Mal se dá por ele, de tal maneira se encontra bem integrado na margem direita do rio, a poucos minutos de Peso da Régua. O Torel Quinta da Vacaria, numa das propriedades vinícolas mais antigas (1616) da região demarcada do Douro, é um exemplo de como um hotel de cinco estrelas pode dialogar com o seu passado histórico.  

O projeto de arquitetura do gabinete de Luís Miguel Oliveira manteve a casa branca original à entrada – onde viveu a avó de Armanda Passos: “Do Douro aprendi, desde pequena, a olhar para dois sítios: para o rio e para o céu”, escreveu a artista plástica –, acrescentando-lhe um edifício semienterrado em tom bordeaux, onde se encontra o núcleo principal do hotel.  

É neste edifício que ficam os 33 quartos e suítes (divididos pelas categorias Árvores e Frutos, Rio, Pássaros e Estados de Espírito), os dois restaurantes com a consultoria do chefe de cozinha Vítor Matos, o 16Legoas e o Schistó (ver caixa), o bar Barbus e o Calla Silent Wellness & Spa, que usa produtos biológicos da portuguesa Oliófora nos seus tratamentos e tem uma piscina interior com janela panorâmica sobre as vinhas e o rio.  

O Torel Quinta da Vacaria não é mais um hotel no Douro. Há um apelo ao silêncio e ao desligar do mundo exterior desde que se faz o check-in na belíssima sala com lareira, obras de arte da Galeria Filomena Soares e decoração irrepreensível de Joana Astolfi (trata-se do seu primeiro projeto no Douro). Para todos os espaços, dos quartos às áreas comuns, a arquiteta e designer escolheu mobiliário à base de madeira de carvalho ou nogueira e palhinha, mesclado com peças de origem portuguesa: cerâmica, cestaria e têxtil provenientes de lojas como Burel Factory, Depozito, Oficina Marques, Bordallo Pinheiro, A Vida Portuguesa ou Fabricaal.  

Lá fora, além dos terraços e da piscina exterior para os dias quentes, passeia-se entre as vinhas e os jardins da autoria do paisagista João Bicho, num silêncio apenas interrompido pelo comboio que ainda atravessa a quinta, propriedade do grupo português Marec.

Torel Quinta da Vacaria > Vilarinho dos Freires, Peso da Régua > T. 254 240 242 > a partir €295 

Comer e beber no hotel 

16Legoas O restaurante mais tradicional do hotel (aberto a não hóspedes) a cargo do chefe Vítor Gomes e com consultoria de Vítor Matos, aposta nos produtos locais e na cozinha tradicional. Arroz de robalo de anzol, lúcio do rio Douro e pá de cordeiro de leite são algumas das sugestões servidas com azeite e vinhos da quinta. 

Pá de cordeiro de leite. Foto: Lucília Monteiro

Schistó Abre em março este restaurante de fine dining do hotel, com assinatura do chefe de cozinha Vítor Matos (duas Estrelas Michelin no Antiqvvm, Porto, e uma Estrela no 2Monkeys, Lisboa). De terça a sábado ao jantar, terá um menu de dez momentos com produtos do Douro. 

Adega Quinta da Vacaria 1616 Construída de raiz pelo arquiteto Luís Miguel Oliveira e revestida a xisto, está aberta a visitas e provas de vinhos do Porto e DOC Douro.  T. 96 443 0091 > seg-dom 9h-18h > a partir €15     

Depois de uma campanha eleitoral dominada pelos temas da crise económica e do crescimento da imigração, Friedrich Merz, que conduziu a União Democrata-Cristã (CDU) ao triunfo nas urnas, não perdeu tempo a mudar o foco do seu discurso. Na proclamação de vitória, no domingo, 23, logo que foram conhecidos os resultados que lhe entregam a cadeira de chanceler, ele anunciou que, sob o comando do governo que pretende formar, “a prioridade absoluta” da Alemanha passa por um objetivo central: “Fortalecer a Europa o mais depressa possível para que, passo a passo, possamos realmente alcançar a independência em relação aos Estados Unidos da América.”

Essa declaração foi lida, de imediato, como uma mudança de paradigma na política alemã, que representa a maior alteração estratégica de Berlim desde a reunificação do país. E ganha ainda maior significado por ter sido proferida por um político que sempre se declarou um “atlantista” convicto e que na sua vida profissional, como advogado, trabalhou com e em grandes empresas norte-americanas. A diferença é que, entretanto, o poder também mudou em Washington e Merz sabe que a Alemanha tem uma responsabilidade acrescida como terceira maior economia mundial e como “motor” da União Europeia.

