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O grupo Stellantis, que controla 14 marcas de automóveis, como a Peugeot, Citroën, Fiat, Opel, Chrysler e Jeep, entre outras, enfrenta uma verdadeira tempestade de incertezas após a demissão de Carlos Tavares, o gestor que pegou na francesa PSA em 2014 e, em apenas dez anos, construiu o quarto maior grupo automóvel do mundo.

A demissão de Carlos Tavares aconteceu no passado domingo, 1, durante uma reunião da comissão executiva com os representantes dos acionistas. Segundo fontes ligadas ao processo, ambas as partes entraram em forte divergência quanto às estratégias da Stellantis, sobretudo no futuro da eletrificação.

Esta incerteza quanto ao futuro da Stellantis provou uma enorme instabilidade nas ações da empresa. No dia seguinte à tomada desta decisão, as ações da Stellantis caíram mais de 7% na Bolsa de Milão e mais de 6% na Bolsa de Paris, o que representou uma perda de valor da empresa da ordem dos 2,5 mil milhões de euros.

John Elkann ‒ neto do mítico empresário Gianni Agnelli e o líder da empresa que gere os negócios da poderosa família italiana ‒ foi um dos principais opositores da política de redução de custos que Carlos Tavares queria levar a cabo, como forma de mitigar a quebra da produção causada, em grande parte, pela grande concorrência chinesa no setor dos carros elétricos.

Paris O ex-líder da Stellantis recebe o presidente francês, Emmanuel Macron, no maior salão automóvel de França Foto: Xavier-Alexandre Pons

De maneira a conseguir ter carros mais baratos para competir com os chineses, Carlos Tavares tinha vindo a insistir numa política de corte de custos em muitas das fábricas do grupo. Em França, extinguiu mais de 600 postos de trabalho na fábrica de Mulhouse, unidade onde foram fabricados muitos dos modelos da Peugeot e Citroën. Além disso, tem vindo a transferir algumas linhas de montagem de França para países com mão de obra mais barata, como Marrocos ou Turquia.

Apesar destas mudanças não terem sido pacíficas, é em Itália que a situação se tem mostrado mais controversa. Neste país, os sindicatos têm feito uma forte pressão sobre o poder político acerca do possível encerramento de fábricas. Um dos melhores exemplos é Turim, cidade onde a família Agnelli criou a sua primeira fábrica de automóveis, há 125 anos. Ao longo dos anos, Turim ficou muito dependente desta indústria que, diretamente, dá emprego a mais de 60 mil pessoas. 

É, aliás, nesta cidade que fica o complexo de Mirafiori, a sede da Fiat e uma das suas mais icónicas fábricas. A unidade tem estado parada durante longos períodos e cerca de três mil trabalhadores estão de licença temporária com salário reduzido.

A estratégia defendida por Carlos Tavares, porém, pretendia ir ainda mais longe. Segundo o líder sindical italiano Ferdinando Uliano, a Stellantis estava a preparar o despedimento de mais de 12 mil funcionários das fábricas italianas, sendo Mirafiori uma das mais afetadas. Carlos Tavares já tinha defendido que “se uma marca não é rentável terá de ser encerrada”. Uma frase que mostra bem o pragmatismo do gestor português.

Quer tenha sido por interferência política ‒ o ministro da indústria italiano, Adolfo Urso, viu-se obrigado a reunir com os sindicatos e com os acionistas ‒ ou por pressão da família Agnelli, a Stellantis recuou, pelo menos no papel, tendo emitido um comunicado a dizer que não tinha intenção de fazer despedimentos coletivos nem de encerrar fábricas na sua totalidade.

Mas este terá sido um comunicado para acalmar os ânimos, pois Carlos Tavares pretendia levar a cabo a sua estratégia como forma de conseguir ter veículos mais baratos e, só assim, conseguir competir com os chineses. 

Com a recente demissão de Carlos Tavares, a função de CEO será agora assumida por John Elkann. “O processo de nomeação do novo CEO será conduzido por um comité especial do Conselho de Administração e o novo nome deverá ser anunciado durante o primeiro semestre de 2025. Durante este período de tempo, a comissão executiva será presidida por John Elkann”, diz o comunicado enviado pelo conselho de administração logo após a decisão de Carlos Tavares.

