tudo ao contrário. Inesperado.

O novo Governo da AD terá um apoio mais substancial no Parlamento, com ou sem a ajuda da IL, pela simples razão de ter subido quase 6% nos votos entre 2024 e 2025. Dito de outra forma: os eleitores punirão fortemente qualquer nova instabilidade governativa, e por aí estamos conversados.

Os resultados eleitorais revelam uma complexidade nas variações políticas: a AD cresceu essencialmente à custa dos «socialistas» do PSD — os “democratas de Reagan” — que mudam conforme os ventos, e, obviamente, também de eleitores da IL, que não cresceu como pretendia.

A confusão começa agora: o Chega teve uma subida espectacular à custa de votos do PSD e do PS, sendo que uns preencheram o vazio deixado pelos outros. Cada eleitor que mudava de partido era compensado por outro, vindo de banda oposta, e o resultado foi crescimento. O PS, diga-se, perderia sempre estas eleições, com Pedro Nuno Santos ou com qualquer outro secretário-geral socialista.

PNS apanhou com o cansaço dos eleitores à esquerda e ao centro, e não teve um resultado pior apenas porque conseguiu captar votos do Bloco, do PCP e do Livre. Esta esquerda precisa de se refazer urgentemente. Nenhum governo governa bem sem uma oposição forte, sensata e vigilante dos atos do Executivo.

Conclusão: todos sabíamos que a AD sairia vitoriosa, que Luís Montenegro receberia um voto de confiança dos portugueses, sendo popularmente indigitado para primeiro-ministro. Mas ninguém previa o vulcão de votos que caiu sobre o Chega. Hoje, Portugal tem três grandes partidos — e o Chega até pode vir a ser o segundo partido do sistema com os votos da imigração. As coisas são o que são.

Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.

“Na sequência das eleições para a Assembleia da República ontem [domingo] realizadas, o Presidente da República nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 187.º da Constituição, vai iniciar amanhã, terça-feira, as consultas aos partidos políticos, tendo em conta os resultados provisórios anunciados pelo Ministério da Administração Interna, e sem prejuízo dos círculos que ainda falta apurar”, lê-se numa nota publicada no site oficial da Presidência da República na Internet.

O PSD será ouvido às 11h00 de terça-feira, o PS às 15h00 e o Chega às 17h00.

Faltando apenas os votos dos círculos da emigração, a coligação AD venceu as eleições de domingo com 32,7%, seguida do Partido Socialista, com 23,4% mas com o mesmo número de deputados do Chega: 58 cada.

O novo robô criado pela equipa da Universidade de Bristol é capaz de monitorizar o ambiente que o rodeia para decidir como se movimentar e como agarrar objetos com precisão. A inspiração vem do sistema nervoso central do polvo. O robô sabe como usar a sucção para se fixar em objetos e também a utiliza para ‘sentir’ o ambiente e controlar as suas ações.

O sistema permite segurar delicadamente em objetos sensíveis, perceber se está a tocar em água, ar ou uma superfície dura e ainda prever quão duros são os objetos que está a tentar manipular, sem ter de recorrer a um computador central.

Nos polvos, há uma hierarquia neuromuscular eficiente que permite uma grande destreza e a criação robótica integra ventosas com sensores, computação integrada nos membros e um raciocínio centralizado de elevada capacidade. Os investigadores quiseram replicar o funcionamento dos polvos e explorar a energia fluída e a capacidade de informação destas ventosas, bem como de elementos computacionais moles e atuadores moles também, explica o Interesting Engineering.

Tianqi Yue, que lidera a equipa, explica que “no ano passado, desenvolvemos uma ventosa de sucção artificial que replica a forma como os polvos aderem a rochas usando materiais moles e selamentos com água. Esta pesquisa traz esse trabalho mais para a frente, desde usar uma ventosa como os polvos para se ligar a objetos até usar uma ‘inteligência de sucção integrada’ – replicando aspetos fundamentais da estrutura neuromuscular do polvo num sistema robotizado mole”.