“Nunca pensei que teria de dizer algo assim na televisão, mas não me restava outra hipótese depois das declarações de Donald Trump na semana passada, em que se tornou evidente que o seu governo não se preocupa muito com o destino da Europa”, justificou o novo chanceler alemão, que promete acelerar as negociações com os sociais-democratas, de forma a conseguir formar uma coligação governamental num prazo mais rápido do que é habitual na política germânica, em que estes processos costumam prolongar-se por vários meses.

Sem tempo a perder

O sentimento de urgência enunciado por Merz foi rapidamente assimilado pelos restantes dirigentes do partido, após umas eleições em que a extrema-direita da AfD subiu ao segundo lugar, os sociais-democratas sofreram um revés histórico, os liberais desapareceram do Parlamento e a Esquerda, apesar de uma cisão, subiu alguns lugares. Os resultados indicaram que os eleitores jovens foram os responsáveis pelas subidas dos partidos dos extremos. E, em mais uma eleição, verificou-se um outro fenómeno cada vez mais corrente: as mulheres jovens votam mais à esquerda e os homens à direita.

Estes resultados, num contexto geopolítico absolutamente novo, fazem aumentar a responsabilidade sobre o novo governo, formado entre os dois partidos do centro, num país em que um terço dos eleitores depositou o seu voto nas organizações extremistas.

A tarefa de Friedrich Merz, numa Alemanha a caminho do seu terceiro ano consecutivo de recessão económica, é difícil e quase existencial para o futuro do sistema político. Ele precisa de restaurar a confiança na democracia liberal, numa época em que as autocracias começam a dominar o discurso político. E, como líder da maior economia do continente, tem de assumir o papel de maquinista da principal locomotiva europeia, a nível económico, militar e especialmente, também, no campo político. “Desde a reunificação da Alemanha, nenhum chanceler foi confrontado com uma tarefa tão monumental”, sintetizou, a propósito, em editorial, a revista Der Spiegel.

Grandes desafios

São muitos os desafios à espera de Friedrich Merz e da sua capacidade de conseguir formar uma aliança com os sociais-democratas que, de uma vez, termine com a imagem de indecisão e paralisia que marcou a era do seu antecessor, Olaf Scholz ‒ a qual ditou a sua queda.

Embora pareça existir união entre os dois principais partidos do centro para acelerar as reformas necessárias na economia alemã – cuja poderosa indústria está obrigada a transformar-se para não morrer ‒, a verdade é que, nas questões mais vitais e urgentes, vai ser preciso procurar entendimentos com outros partidos. Uma delas é a reforma do “travão da dívida”, uma regra orçamental que, na opinião de conservadores e socialistas, tem contribuído para a estagnação da economia alemã, por impedir maior investimento público. No entanto, isso exige uma revisão da Constituição, que só será possível com uma maioria de dois terços no Parlamento.

A verdade é que esta coligação surge como desejada pelos dois partidos, que, alternadamente, ao longo de décadas, têm exercido o poder. E a maioria dos vizinhos europeus espera que ela resulte, de forma a que a Alemanha assuma o protagonismo que lhe pertence, como país mais poderoso da União Europeia. “Estamos no início das negociações de coligação, com os sociais-democratas. E o que precisamos de fazer, como novo governo, é restaurar a confiança na Alemanha e também restaurar a confiança na nossa democracia”, afirmou David McAllister, dirigente democrata-cristão e presidente da Comissão de Negócios Estrangeiros do Parlamento Europeu. “A Alemanha é o maior país da União Europeia, a economia mais forte e, juntamente com a França e a Polónia, desempenha um papel crucial na Europa. E o que precisamos é de um governo alemão que seja capaz de tomar decisões, seja capaz de agir a nível nacional, europeu e internacional”, sublinhou. É esse o grande desafio de Friedrich Merz: modernizar a Alemanha e afirmar a voz da Europa, num mundo em rápida convulsão. Estará à altura?

Um país, dois dilemas

Após mais de três décadas de reunificação, a Alemanha ainda não conseguiu eliminar velhas divisões. E é no antigo leste comunista que agora cresce mais a extrema-direita

Maioria suficiente?
Os conservadores da CDU e os sociais-democratas do SPD conseguiram alcançar a maioria dos assentos no novo Parlamento alemão. No entanto, para decisões importantes, nomeadamente a mudança da Constituição, vão precisar de formar alianças, de modo a garantirem dois terços dos votos.

