Dos pickles aos gelados, passando pelas batatas fritas, caixas de chocolates ou batidos, toda a gente já ouviu falar nos desejos das grávidas. Segundo um estudo feito pelo site de maternidade gurgle.com, 75% das mulheres grávidas dizem ter desejos muito fortes por determinados alimentos durante a gravidez – um crescimento de 45% nos últimos anos. “A pesquisa indica que apenas 8% das entrevistadas disseram sentir desejos durante a madrugada, uma vez que as vontades são mais frequentes no período da tarde e da noite”, acrescenta Cristina Maia Barbosa, ginecologista e obstetra do Hospital Lusíadas de Lisboa, no site do grupo de saúde.
Seja por alimentos doces, salgados, picantes ou fritos ou por combinações menos comuns, estes desejos parecem mudar consoante a cultura de cada grávida. Vários estudos mostram como, por exemplo, uma mulher na Nigéria tem mais tendência a querer frutas e vegetais, enquanto uma mulher dos Estados Unidos poderá pedir mais chocolate. Já no Japão, o desejo mais frequente entre as grávidas envolve arroz e, na Tanzânia, os alimentos mais desejados são as mangas, iogurtes, laranjas e refrigerantes.
Pouco se sabe sobre o porquê destes desejos afetarem tantas mulheres, existindo duas grandes teorias que dividem a comunidade científica. Por um lado, diversos especialistas acreditam existirem mudanças hormonais na base destes desejos. Por outro, uma parte significativa dos especialistas de nutrição e obstetrícia defende que o motivo para várias mulheres pedirem determinados alimentos significa que estão em défice nutricional.
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A culpa é das hormonas?
Muitas mulheres alegam que sentem vontade de alimentos que, anteriormente, não gostavam ou não tinham vontade de comer. Outras, que seguiam dietas veganas ou vegetarianas, contam que experienciaram o desejo de voltar a consumir carne, quebrando o seu regime alimentar. É o exemplo da atriz e cantora Halle Bailey que, após 13 anos a seguir uma dieta vegan, voltou a consumir carne durante a gravidez.
De acordo com a ciência, a culpa pode estar nas hormonas. Libertadas durante a gravidez, a hormonas gonadotrofina coriónica humana (HCG) e progesterona alteram o apetite e levam a mudanças do paladar, olfato e do pH da boca. Mudanças que fazem com que a grávida sinta vontade de comer alimentos que não gostava e deixe de gostar de outros que consumia regularmente.
Déficit nutricional
Outra teoria que pode ajudar a explicar estes desejos é a falta de nutrientes na mulher ou feto. Segundo Melanie McGrice, especialista em nutrição, o desejo – muito comum – por alimentos salgados durante a gravidez pode indicar que a mulher não está a beber água suficiente. “Durante a gravidez, as nossas necessidades de líquidos aumentam cerca de 150 por cento. No entanto, a ingestão de líquidos da maioria das mulheres não aumenta”, explicou ao jornal britânico The Guardian, realçando que o volume total de sangue no corpo durante a gravidez aumenta 45 por cento. Já, por exemplo, o desejo por alimentos doces – como o chocolate – pode significar a falta de magnésio e a vontade de comer açúcar corresponde à falta de nitrogénio.
Mas os desejos na gravidez não se limitam a alimentos. A carência de ferro pode por vezes provocar desejos inexplicáveis por substâncias não alimentares – como giz, gelo ou terra. Um fenómeno designado por “Pica” que afeta 4% das mulheres durante a gravidez. Contudo, este não é exclusivo das grávidas, podendo ser explicado por outros fatores.
Deve seguir estes desejos?