Instabilidade interna

“O êxito da Stellantis desde a sua criação tem sido baseado num perfeito alinhamento entre os acionistas de referência, o conselho de administração e o CEO. No entanto, nas últimas semanas, os pontos de vista têm vindo a divergir, o que levou a esta decisão”, salientou Henri de Castries, um dos administradores independentes do grupo.

Mas esta harmonia tem vindo a deteriorar-se. Em setembro deste ano, a Stellantis já tinha feito um comunicado aos acionistas para os alertar sobre a possibilidade de uma redução dos lucros no final de 2024. “A deterioração das condições do setor automóvel em todo o mundo refletem uma previsão de mercado para 2024 mais baixa do que o esperado no início do ano, enquanto a dinâmica competitiva se intensificou devido ao aumento da oferta da indústria, bem como ao aumento da concorrência chinesa”, anunciou a Stellantis num comunicado emitido em setembro.

Como justificação, a Stellantis disse que os problemas tinham por base, em grande parte, um pior desempenho das vendas no segundo semestre do ano na maioria das regiões do globo, nomeadamente nos EUA. Para atenuar o problema, a Stellantis iria reduzir o fornecimento para este país em 200 mil carros, como forma de “normalizar o stock”. Além disso, pretendia implementar uma política de descida dos preços ou criar incentivos à compra dos seus veículos para escoar os carros que encontravam nos concessionários. Ao todo, esta instabilidade poderia ter um impacto negativo da ordem dos 5 a 10 mil milhões de euros nos contas do grupo. Segundo fontes da empresa, citadas pelo The Guardian, este comunicado foi outro dos pontos de discórdia entre as duas partes. Carlos Tavares opôs-se à publicação de um comunicado tão severo, argumentando que a Stellantis poderia fazer cortes drásticos dos seus custos e, com isso, gerar dinheiro suficiente ao longo do resto do ano para minimizar os efeitos da queda das vendas. Segundo a mesma fonte, o conselho de administração defendeu que estes cortes poderiam fazer acumular problemas para o ano seguinte, e vetou a intenção do gestor.

Uma década de transformação

Carlos Tavares assumiu a liderança do Grupo PSA em 2014, depois de uma carreira na rival Renault, na qual tinha chegado a número dois na hierarquia de gestão. A PSA, que na altura tinha apenas as marcas Peugeot e Citroën, estava há vários anos a acumular prejuízos, o que obrigou o gestor português a implementar uma política agressiva de corte de custos e criar novas estratégias comerciais, levando a empresa aos lucros.

Para ganhar dimensão e beneficiar de efeitos de escala, avança para a compra da Opel, que apesar de ter passado por vários acionistas, já registava prejuízos consecutivos há cerca de 20 anos. Logo no primeiro ano sob a alçada da PSA, a Opel passa a ser lucrativa. Pelo meio criou ainda a DS, destacando uma referência da Citroën ‒ o icónico modelo DS ‒ para uma marca isolada como forma de entrar no segmento premium dos automóveis, onde as margens de lucro são mais elevadas.

Em 2021, toma uma das decisões mais arrojadas ao fundir a PSA com a FCA – Fiat Chrysler Automobiles, o que daria origem ao quarto maior fabricante mundial de automóveis do planeta, a Stellantis, com 14 marcas de carros. Esta operação criaria uma poupança anual de 5 mil milhões de euros em termos de energias, devido à partilha de tecnologia e plataformas.

Para a PSA, esta fusão era a possibilidade de ganhar escala e entrar em mercados onde não tinha qualquer representação como, por exemplo, os EUA, onde a FCA estava presente com as marcas Chrysler, Jeep e RAM. Para a Fiat, a fusão permitia-lhe ter acesso a tecnologia fundamental para a transição para a mobilidade elétrica, setor onde os italianos estavam muito atrás dos seus concorrentes.

Um ano após esta decisão, a Stellantis apresenta lucros de 16,8 mil milhões de euros, valor que no ano seguinte subiria para 18,6 mil milhões.