Zelensky vai a Washington meter-se na boca do lobo. Literalmente. Pensa que vai para uma coisa, mas sairá de lá com outra bem diferente. A ingenuidade não é do presidente ucraniano, mas de qualquer chefe de Estado ou de Governo que tenha de lidar com Trump. Especialmente com este Trump, ainda mais alucinado.

Zelensky acredita que obterá garantias de segurança em troca de minerais estratégicos e terras raras, mas isso não passa pela cabeça de Trump, que já garantiu não estar disposto a prestar esse apoio. Para ele, a Europa que se ponha a caminho.

Kiev também está convencida de que os EUA continuarão a fornecer ajuda militar sob a forma de doação. Mas essa hipótese nem passa pela cabeça do presidente americano que continua a distorcer os números da assistência já prestada à Ucrânia desde o início da guerra: “Foram 500 biliões de dólares e isso tem de ser pago”. Na verdade, foram apenas 124 biliões nos últimos três anos, um valor muito inferior ao que a Europa, tanto coletivamente como de forma unilateral, já entregou. Macron fez questão de o corrigir na Sala Oval.

Ou Zelensky tem algum compromisso secreto com Trump, garantindo que este não negociará um cessar-fogo e a paz numa posição de total fraqueza, ou arrisca-se a ser humilhado pelo presidente americano, que tem da Ucrânia e da guerra uma visão pouco abonatória e até desprestigiante. O grande Trump (em físico) não quer saber do pequeno Zelensky. E isso diz tudo.

Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.

Michelle Trachtenberg morreu esta quarta-feira, aos 39 anos, por causas ainda por revelar. A informação foi confirmada pela polícia à cadeia de televisão americana ABC News, que avança que as autoridades descartaram já a hipótese de crime.

A atriz passou recentemente por um transplante de fígado.

Alguma imprensa norte-americana noticia que o corpo foi encontrado no seu apartamento em Nova Iorque, pela polícia, que terá sido chamada ao local, deparando-se com uma “mulher insconsciente”.

Trachtenberg começou a carreira ainda na infância, mas a fama chegaria com a participação em várias produções de sucesso dos anos 2000, como a série “Buffy: A Caçadora de Vampiros”, em que interpretou Dawn Summers, irmã de Buffy. Uma das personagens mais importantes da sua carreira foi Georgina Sparks, na série “Gossip Girl”.

No cinema, destaca-se o seu papel em “Sonhos no Gelo”, da Disney, com Joan Cusack e Kim Cattrall.

1 – CUIDEM DA “CASA COMUM

Publicada logo em 2015, a encíclica Laudato Sí’ deu o tom sobre o modo como Francisco queria ser ouvido, ir para lá dos muros do Vaticano. Tentava compreender o mundo, estava alinhado com a Ciência e com o melhor conhecimento: as alterações climáticas são provocadas pela ação humana, advogou. A Igreja Católica entrava assim no debate contemporâneo, nos temas do ambiente, do desenvolvimento e da sustentabilidade. “O urgente desafio de proteger a nossa casa comum inclui a preocupação de unir toda a família humana na busca de um desenvolvimento sustentável e integral, pois sabemos que as coisas podem mudar. O Criador não nos abandona, nunca recua no seu projeto de amor, nem Se arrepende de nos ter criado. A Humanidade possui ainda a capacidade de colaborar na construção da nossa casa comum”, escreve Francisco na Laudato Sí’. E continua: “Os jovens exigem de nós uma mudança; interrogam-se como se pode pretender construir um futuro melhor, sem pensar na crise do meio ambiente e nos sofrimentos dos excluídos.” 

Esperança Na Praça de São Pedro, em Roma, fiéis rezam e aguardam notícias sobre o estado de saúde do Papa Francisco Foto: LUSA

Na encíclica, o Papa foi ainda mais longe ao identificar as razões que conduziram ao atual paradigma de desenvolvimento, “o paradigma tecnoeconómico”, promotor do consumo, do desperdício e da sobre-exploração dos recursos naturais. Defendia ainda uma “ecologia integral”, para a qual são necessários pequenos gestos do quotidiano que nos “libertam da lógica da violência, da exploração e do egoísmo”. No entender de Filipe Duarte Santos, antigo professor na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, “o que mais perturbou os meios dominantes do atual paradigma tecnoeconómico foi o Papa desacreditar a solução do comércio de emissões em que se criam ‘créditos de carbono’, porque ‘não permite a solução radical que as atuais circunstâncias requerem’”. “Não há ambiguidade na mensagem do Papa relativamente àquilo que refere como o atual paradigma tecnoeconómico sem nunca mencionar a palavra capitalismo na encíclica. Porém, não restam dúvidas de que se trata do capitalismo liberal das décadas recentes”, argumentou, então, Filipe Duarte Santos num artigo do jornal Público.