Embora não seja problemático seguir, pelo menos a maior parte, destes desejos alimentares, os especialistas avisam que o seu consumo deve ser feito com alguma moderação. Ingerir grandes quantidades de alimentos ricos em açúcar, gordura e hidratos de carbono resulta no risco de aumento de peso e de diabetes gestacional e pode levar ao aumento do peso do bebé e ter consequências no seu metabolismo. “Nenhuma investigação confirma que estes desejos são essenciais para o desenvolvimento fetal ou necessários para uma gravidez saudável. De facto, muitos desejos são frequentemente por alimentos que não são nutricionalmente benéficos”, explicou Sowmya KN, obstetra no Hospital de Bengaluru, Índia, ao India Today.
Por outro lado, satisfazer estes desejos pode libertar dopamina, serotonina e endorfina, substâncias que geram prazer e melhoram o humor. “Pode ser que ninguém saiba porque surgem essas vontades excêntricas durante a gravidez, mas como a maioria dos desejos e das aversões acabam por ser mais curiosos do que sérios, não devem constituir motivo de preocupação”, assegurou Barbosa.
O Ministério Público pediu esta sexta-feira o estatuto de maior acompanhado para Ricardo Salgado, ao quarto dia do julgamento do processo do Grupo Espírito Santo, que decorre no Campus da Justiça, em Lisboa. Salgado é o principal arguido do caso e responde em tribunal por 62 crimes, alegadamente praticados entre 2009 e 2014, entre os quais associação criminosa, corrupção ativa no setor privado, burla qualificada, manipulação de mercado e branqueamento de capitais.
O requerimento tem em conta o estado de saúde do ex-banqueiro, que sofre de Alzheimer, e está assinado pelos procuradores Carla Dias, César Damas Caniço e Sofia Gaspar, que acompanham o caso. Na primeira sessão do julgamento, realizada esta terça-feira, Salgado conseguiu dizer aos juízes o seu nome e o do seu pai, mas mostrou dificuldades em dizer o da mãe e em dar a sua morada.
O que é o estatuto de maior acompanhado?
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O estatuto de maior acompanhado é um regime jurídico que se encontra em vigor desde 2019 e que substitui o anterior regime da interdição e inabilitação. Trata-se de um estatuto destinado a adultos em situações de demência ou de deficiência mental que impossibilitem a tomada consciente de decisões sobre a sua própria vida, competindo a um juiz avaliar a necessidade de medidas de acompanhamento. Nestes caso, é definida uma pessoa com a responsabilidade de tomar decisões pela pessoa que se encontra diminuída.
“O tribunal constata que a pessoa não está no uso de todas as faculdades e designa uma pessoa que substitua a pessoa diminuída. Pergunta-se ao beneficiário para se conseguir, dizer quem quer ser o acompanhante e pode ser a mulher. Se não for possível, o tribunal pode não aceitar também a escolha e nomear outra”, explicou a advogada Ana Pires, coordenadora do Departamento de Família e Menores da sociedade RSA, à agência Lusa.
De acordo com a lei, este é um instrumento legal que visa garantir o bem-estar e o pleno exercício dos direitos da pessoa acompanhada, “bem como a observância dos deveres do adulto”. O acompanhante designado não presta, no entanto, declarações pela pessoa que está a substituir.
Francisco Proença de Carvalho, advogado do antigo homem forte do BES considera uma “boa notícia” o requerimento do MP. “Dentro dos seus deveres de objetividade e de legalidade, o MP está a fazer o procedimento adequado. No fundo, reconhece aquilo que dizemos há muito tempo, que Ricardo Salgado não tem condições de se defender, não tem condições cognitivas de participar no processo e isso tem de ter os seus efeitos”, referiu em declarações aos jornalistas.
Estão ainda em julgamento outros 17 arguidos, incluindo Amílcar Morais Pires, Manuel Espírito Santo Silva, Isabel Almeida e as sociedades Rio Forte Investments, Espírito Santo Irmãos, SGPS e Eurofin.