A saída de Carlos Tavares estava prevista para o final de 2026, altura em terminaria o atual mandato como CEO. Os diferentes pontos de vista para o futuro da empresa acabaram por antecipar a sua saída. O futuro dirá quem teria a política mais acertada. Em Portugal, a dúvida vai agora para Mangualde, onde o líder da Stellantis fez um forte investimento para começar a produzir os furgões elétricos. Segundo o grupo, a unidade portuguesa tem sido uma das que tem apresentado melhores desempenhos em todo o universo Stellantis.

Da PSA à Stellanti

Em dez anos, Carlos Tavares pegou num grupo de média dimensão, com apenas duas marcas, e criou o quarto maior construtor de automóveis do mundo

14 marcas de carros
Para além da Peugeot, Citroen, Opel, Chrysler e Fiat, a Stellantis tem ainda a Jeep, DS, Alfa Romeo, Dodge, RAM, Lancia, Maserati, Vauxhall e Abarth

€189 mil milhões
Faturação global da empresa em 2023, o que representou um crescimento de 6% face ao ano anterior. As previsões são bem mais baixas para 2024

€18,6 mil milhões
Os resultados líquidos do ano passado foram um novo recorde para a empresa automóvel. Em 2022, os lucros ascenderam aos 16,8 mil milhões de euros

6,4 milhões
Número de carros vendidos em todo o mundo pelas 14 marcas da Stellantis no ano passado. A Europa, com 2,7 milhões de unidades, representa mais de um terço das vendas totais do grupo

Palavras-chave:

Sobre a comunicação ao País de Luís Montenegro, já quase tudo foi dito, no que diz respeito ao conteúdo e à forma. O primeiro-ministro falou à hora dos telejornais para recordar um facto evidente e, de imediato, contribuir para alimentar a perceção contrária. “Portugal é um país seguro, Portugal é um dos países mais seguros do mundo, mas é preciso não viver à sombra da bananeira de uma performance passada”, afirmou Luís Montenegro, a partir de São Bento. 

Deixo de lado as questões da política de segurança, centro-me na escolha das palavras (um exercício que pode ser considerado trivial, concedo). E arrisco dizer que terá sido a primeira vez que um chefe de governo – não propriamente num ato solene, mas numa comunicação importante, porque inédita, desde logo – terá usado a expressão “à sombra da bananeira”. São só palavras – e palavras, como dizia o outro, leva-as o vento? São apenas palavras e, sobretudo, no tempo da escrita automática, do ChatGPT e da disseminação viral, as palavras não importam assim tanto?

Tanto importam que, em dezembro, ainda é costume eleger-se a palavra do ano. Não sei se, no atual ambiente mediático, acelerado pelas lógicas algorítmicas, a velha tradição jornalística de fazer balanços continua a suscitar grande interesse. Admito que sim, pelo menos junto dos leitores e das leitoras da VISÃO, para os quais ainda é capaz de fazer sentido abrandar o ritmo para ler e, em dezembro, refletir sobre a passagem inexorável do tempo. 

A Oxford University Press acaba de anunciar que, em 2024, a sua equipa de linguistas escolheu brain rot como a palavra do ano. Em português, a expressão quer dizer qualquer coisa como “podridão cerebral” e, segundo os especialistas da editora, a sua utilização aumentou 230% nos últimos meses, em particular no TikTok, entre os utilizadores da Geração Z e da Geração Alfa. Porém, o primeiro registo de brain rot foi encontrado, em 1854, no livro Walden, de Henry David Thoreau, a propósito da importância de levarmos uma vida simples, rodeados de natureza. Pergunta o escritor, crítico do rumo que então levava a industrialização americana: “Enquanto a Inglaterra se esforça por curar o apodrecimento das batatas, ninguém se esforçará por curar o apodrecimento do cérebro – que prevalece de forma muito mais generalizada e fácil?”

Os linguistas da Oxford University Press consideram que, na era digital, o termo brain rot ganha um novo significado. Aplicam-no aos impactos negativos do consumo excessivo de conteúdos online e definem-no como “a suposta deterioração do estado mental ou intelectual de uma pessoa”, resultado sobretudo do contacto com conteúdos “pouco desafiantes” e de “baixa qualidade”. No século XIX, Thoreau, por seu lado, criticava a tendência para desvalorizar ideias complexas e via nisto um sinal de um certo declínio cultural.  