A abordagem tira partido de trabalhos de sucção inteligente que permitem ao robô segurar delicadamente em objetos, enrolar-se de forma adaptada e rodear objetos de geometrias desconhecidas. Por outro lado, ao descodificar a resposta de pressão de uma ventosa, os robôs conseguem atingir uma perceção multimodal de elevado nível, o que lhes permite detetar contacto, classificar o ambiente e a rigidez das superfícies e prever uma força interativa de puxão.

A solução abre caminho a uma nova geração de robôs moles, mais capazes, seguros, inteligentes e com um melhor consumo energético capazes de, por exemplo, ajudar na apanha da fruta, manipular objetos delicados em fábricas e até mesmo gerar soluções diferentes no campo da medicina.

Leia o estudo publicado na Science Robotics.

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A nova funcionalidade vai permitir identificar quem é o destinatário de um pagamento, que até agora podia estar oculto através de serviços contratados.

A medida é saudada como muito positiva pelas empresas do setor. Para o diretor-geral da Hipay em Portugal, Eduardo Barreto, “vai melhorar tudo, não há pontos negativos”. “O único ponto negativo seria para os burlões e para os criminosos”, considerou, em declarações à Lusa.

No entender deste responsável, a partir de hoje “vai ser mais difícil” fazer burlas através do multibanco, uma vez que as referências geradas em lojas online de parceiros já serão devidamente identificadas.

A ideia é partilhada pelo cofundador da Ifthenpay Filipe Moura, cuja empresa também vê a medida “de forma muito positiva”, acrescentando que era algo solicitado desde o início da atividade da empresa, em 2005.

“Embora os pagamentos por referência Multibanco apresentem um índice de fraude muito baixo, esta medida contribuirá para reduzir ainda mais certos tipos de fraude – como, por exemplo, a conhecida fraude ‘Olá Pai, Olá Mãe’ – pois o ordenante passa a ter visibilidade direta sobre o destinatário efetivo dos fundos”, explicou Filipe Moura.

O copresidente executivo da Eupago Telmo Santos enalteceu o “passo positivo para o reforço da segurança nas transações financeiras”, mas pediu um equilíbrio entre a segurança e a privacidade dos utilizadores.

Este é o mais recente mecanismo do BdP para evitar fraudes no setor, depois de, no ano passado, também em maio, ter entrado em vigor uma solução para identificar o titular da conta através do IBAN, aquando de uma transferência.

A nova funcionalidade vai permitir identificar quem é o destinatário de um pagamento – como empresas -, que poderá estar hoje oculto através de serviços contratados, possibilitando que o consumidor perceba a quem está a enviar o dinheiro.

Eduardo Barreto considerou que o negócio até pode ser afetado pela positiva porque os clientes “até poderão preferir ter o seu nome, em vez do nome da Hipay”, mas explicou que os dois estarão visíveis – tanto o do parceiro, como o da plataforma.

A opinião é replicada pela Ifthenpay, que também considera que a apresentação dos dois nomes “reforça também a confiança dos utilizadores”.

“Em caso de problemas com a entrega de produtos ou serviços, o ordenante saberá que pode contactar a Ifthenpay para mediar o processo”, refere Filipe Moura, acrescentando que “sem esta visibilidade, fraudes como a não entrega de bens ou serviços seriam mais difíceis de detetar, prevenir e travar”.

Já a Eupago apesar de admitir que pode haver “algum reflexo na exposição da marca”, acredita que esse impacto “não será expressivo a nível de atividade”.

Questionadas sobre os custos envolvidos para a transposição desta norma, as empresas consideraram que foram pouco significativos, tendo a Eupago apontado que há custos inerentes como desenvolvimento tecnológicos, testes e monitorização.

Sobre as reclamações recebidas, tanto Ifthenpay como Hipay apontaram que na maioria não se tratam de fraudes, mas sim de pessoas que se esqueceram do que pagaram.