Ao recordar quatro décadas de vida académica, Gilberto Santos destaca as “muitas horas passadas a escrever artigos científicos e comunicações a congressos”, por vezes, noite dentro, ou nos fins de semana. “Abdiquei do meu tempo de lazer, investi em mais conhecimento para fazer a minha agregação e subir na carreira.” Ligado ao Instituto Politécnico do Cávado e do Ave (IPCA) desde 2006, professor na Escola Superior de Design (ESD), assinou 142 artigos científicos indexados, tem um número recorde de citações (3 360), viu o seu currículo validado por um júri externo, tem livros publicados em Portugal e no estrangeiro, mas apesar de ter “o melhor CV de entre cerca de 500 professores da instituição”, garante, continua, aos 69 anos, no patamar mais baixo da carreira docente (como professor adjunto ou auxiliar), sem conseguir vaga nos concursos que poderiam garantir-lhe a promoção (para professor coordenador ou associado).
“Contribuí para o desenvolvimento do IPCA desde o primeiro minuto. Criei cursos, o primeiro mestrado da instituição, pertenci e pertenço a vários órgãos, tenho nota de “excelente” em todas as avaliações , considero-me uma pessoa cordata, que atua dentro das regras da boa educação”, enumera. “Há professores catedráticos com pior currículo do que o meu, mas fui muitas vezes ultrapassado por quem tem pior CV, pior produção científica, menos anos de carreira. Diria que sou alvo de uma perseguição por parte de quem manda, de uma injustiça que não consigo perceber”, afirma.
Gilberto Santos entrou no IPCA há 18 anos, mas o currículo e o prestígio não lhe garantiram progressãona carreira. Hoje, reclama“por justiça” nos tribunais
“É muito estranho, realmente”, comenta um colega e amigo próximo, mas que prefere manter o anonimato. Em anos recentes, Gilberto Santos avançou para a Justiça para contestar diversos procedimentos, como aquele a que chama “veto de gaveta” de um concurso na ESD, “decidido”, acusa, “por vontade da dirigente Paula Tavares”. “Senti-me pessoalmente prejudicado”, diz, o que o levou a contestar a decisão no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga e a fazer também uma queixa-crime por abuso de poder, denegação de justiça e prevaricação contra a atual vice-presidente do IPCA. Ao ver “pessoas com um currículo incomparavelmente inferior” a progredirem na carreira, decidiu ainda apresentar providências cautelares para exigir que sejam anulados quatro concursos internos, o último dos quais aberto já este ano.
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Em resposta à VISÃO, o IPCA nega a versão do professor, diz que “não é verdade” que Paula Tavares “não tenha dado seguimento” à abertura de um concurso e acusa Gilberto Santos de querer que lhe seja dada uma promoção “ilegal”. Em comunicado, o IPCA informa que Paula Tavares “manifesta a sua total revolta e contestação contra as acusações de ‘ter prejudicado’ o queixoso” e vai avançar para “queixa-crime por difamação e ofensa ao seu bom nome”. Em relação às outras queixas, o IPCA garante a legalidade de todas as práticas. “Ao longo da sua existência (a fazer 30 anos), o IPCA nunca teve um concurso para recrutamento de docentes que tivesse sido objeto de uma decisão de condenação pelo tribunal. E houve várias situações de impugnação de concursos tendo sido dado, sempre, vencimento à posição do IPCA”, lê-se na nota.
Simultaneamente, Gilberto Santos lamenta “não ter sido valorizado” dentro de casa. “Somos todos iguais, mas no IPCA há uns mais iguais do que outros. Agora, conto com o tribunal. É desgastante, muito injusto e triste, mas acredito que só desta forma será feita justiça”, diz. À VISÃO, o IPCA adianta ainda que “vai apresentar uma queixa-crime de ofensa a pessoa coletiva” contra Gilberto Santos, pois “não é admissível a afirmação ou a divulgação de factos inverídicos sobre uma pessoa coletiva, bem como a difamação e a colocação em causa do bom nome dos trabalhadores do IPCA, que muito têm contribuído para o aumento de qualificações e competências das pessoas”.