Em 2023, a palavra escolhida pela Oxford University Press também estava associada às redes sociais: rizz, uma abreviatura de charisma (em português, “carisma”). A esse propósito, Casper Grathwohl, presidente da Oxford Languages, entende que, a partir desta eleição, é possível “ver a crescente preocupação da sociedade com a forma como as nossas vidas virtuais estão a evoluir, a forma como a cultura da internet está a permear muito daquilo que somos e do que falamos”. 

Entre nós, a Porto Editora também tem levado a cabo uma iniciativa semelhante. O processo de escolha é diferente: baseia-se nos meios de comunicação e nas redes sociais, mas também nas pesquisas dos dicionários online da Porto Editora. No caso português, as palavras eleitas relacionam-se menos com tendências e estão mais ligadas à atualidade. Ora veja-se a lista das vencedoras: esmiuçar (2009), vuvuzela (2010), austeridade (2011), entroikado (2012), bombeiro (2013), corrupção (2014), refugiado (2015), geringonça (2016), incêndios (2017), enfermeiro (2018), violência doméstica (2019), saudade (2020), vacina (2021), guerra (2022) e professor (2023). Para 2024, até ao fim do ano, estão a votos os seguintes termos: auricular, conflitos, fogos, imigração, inclusão, INEM, jovem, liberdade, polícia e transportes.

Também a The Economist já escolheu a palavra do ano, na sequência da vitória de Donald Trump: kakistocracy, ou seja, “o governo dos piores”. Como escreve o jornalista inglês, a expressão não era usada na Antiguidade, mas é um antónimo moderno de “aristocracia”, da ideia do “governo dos melhores”. Acrescenta ainda que kakistocracy tem a sonoridade do vidro quando se parte – o som das palavras vulgares e, muito provavelmente, o cheiro insuportável das batatas quando estão podres.

Breviário

Há quem queira ser europeu

Tem sido comovente ver as imagens das manifestações nas ruas de Tbilisi e de outras cidades da Geórgia, antiga república soviética que pretende seguir os passos da Moldova e da Ucrânia na aproximação à União Europeia (UE). Um verdadeiro exemplo, os milhares de georgianos que se opõem à decisão governamental de suspender as negociações de adesão e, contra as cargas policiais, orgulhosamente, erguem bandeiras da UE. E uma lição, sobretudo, para os cidadãos europeus que, no momento do voto, se têm refugiado nas respostas dos partidos nacionalistas. 

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Não sou daqueles que encontra nos portugueses qualquer género de excecionalismo. Claro que somos como todos os outros povos moldados pela nossa história, localização geográfica, riquezas ou pobrezas do nosso território e mais umas dezenas de et cetera. No entanto, não encontro, por exemplo, no meu povo características inatas ou históricas que o levem a apreciar mais a autoridade ou um salvador do que qualquer outro. Não há povo que em determinadas circunstâncias não tenha sentido o apelo por figuras de autoridade ou que tenha visto num qualquer indivíduo o prometido. O Sérgio Godinho tem razão: só neste país é que se diz só neste país.

No mesmo sentido, as circunstâncias não acontecem no vazio. Há sempre um conjunto de fatores que as propiciam. No entanto, há sempre um fator mais decisivo do que os outros. Tomemos o caso do almirante Gouveia e Melo.

Antes de ser designado responsável pelo plano de vacinação do Covid-19, ninguém sabia quem era o homem. Pergunte-se a qualquer cidadão quem é o chefe do Estado-Maior de qualquer ramo das Forças Armadas e a resposta será na sua esmagadoríssima maioria um “não faço ideia”. É, aliás, saudável que assim seja. Aos responsáveis pela defesa do País exige-se recato e discrição, são servidores públicos com tarefas delicadas, que têm de estar absolutamente afastados de qualquer tipo de jogo, seja político, mediático ou qualquer outro.

Com a campanha de vacinação tornou-se conhecido. Claro que conduziu bem o processo, mas convém lembrar que, num país onde a população acredita nas vacinas e o esquema regular da sua aplicação é dos melhores da Europa, era previsível que corresse bem.

A partir daí nunca mais saiu dos escaparates. O almirante não perdeu uma única oportunidade para se tornar popular e teve a ajuda de muita gente (a quantidade de entrevistas foi inacreditável), mas ficou claro que a dado momento se montou uma boa operação de promoção.