Em Portugal, a violência doméstica continua a fazer vítimas todos os anos. Apesar das campanhas de sensibilização e das reformas legislativas, os números teimam em não descer significativamente. A questão, porém, não está apenas na lei — está, sobretudo, na forma como o sistema responde aos pedidos de ajuda. A sobrecarga de processos e a incapacidade de resposta dos profissionais que atuam nesta área tornam quase “inevitável” que haja falhas graves. E essas falhas, infelizmente, podem custar vidas.

Quem acompanha de perto esta realidade — sejam vítimas, técnicos, juristas ou associações — sabe que o sistema está saturado. Os tribunais e as forças de segurança lidam com milhares de processos por ano, sem meios humanos e materiais para dar resposta com a urgência e o cuidado que a violência doméstica exige.

Com forma de combater este flagelo, a Procuradoria Geral da República no ano de 2019, no âmbito dos Departamentos de Investigação e Ação Penal Regionais, Lisboa, Sintra, Seixal e Porto procedeu à criação de Secções Especializadas Integradas de Violência Doméstica (SEIVD), compostas por Núcleos de Ação Penal (NAP) e Núcleos de Família e Crianças (NFC).

Estas secções visam proporcionar uma resposta judicial mais célere, eficaz e centrada na vítima, integrando magistrados, polícias e técnicos de apoio. No entanto, a eficácia destas estruturas enfrenta desafios significativos, especialmente relacionados com a escassez de magistrados e outros profissionais judiciais, concretamente funcionários.

Seja nas SEVID ou em qualquer Tribunal, a falta de magistrados e oficiais de justiça compromete a capacidade institucional para lidar com ausências prolongadas, como baixas médicas ou licenças parentais, sobrecarregando os restantes profissionais e afetando a gestão eficiente dos processos.

O número de processos de violência doméstica não para de crescer, mas o número de procuradores e funcionários judiciais não acompanha esse aumento. O resultado é um sistema que já não consegue responder à altura.

A legislação portuguesa reconhece a gravidade da violência doméstica, atribuindo natureza urgente aos processos relacionados com este crime. De acordo com o artigo 28.º da Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro, os processos por crime de violência doméstica têm natureza urgente, mesmo que não haja arguidos presos. Esta urgência implica a aplicação do regime previsto no n.º 2 do artigo 103.º do Código de Processo Penal, que determina que os atos processuais sejam praticados durante as férias judiciais, sem suspensão de prazos.

No entanto, a realidade nos tribunais portugueses revela um cenário preocupante: processos classificados como urgentes — que deviam ser resolvidos em dias — arrastam-se durante semanas ou até meses; medidas de coação são adiadas, audições proteladas, e vítimas deixadas à sua sorte, muitas vezes ainda a conviver com os agressores.

A falta de magistrados tem consequências gravíssimas.

Os Magistrados do Ministério Público são forçados a acumular dezenas de processos complexos, o que reduz a possibilidade de análise atenta de cada caso, trabalhando sob pressão constante, num ambiente de exaustão que pode conduzir ao erro.

Como garantir justiça célere e humana se quem a aplica está a trabalhar no limite?

É impossível garantir justiça eficaz com tribunais a funcionar no limite das suas capacidades. E é ainda mais inaceitável que isso aconteça precisamente nos casos em que a urgência é vital. O sistema deveria ser uma rede de segurança para as vítimas. Em vez disso, muitas vezes transforma-se num novo campo de angústia e espera.

O Estado precisa de agir com responsabilidade. É urgente reforçar os quadros de magistrados, de funcionários, e investir em formação especializada para todos.

Embora Portugal tenha avançado na legislação de combate à violência doméstica, a eficácia das Secções Especializadas Integradas e de todas as secções a nível nacional que tramitam processo de violência doméstica depende diretamente do investimento em recursos humanos. Sem esse compromisso, as vítimas continuarão a enfrentar obstáculos no acesso à justiça e à proteção que merecem.

Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.

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