A lei da rolha
Gilberto Santos sabia ao que vinha. O artigo 22º do Código de Ética, Conduta e Integridade do IPCA regula o “relacionamento com os meios de comunicação social”, definindo que o trabalhador da instituição “deve abster-se de qualquer pronúncia pública ou prestar qualquer esclarecimento ou informação (…) sobre quaisquer matérias” relacionadas com a sua profissão. Talvez por isso as posições sobre o tema tenham surgido apenas em artigos de opinião, como o publicado, em abril de 2022, por Jorge Duarte Pinheiro, professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, na Revista do Sindicato Nacional do Ensino Superior (SNESUP), em que alerta para os riscos da “contratação endogâmica e à medida” no Ensino Superior em Portugal e as retaliações para quem ousa “tocar na ferida”.
A VISÃO escutou mais de uma dezena de docentes no âmbito deste artigo, profissionais de várias gerações, ligados a instituições públicas e privadas, localizadas em diferentes zonas do País, mas a regra continua a ser o “receio” que impede de dar a cara, quando o assunto são processos que todos descrevem “não tendo transparência nem ética”. “Não se trata de falta de coragem, mas temos consciência de que há consequências para o nosso futuro. As pessoas têm família, têm compromissos, e é muito difícil colocar tudo isso em risco”, refere um dos envolvidos. A partir deste parágrafo, todas as identidades são fictícias.
“O vil comércio”
Um investigador da Universidade de Florença gravou os colegas a pressionarem para que desistisse de concurso. A investigação resultou em sete professores detidos e 22 suspensos
A semente da “revolução” na Universidade de Florença, Itália, brotou no primeiro dia de outono de 2017, mas fora plantada quatro anos antes. Philip Laroma Jezzi começou a gravar conversas tidas nos bastidores da instituição, depois de se ter candidatado à vaga de professor de Direito Tributário. Certo dia, Philip foi chamado ao escritório do professor jubilado Pasquale Russo, que prontamente lhe sugeriu que desistisse da corrida a favor de um candidato menos qualificado. “Para a próxima” o lugar seria seu, terá garantido. Durante o encontro, Russo explicou-lhe como funcionava “o vil comércio da troca de lugares”, mas o jovem investigador não alinhou na encenação e manteve a candidatura. Seria excluído do concurso, e ainda chamado à presença do professor Guglielmo Fransoni, um dos membros do júri naquele processo. Fransoni transmitiu-lhe o incómodo: “Não entendia” a teimosia de Philip, mesmo tendo este “recebido a mensagem para desistir”. Por esta altura, ninguém desconfiava de que Philip gravava todas as conversas. As provas seriam entregues ao Ministério Público e à Guarda de Finanças, que conduziram a Operação Maxi. As autoridades italianas investigaram 59 pessoas, entre as quais Augusto Fantozzi, um antigo ministro dos governos de Lamberto Dini e Romano Prodi. No final desse dia, sete professores foram detidos e outros 22 suspensos por um ano. Philip recorreu para a Justiça e o tribunal atribuiu-lhe a vaga de professor.
Miguel B. é professor “numa das duas melhores universidades públicas portuguesas”. Iniciou a carreira de docente em 1995 e, pelo caminho, desejou “garantir a nomeação definitiva” numa instituição no Centro do País. O que lhe parecia “natural, simples, dado o currículo”, tornou-se tarefa impossível, mesmo quando ganhou o concurso “a grande distância do segundo classificado”. Depois, “começou o inferno”, descreve. “O concurso foi simplesmente cancelado. Porquê? Porque os concursos no Ensino Superior são uma autêntica selva, abertos à medida de certo candidato, e quando não se consegue chumbar o outro concorrente, aquele que não se quer, apesar de ter um currículo muito melhor, decide-se pela suspensão ou pelo ‘congelamento’. Foi o que me aconteceu”, lamenta. Miguel B. confessa ter-se sentido “perseguido” durante vários anos, e ainda aguarda, há quase cinco, pela decisão de uma queixa que apresentou por danos morais contra três professores catedráticos.