Desde o fim da pandemia, não houve semana sem notícias sobre os mais variados feitos de Gouveia e Melo (alguém se lembra de um chefe de Estado de Armada ser elogiado por apreensões de droga?), entrevistas, análises das suas características pessoais e um nunca acabar de encómios. Digamos que aquela conversa de que tinha uma missão (a vacinação) e que depois regressaria ao quartel não resistiu ao tempo.

Resumindo, a construção da imagem do almirante nada teve de fortuito, e tanto aqui como na Cochinchina, se se vender bem a imagem de alguém como eficiente, austero, probo e com capacidade de liderar, temos candidato a qualquer cargo político. E, claro, a campanha foi avançando sem que durante muito tempo ninguém questionasse um militar usar o cargo para se autopromover, sem debater o tal papel discreto que um membro das Forças Armadas tem de ter ou a evidente sobrevalorização do comum desempenho de um cargo militar.

Há, no entanto, o tal fator decisivo para a popularidade do almirante: não ser político. E o facto de isto ser o que faz a diferença não pode ser assacado nem ao almirante – apesar de se aproveitar dela. Também não há característica nenhuma tipicamente portuguesa contra os políticos, foi sim algo que teve o contributo de muita gente e que se foi edificando ao longo dos anos.

Há muitos responsáveis por a mais nobre atividade que há numa comunidade ter caído em desgraça. Sim, não há nada mais importante numa comunidade do que as pessoas que são responsáveis pelo bem comum.

Os primeiros a contribuir para o desprestígio da classe foram os próprios políticos.

Chegaria lembrar que o político que mais eleições venceu no Portugal democrático continua a renegar essa qualidade. A afirmação constante de Cavaco Silva deste contrassenso é uma excelente contribuição para todos os populismos. Mas há mais.

A forma como os próprios desmereceram a carreira, promovendo salários baixos para cargos fundamentais de interesse público, levou ao afastamento de muita gente de qualidade, mas é sobretudo atentatória à responsabilidade da tarefa. Depois, através duma insana quantidade de incompatibilidades, fez-se com que praticamente só seja possível à gente das Jotas e a professores aceder à carreira política, nomeadamente ser deputado. Pior, ir para ministro de um setor que se conhece representa sobretudo não se poder regressar durante muito tempo à carreira que se tinha.

Tudo isto foi feito pelos próprios políticos, mas sob o aplauso dos cidadãos. Sim, nós também temos feito a nossa parte, e de que maneira. Ajudamos a que seja impossível para uma pessoa que queira preservar o seu bom nome e a sua honra fazer um percurso político, ajudando os pasquins que têm como modelo de negócio difamar e insultar; fazemos generalizações sobre “os políticos”, confundindo o trigo com o joio; olhamos com nojo os partidos e associações cívicas, deixando-as entregues a quem se quer aproveitar delas e não as usar para o bem comum. 

Queremos alguém por não ser político diz muito do nosso amor pela democracia. Mas diz sobretudo muito sobre aquilo que fizemos para desprestigiar quem é essencial para o seu funcionamento. Gouveia e Melo agradece.

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Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.

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Nos últimos dias, as taxas de juro da dívida pública francesa atingiram máximos que não se registavam desde 2012, ultrapassando as da Grécia. Estes termos – Grécia, dívida pública, 2012 – são de má memória. Para a Europa e para nós. Acordam fantasmas chamados “troika”, “crise económica”, “alto desemprego”, “viver acima das possibilidades”, “cortes salariais na Função Pública”. Arrepios de um tempo em que se viveu mal por aqui, era Pedro Passos Coelho primeiro-ministro.

A “França não é a Grécia”, tem repetido o governo (e ainda haverá governo quando o leitor estiver a ler estas linhas? Já lá iremos). O facto é que o país de Emmanuel Macron está metido em apuros. A dívida pública deve aumentar de 112,7% para 117,1% do Produto Interno Bruto (enquanto a de Portugal se encontra agora nos 97,4% do PIB e sempre a descer; e a da Grécia está nos 153%) e o défice (lá vem ele, de novo) deverá fixar-se nos 6,1% este ano. Lembramos tão bem o máximo imposto pela União Europeia, 3% do PIB!