Entretanto, a experiência parece agora repetir-se, num concurso interno para a progressão na carreira, realizado na instituição para onde se mudou. “O concurso foi aberto em janeiro de 2023, mas, até ao momento, o júri ainda não terá conseguido reunir-se.” A lei indica 90 dias úteis como prazo “desejável” para a conclusão do procedimento, mas nada deriva deste incumprimento. Passaram 19 meses, Miguel B. está convencido de que o “congelamento” se deve à sua candidatura. “A situação só comprova, mais uma vez, o pantanal em que se tornou o Ensino Superior em Portugal.”
Noutra cidade, as mesmas denúncias. Rui L. ingressou na carreira em 2003. Ao longo de duas décadas, somou um vasto currículo. Ligado, há oito anos, a uma universidade pública, pareceu-lhe “natural” concorrer a um dos dez lugares para professor associado. “O meu currículo era, sem dúvida, dos melhores”, mas de nada lhe valeu. Rui L. foi “eliminado [do concurso] administrativamente”, decisão que o júri justificou com o facto de o candidato ter mencionado a autoria de 300 publicações, mas ter apresentado apenas 290 a concurso. “Sabe quem ficou num dos dez primeiros lugares? Um professor que tem apenas seis papers publicados, o mínimo previsto nos requisitos”, refere. “Se a meritocracia deixa de ser o critério principal, se não promovemos quem produz mais e melhor, não está somente em causa o prejuízo para a pessoa, mas também para o próprio Ensino Superior e para o País. É gravíssimo”, sintetiza Rui L..
Mérito Os professores garantem que as dúvidas em torno dos concursos põem em causa a qualidade do Ensino Superior em Portugal
Noutro processo, destaca-se a coincidência entre requisitos e perfil de um dos candidatos (que ganhou o concurso). Nos corredores das instituições universitárias, designa-se o “fenómeno” como “concursos com fotografia” (ver imagem acima). Entre os critérios de avaliação num concurso para professor associado, o conselho científico propôs valorizar concorrentes que tivessem publicado, pelo menos, dois livros originais (sendo autores principais em, pelo menos, um deles), na área disciplinar de Sistemas de Informação, especialidade em Linguagem de Modelação de Sistemas de Informação e Dados. O exemplo de requisitos “demasiado ao encontro de um perfil”, como descreveu, à VISÃO, o professor José António Moreira, presidente do SNESUP, têm resultado em escândalos internos, abafados pelo medo. “Ninguém tem dois livros naquela área. O exemplo mostra que falamos de processos onde não há ética. Trata-se de dinheiros públicos, da Educação de um País. Percebemos que sobe na carreira quem presta vassalagem a determinadas pessoas”, resume João P., que não foi promovido, mesmo figurando, na maioria dos indicadores consultados pela VISÃO, à frente de alguns dos candidatos selecionados. Docente há dez anos, admite que, antes de entrar nesta universidade (onde trabalha desde 2016), “não tinha noção do que se passava” no Ensino Superior. “Hoje, questiono-me porque me dediquei tanto, porque abdiquei de tanto tempo com a família e amigos…”. Confrontado com os resultados, avançou para tribunal. “As pessoas costumam dizer: ‘Pronto, é assim.’ Acham mal, claro, mas depois não fazem nada… Não é uma questão de dinheiro, mas de reconhecimento, de recompensa, de evolução. O resultado foi muito injusto. As próprias votações dos membros do júri foram muito discrepantes. O que se pode fazer, nestes casos, é recorrer para a Justiça. E, confesso, ficaria chocado se, perante as evidências, o tribunal não atuasse”, conclui João P.
“Paz podre” nas universidades
As dúvidas em torno destes processos contribuem para “um clima de tensão dentro das instituições universitárias”, relata, à VISÃO, o professor José António Moreira (ver entrevista). Pedro L. entrou na carreira em 1989, mais de três décadas permitiram-lhe ver de tudo: desde júris que “não alinham” com a instituição e “nunca mais são convidados” ao estranho convívio entre protagonistas dentro das paredes da Academia. “É, no mínimo, desconfortável. É preciso ter grande força de vontade para, no dia seguinte, regressar ao trabalho e estar sentado ao lado de quem, injustamente, passou a ganhar um salário melhor; ou, por vezes, a chefiar. Instala-se uma paz podre, feita de silêncios e cumprimentos de circunstância. É um grande fator de desmotivação, com resultados na prestação de todos os profissionais deste setor.”
A advogada do SNESUP parece ter uma visão (mais) otimista deste tema. À VISÃO, garante que “a Justiça tem funcionado”, e até de forma “relativamente rápida, na primeira instância”. Celeste Dias Cardoso afiança que “há bastantes concursos que têm sido declarados ilegais pelos tribunais”, muitos deles “anulados por falta de fundamentação da avaliação”, outros “por falta de imparcialidade”. “As pessoas não devem ficar com a ideia de que a Justiça não funciona, de que não vale a pena reclamar, porque, regra geral, os tribunais decidem bem e não demoram assim tanto tempo”, diz.
José António Moreira
Presidente do Sindicato Nacional do Ensino Superior (SNESUP)
“Há um clima de tensão dentro das instituições [universitárias]”
O presidente do SNESUP lamenta nível de “conflituosidade” em torno dos concursos para docentes no Ensino Superior. José António Moreira defende que “número de casos” nos tribunais demonstra que processos “não são suficientemente claros”
Foto: Cristina Bernardo
Concursos feitos à medida, requisitos perfilados, avaliações pouco claras. A VISÃO ouviu muitas queixas. Existe falta de transparência e de justiça nos concursos para docentes no Ensino Superior em Portugal? O que posso dizer é que o nível de conflituosidade dentro do Ensino Superior, público e privado, relativamente a concursos, é muito elevado. E isso é sinal de que algo não está bem.
Podemos, então, concluir que há concursos “manipulados”? Não estou a dizer que os concursos não são justos. Digo, sim, que não estão suficientemente blindados para evitar essa conflituosidade, criando desconfianças. E podemos, por vezes, ficar com a ideia de que os concursos são manipulados, mas não temos dados para confirmar isso.
Uma das principais queixas é a existência de “concursos com fotografia”, destinados a candidatos escolhidos atempadamente Olhando para alguns editais, percebemos que os requisitos, por vezes, vão demasiado ao encontro de um perfil. De resto, posso acrescentar que, de facto, alguns processos não cumprem a lei. Por exemplo, a todos os candidatos a posições iniciais da carreira docente no Ensino Superior não pode, segundo a lei, ser pedida experiência docente, mas essa regra é frequentemente violada.
O que pode fazer um docente que se sente injustiçado nestes processos? Pode apresentar queixa no tribunal. Estamos a falar, sobretudo, de concursos de promoção interna (o número de concursos para ingressar na carreira tem sido reduzido). Nestes processos, na verdade, as pessoas ficam inibidas em apresentar queixa, com receio de serem prejudicadas no futuro.
Quais as consequências disto para a Academia? Para começar, instalou-se um clima de tensão no interior das instituições. As relações degradam-se, a situação é terrorífica para as pessoas que se sentem prejudicadas… Importa dizer, porém, que os docentes que ganham os concursos não têm qualquer influência nos resultados. É a própria instituição que, por vezes, considera que certa pessoa tem melhor perfil para ocupar um cargo ou uma posição.
Ainda assim, o relacionamento entre docentes deve sair prejudicado… Sem dúvida. Na maioria das instituições de Ensino Superior há muitos problemas de relacionamento devido a estas injustiças (ou à perceção de injustiças). E é algo que acontece porque, de facto, os processos não são suficientemente claros. Isso é trágico para as relações entre docentes.