Vem aí “uma grande tempestade e uma turbulência muito grave nos mercados financeiros”, foi avisando o primeiro-ministro Michel Barnier, não se sabendo ainda se a frase nos deve assustar mesmo ou se faz parte da dramatização de quem quer ver o seu Orçamento do Estado aprovado.

O facto é que estas percentagens todas do PIB não são bonitas. E a crise política que se segue vem numa altura que não serve a Europa, como analisa a Reuters, quando diz que “um colapso do governo deixará um buraco no coração da Europa, com a Alemanha também em modo eleições, semanas antes de Donald Trump voltar a entrar na Casa Branca”.

Seja qual for o desfecho das moções de censura anunciadas na segunda-feira (e a VISÃO fecha a sua edição semanal à terça, estando as votações previstas para quarta), a turbulência atual da política francesa é só um culminar da forma insensata como Emmanuel Macron tem liderado o país.

Recordando: depois de perder as eleições europeias para a Frente Nacional de Marine Le Pen, Macron arrisca tudo ao dissolver a Assembleia Nacional e a convocar eleições legislativas antecipadas. Estaria confiante da jogada política, mas perdeu à grande, de novo. Na primeira volta, a 30 de junho, a Frente Nacional ganhou as eleições com 33,21% dos votos, seguindo-se a esquerda unida na Nova Frente Popular. A coligação que apoia Macron, o Ensemble, ficou-se pelo terceiro lugar.

Depois do susto, a segunda volta mudou as dinâmicas. A esquerda unida ganhou as eleições, o Ensemble ficou em segundo e a extrema-direita desceu para terceiro. A “despromoção” foi só aparente. Não tendo a Nova Frente Popular maioria dos assentos, Macron nomeou, há pouco mais de três meses, como primeiro-ministro, o conservador Michel Barnier, apesar de o seu partido, Os Republicanos, ter ficado em quarto lugar nas eleições, com apenas 5,4% dos votos. Na Assembleia Nacional, tem “governado” Marine Le Pen.

Só que a necessidade, ditada pelos mercados, de um Orçamento austero, com aumento de impostos e corte de despesa, para travar a dívida pública, fez a extrema-direita pensar duas vezes antes de aprovar e se associar às políticas de Macron. E, de novo, está a França nas mãos de Le Pen. Aconteça o que acontecer esta semana, com ou sem a perspetiva de novas eleições, uma coisa é certa: Emmanuel Macron é, sem dúvida, o grande protagonista do caos.

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A queda do Governo francês era esperada, mas foi um golpe duro para Macron e Barnier. A coligação negativa venceu na Assembleia. Resultado: a França mergulha novamente na instabilidade crónica dos últimos anos.

Barnier tinha o perfil. Era o “negociador do Brexit”, o homem da experiência e da maturidade. Mas isso não chega. A direita francesa sente o cheiro do poder e está pronta a ocupar o espaço. Macron, por sua vez, sai ainda mais enfraquecido, fragilizado, estonteado.

Isto é mau para a Europa. Pior para Portugal. Mas a política decide-se nas urnas. Se Macron não encontrar rapidamente uma solução sólida, o poder passará para a direita populista. E não há volta a dar.

O papel da esquerda

A gente que hoje se reclama de Esquerda tem de perceber que, no mundo globalizado e injusto em que vivemos, a Europa é a grande utopia do séc. XXI. Sem uma Europa unida e atuante não podemos resolver os problemas da paz, no nosso Continente, e dar um contributo sério para os resolver no Mundo, bem como os problemas ecológicos que hoje tanto nos afligem. Também sem uma Europa Política não poderemos conservar o nosso modelo social, nem seremos capazes de lutar, eficazmente, contra a criminalidade internacional organizada, introduzindo regras éticas indispensáveis na globalização, de forma a acabar com pobreza e com as grandes desigualdades que tanto afetam os Povos e as Nações. (29 de março de 2007)

Ser de Esquerda hoje, a meu ver, para um europeu, não é só ter um passado coerente, antifascista, anticolonialista, a favor dos Direitos Humanos e da igualdade entre homens e mulheres; é ser a favor de uma democracia económica e social (e não de uma “democracia liberal”); é lutar contra as desigualdades sociais; ser a favor de uma Europa Política e Social, capaz de ser solidária com todas as outras Regiões do Mundo onde se sofre; e a favor das grandes causas da defesa do Ambiente, dos Direitos Humanos e da igualdade de todos os seres humanos, independentemente do sexo, opção sexual, raça, religião ou condição social; é ser pelo primado da política sobre a economia, da ética, contra a mistura explosiva do negocismo e da política; é ser tolerante e aceitar o outro, como diferente de nós, partidário do multiculturalismo e da laicidade, ou seja, a favor da separação do Estado e das Igrejas; a favor de um sistema capaz de corrigir as desigualdades, de um Estado de direito, interveniente, mormente no campo da saúde, da justiça, do ensino, do conhecimento e do aproveitamento dos melhores. (11 de outubro de 2007)

Contra a banalizaçãoda política

É necessário reagir, apelando à razão, com objetividade e bom senso, recusando todos os fanatismos. No início do novo milénio, enquanto a memória das ditaduras do séc. XX, de sinal contrário – e dos seus horrores – permanece viva, saibamos defender os princípios que decorrem da Razão e da Ética. Recusemos a falsa ideologia neoliberal, o mito de que a “mão invisível” do mercado resolve tudo, o domínio do dinheiro e do sucesso – a qualquer preço – como valores supremos. Lutemos contra a banalização da Política e os políticos de marketing, feitos artificialmente como subprodutos vendáveis. Saibamos voltar aos valores da Liberdade, da Justiça e da Solidariedade. Para construir um mundo mais humano e melhor, a que aspiram, legitimamente, todos os Povos da Terra. (30 de janeiro de 2008)

Sistema neoliberal está podre

A crise rebentou, à vista de todos. O sistema neoliberal está podre. A economia de casino dos offshores e das roubalheiras só trouxe desastres e escândalos. É preciso mudá-la! Quanto mais depressa melhor. As últimas semanas têm sido arrasadoras para os que pensavam – e alguns ainda pensam – que era possível evitar a crise financeira mundial anunciada e a recessão para que caminham os EUA. Contudo, todos os sinais nos mostram que não é possível. A turbulência nas bolsas, nos EUA e no mundo inteiro, não obstante a queda da taxa de juros decretada, em desespero, pela Reserva Federal, e as medidas tomadas à pressa pelo Presidente Bush – um neoliberal extremista e ultraconservador obrigado, pela lógica dos acontecimentos, a recorrer aos ensinamentos de Keynes. Remédio tardio e de pouca dura. A Europa, não obstante as pressões políticas, não seguiu o passo da América. Fez bem, ao que julgo, em tomar as suas distâncias… Já não era sem tempo.

O principal é perceber-se que o neoliberalismo entrou em descrédito irremediável e a globalização selvagem, com as desigualdades a crescerem em flecha, dentro de cada Estado e entre os diversos Estados, tem de ser regulamentada, no plano mundial, pela ONU, se queremos fazer face aos desafios com que estamos confrontados. Se percebermos isso, rapidamente, na União Europeia – e agirmos em conformidade –, poderá então, a Europa, vir a ter um papel decisivo, a que aliás tem jus, no contexto das Nações. O essencial é, contudo, compreender que o sistema financeiro-económico em que temos vivido no Ocidente – e quisemos impor ao mundo – está esgotado e tem de mudar. Rapidamente. Os países emergentes estão atentos e têm cartas importantes a jogar… (31 de janeiro de 2008)

“A Justiça não funciona”

A crise da Justiça está aí, é uma evidência incontornável. Não pode deixar de preocupar os cidadãos responsáveis. A Justiça, em demasiados casos, não funciona, nomeadamente quando envolve políticos mediáticos ou desportistas igualmente mediáticos. Os juízes não se entendem com os procuradores e estes não se entendem com os responsáveis da Polícia Judiciária. Há a sensação de que disputam, entre si, para aparecerem nas televisões, como vedetas. Não resistem a responder a perguntas disparatadas ou mal-intencionadas e nem sempre o fazem com o bom senso que seria de esperar.