Concretamente, que problemas identifica o SNESUP nos concursos para docentes? Principalmente, falta de transparência: os requisitos definidos, as escolhas feitas, isto nem sempre é devidamente explicado. E resulta no grande número de impugnações de concursos que temos em tribunal.
De que número estamos a falar? Centenas de casos por ano. E mesmo que os tribunais acabem por dar razão ao queixoso, o processo pode arrastar-se por muitos anos. É um inferno.
A “desconfiança” e a “conflituosidade” nestes processos tornaram-se um “novo normal”? Não digo que todos os concursos estão feridos de legalidade ou de justiça, naturalmente. Mas o elevado número de casos nos tribunais demonstra que algo não está a correr bem.
Nunca é demasiado tarde para fazer escolhas de estilo de vida saudáveis, sugere um estudo da Universidade do Michigan (UM), nos Estados Unidos da América, que estimou o número médio de anos de vida ganhos quando se deixa de fumar em diferentes idades.
É sabido que a curto prazo a cessação tabágica leva a melhorias substanciais nas funções cardiovascular e pulmonar. E que a longo prazo diminui consideravelmente o risco de doença pulmonar obstrutiva crónica e cancros relacionados com o tabagismo.
Investigações anteriores haviam já demonstrado de forma consistente que deixar de fumar traz benefícios para a saúde em qualquer idade. No entanto, nenhuma incluíra pessoas com mais de 65 anos.
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Os cientistas da UM descobriram agora que os benefícios a longo prazo não se limitam aos adultos jovens. Mesmo quem larga o tabaco aos 75 anos, após décadas seguidas a fumar, pode ver a sua esperança de vida aumentada, conclui este novo estudo, publicado no American Journal of Preventive Medicine.
“Queríamos mostrar que parar de fumar é benéfico em qualquer idade e fornecer um incentivo para que as pessoas mais velhas que fumam parem”, explicou, em comunicado, a autora principal da investigação, Thuy Le, do Departamento de Gestão e Políticas de Saúde da Escola de Saúde Pública da UM. “Vimos uma queda notável no tabagismo entre jovens adultos na última década, mas as taxas entre os adultos mais velhos que fumam permaneceram estagnadas. E nenhum estudo havia estabelecido quais são os benefícios de parar de fumar para eles.”
FAZER CONTAS À VIDA
Thuy Le tem-se dedicado a desenvolver modelos matemáticos para a investigação sobre cancro e tabaco. Desta vez, utilizou dados de saúde representativos a nível nacional, dos EUA, para realizar uma série de cálculos e estimar o número médio de anos perdidos devido ao tabagismo e os anos médios ganhos ao deixar-se de fumar, em várias idades.
Le e os colegas começaram por dividir os indivíduos entre os que nunca tinham fumado, os que fumavam naquele momento e os que haviam deixado de fumar. De seguida, estimaram a esperança de vida de cada grupo, separando os ex-fumadores conforme haviam largado o tabaco aos 35, 45, 55, 65 e 75 anos.
Comparando com quem nunca fumou, os cientistas estimam que os fumadores de 35 anos que mantiverem esse hábito até morrer perdem 9,1 anos, o que representa 23% da sua esperança de vida total. Os de 45 anos, arriscam-se a perder 8,3 anos. Os de 55 anos, terão menos 7,3 anos. Os de 65 anos, menos 5,9 anos. E os de 75 anos, menos 4,4 anos, ou seja quase 50% da esperança de vida nessa idade.
Porém, se uma pessoa deixar de fumar aos 35 anos, a redução da esperança de vida é de apenas 1,2 anos. Largando o hábito aos 45 anos, terá menos 2,7 anos de vida; aos 55 anos, menos 3,9 anos; aos 65 anos, menos 4,2 anos, e, aos 75 anos, menos 3,7 anos.
Olhando para o copo meio cheio, quem deixa o tabaco aos 35 anos tem mais 8 anos de esperança de vida do que quem fuma até morrer. Após essa idade, o ganho vai naturalmente diminuindo: aos 45 anos, são mais 5,6 anos; aos 55 anos, mais 3,4 anos; aos 65 anos, mais 1,7 anos; e, aos 75 anos, mais 0,7 anos.