Assim sendo, perdem a distância – tão necessária à profissão que exercem – e desacreditam as magistraturas. Parece não perceberem que o silêncio é de ouro e a palavra, em certas circunstâncias, lhes é bastante inconveniente. O que contribui, com alguma frequência, para o descrédito da Justiça, nos espíritos dos telespectadores, que nas suas casas, num contexto diferente, os veem, escutam, avaliam. E não gostam…

Ora, o bom funcionamento da Justiça é essencial aos Estados de direito, como o nosso. Sem um Estado de direito eficaz e que mereça o respeito dos cidadãos não há Democracia. A questão é, portanto, muito séria e não pode ser ignorada pelos órgãos de soberania. (28 de maio de 2009)

Europa em risco

O Ocidente e a União Europeia (UE) em especial estão a atravessar um período muito difícil e perigoso, a caminho de poder deixar de ser o centro do mundo, como já tenho escrito. Por culpa própria, fraqueza dos seus atuais dirigentes, pela crise económico-financeira que não tem sabido dominar e, ainda, pelo progresso acelerado, em contraste com a Europa, dos países ditos emergentes, não só a China, a Índia e o Brasil, mas também a Rússia, o Japão e alguns outros.

A UE está perante um dilema, a que não pode fugir, mas que tem procurado ignorar: ou dá um passo em frente, reforçando a solidariedade entre os 27 Estados que a compõem, definindo uma estratégia comum, concertada, para atacar a crise, ou corre o risco de se desagregar. O que seria, a prazo, a morte do mais original e importante projeto de paz, de entendimento entre os Estados e de bem-estar para as populações de que o mundo tem experiência.

O euro está a ser atacado, por especuladores que só pensam no lucro. Mal ou bem, graças também às novas orientações e ajudas concedidas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) – dirigido, desde 2008, pelo inteligente e hábil Dominique Strauss-Kahn, neo-keynesiano e inovador – e, obviamente, pela ajuda da Europa, Portugal incluído, a Grécia tem possibilidades de se recompor. Mas há outras preocupações e outros países europeus em dificuldades, como a Espanha, a Irlanda e Portugal, não o esqueçamos.

É preciso reagir. Os europeus com consciência da importância da cidadania europeia devem reagir, pacífica e esclarecidamente. Os jovens da geração do Erasmus, que são europeístas, devem estar na ponta desse combate, tão decisivo para o seu próprio futuro. Apelo, pois, para a cidadania europeia, para que mulheres e homens de todos os países e de todas as idades pressionem os respetivos governos nacionais para mudarem de política e de modelo económico e social. Em democracia a voz dos cidadãos, desde que se faça ouvir, conta muito, porque os governantes sabem todos que dependem do voto, que é a arma da democracia. É dela que depende a legitimidade e o poder dos governantes… (22 de abril de 2010)

Putin é um homem perigoso

Putin quis ter um relacionamento privilegiado com a senhora Merkel, que era comunista quando estava na Alemanha de Leste. Contudo, os europeus obrigaram-na a estar com a Ucrânia, cortando a relação especial que tinha com o Presidente russo. No domingo, 10, a seguir à parada militar, houve em Moscovo uma homenagem ao soldado desconhecido. Ao lado de Putin, a senhora Merkel, pressionada pelos europeus, disse: “Foram a anexação criminosa da Crimeia e os confrontos militares no Leste da Ucrânia, que violam o Direito Internacional, que fizeram com que a cooperação tenha sofrido um sério revés…”

Sendo um homem difícil e hoje Presidente da Rússia, Putin tem o seu poder, que não é pequeno. Terá deixado de ser comunista, porque hoje, partidos comunistas, só há em raríssimos Estados, como em Portugal.

Putin sabe disso muito bem e é um homem voltado para o futuro e não para o passado. Mas a questão da Ucrânia criou-lhe um grande problema. E isso pode vir a ter consequências mais graves como a do assassínio de Boris Nemtsov, líder da Oposição russa, ocorrido em 27 de fevereiro deste ano. Veremos. Mas tudo leva a crer que Boris Nemtsov tinha provas da participação da Rússia no conflito do leste ucraniano.

Em conclusão, Vladimir Putin é um homem perigoso. Ou, como dizem os brasileiros, um homem astuto, perigoso e imprevisível. (14 de maio de 2015)

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