“Como seria de esperar, os jovens são aqueles que mais beneficiam com a cessação tabágica”, lê-se no estudo. “Por exemplo, 52,8% dos indivíduos de 35 anos que deixam de fumar com essa idade ganham pelo menos 1 ano de esperança de vida e 36% ganham pelo menos 8 anos.”
O IMPACTO É RÁPIDO
Ainda assim, existem benefícios também para os mais velhos. Entre os que deixam de fumar aos 65 anos, 23,4% poderão ganhar pelo menos 1 ano de vida. E o mesmo acontece com 14,2% daqueles que largam o tabaco aos 75 anos.
“Embora os ganhos de parar de fumar em idades mais avançadas possam parecer baixos em valores absolutos, representam uma grande proporção da expectativa de vida restante de um indivíduo”, sublinhou Kenneth Warner, economista de formação e professor emérito na UM, que também participou neste estudo.
Embora os ganhos de parar de fumar em idades mais avançadas possam parecer baixos em valores absolutos, representam uma grande proporção da expectativa de vida restante de um indivíduo
Estes resultados são apoiados por uma análise recente de estudos observacionais, realizada por investigadores do Centro de Investigação em Saúde Global (CGRH) do Canadá e da UiT – Universidade Ártica da Noruega.
Prabhat Jha, fundador do CGRH, e os seus colegas concluíram que, se uma pessoa de qualquer idade deixar de fumar durante menos de três anos, pode potencialmente evitar a perda de cinco anos de vida. E, se conseguir não pegar num cigarro durante dez anos, poderá evitar uma década de vida perdida.
“Deixar de fumar é ridiculamente eficaz na redução do risco de morte e as pessoas podem colher essas recompensas de forma extremamente rápida”, disse, em fevereiro deste ano, Prabhat Jha. “Muitas pessoas pensam que é demasiado tarde para deixar de fumar, sobretudo na meia-idade. Mas nunca é demasiado tarde – o impacto é rápido e é possível reduzir o risco de doenças graves, o que significa uma qualidade de vida mais longa e melhor.”
Além de quantificar, por várias idades, as vantagens da cessação tabágica, e de cimentar a tese de que os mais velhos também podem beneficiar a longo prazo, o novo estudo liderado por Thuy Le conclui que deixar de fumar é a melhor coisa que as pessoas podem fazer para aumentar a sua esperança de vida.
Os seus resultados são, por isso, valiosos para os médicos que procuram provas científicas para motivar os seus pacientes a deixar de fumar. Mesmo aqueles que têm 65 anos ou mais.
Novo fármaco comparticipado
Portugal já tem dois medicamentos para ajudar a deixar de fumar
A partir deste mês de outubro, os fumadores passaram a ter mais um fármaco, para deixar de fumar, comparticipado pelo Serviço Nacional de Saúde. O novo medicamento, agora disponível, tem como substância ativa a citisiniclina e veio juntar-se a um genérico com a substância ativa vareniclina, também sujeito a receita médica e pago em parte pelo SNS.
Embora bastante mais caro (custa cerca de 60 euros por mês, enquanto o genérico ronda os 26 euros para o contribuinte normal e 20 euros para o pensionista), a chegada do novo fármaco foi aplaudida pela coordenadora da Comissão de Trabalho de Tabagismo, Sofia Ravara.
Ressalvando que a comparticipação de mais medicamentos é “uma excelente notícia”, a médica pneumologista no Hospital da Covilhã e professora na Universidade da Beira Interior defende que também seria importante a comparticipação dos substitutos de nicotina que “custam muito dinheiro”, lembra, como é o caso das pastilhas e dos adesivos com as formas orais de nicotina. E, de caminho, melhorar o acesso a consultas de cessação tabágica em todo o País.