Em outubro de 2023, o Papa voltou a insistir no assunto. Foi publicada uma nova exortação apostólica, intitulada Laudate Deum, que o próprio Jorge Bergoglio disse ser a segunda parte da Laudato Si’. Nesse texto, lançado dois meses antes da COP28, no Dubai, o Papa apelou à responsabilidade perante a emergência climática. O mundo, alertava, está a “desmoronar-se”, “aproxima-se de um ponto de rutura”. E termina o documento de forma lapidar, sem contemplações: “Laudate Deum é o título desta carta. Porque um ser humano que pretenda tomar o lugar de Deus torna-se o pior perigo para si mesmo.”

2 – ESTEJAM PRÓXIMOS DAS PESSOAS

Carisma é sempre um conceito difícil de definir. Também é verdade que, deste ponto de vista, sucedendo a Bento XVI ‒ o “Papa intelectual” ‒, Francisco tinha a vida facilitada. Não se aconselham as generalizações, mas no caso concreto elas ajudam a explicar “o efeito Francisco”: além de ter sido o primeiro Papa proveniente da América Latina, também foi o primeiro jesuíta a ocupar a cadeira de Pedro no Vaticano. Logo no princípio do papado, em julho 2013, na Jornada Mundial da Juventude que se realizou no Rio de Janeiro, Jorge Bergoglio teve uma enchente digna de uma estrela do rock: 3,7 milhões de jovens reuniram-se na Praia de Copacabana para o ouvir. E ele, não perdendo a oportunidade, exortou-os: “Ide, sem medo, para servir.”

Com as devidas diferenças de escala, o mesmo voltou a acontecer dez anos depois, na Jornada Mundial da Juventude de Lisboa, em 2023. Mal chegou a Portugal, Francisco responsabilizou a hierarquia eclesiástica por fomentar a “aversão” e a “desilusão” com a religião e fez questão de se reunir com vítimas de abusos sexuais. Depois, ao longo dos dias, privilegiou o improviso e dispensou os discursos previamente escritos. Foi claro, direto, alegre e divertido. Na vigília junto ao Tejo, proferiu uma frase difícil de esquecer: “Só é lícito olhar uma pessoa de cima para baixo para a ajudar a levantar-se.”    

Foto: José Carlos Carvalho

O professor Paulo Mendes Pinto resume esta postura do Papa à palavra “empatia”. “A forma de se relacionar com os outros, que se expressa com um carinho muito grande, quer se trate de católicos ou de não católicos”, diz o coordenador da área de Ciências das Religiões da Universidade Lusófona, sublinhando em particular os “não católicos”. Também Inês Espada Vieira, professora da Universidade Católica Portuguesa e presidente do Centro de Reflexão Cristã, comenta o facto de Francisco ter tentado “construir aos poucos uma maneira renovada de olhar para os temas de sempre”. Recorda uma frase de Frei Bento Domingues que, no seu entender, sintetiza o legado do pontífice argentino: “Nada de novo, tudo novo.” E justifica: “Não há ‘nada de novo’ porque tudo o que o Papa fez foi a partir do Evangelho e do Concílio, mas por outro lado há uma forma de renovação dos gestos, da esperança, de uma coragem cristã que leva à ação.” 

3 – OUÇAM AS COMUNIDADES

Convocado pelo Papa Francisco, o Sínodo dos Bispos decorreu entre outubro de 2023 (a primeira assembleia) e outubro de 2024 (a segunda assembleia). A designação manteve-se, mas na verdade a reunião (a palavra ‒ sínodo ‒ tem origem no grego e significa “caminhar juntos”) deixou de integrar apenas bispos ‒ e isso, em si mesmo, já constituiu uma novidade. Contou, por exemplo, com a participação de mulheres como a suíça Helena Jeppesen-Spuhler, especialista em direitos humanos, e a teóloga espanhola Cristina Inogés Sanz, que não só proferiu a conferência de abertura como teve direito de voto.

Na altura, o secretário-geral do Sínodo, o cardeal Mario Grech, conhecido pelas suas posições progressistas, justificou: “A participação dos novos membros não só assegura o diálogo que existe entre a profecia do povo de Deus e o discernimento dos pastores mas assegura também a memória.” As expetativas em relação ao processo sinodal de Francisco eram de tal maneira altas que houve quem o comparasse ao Concílio Vaticano II, promovido por João XXIII. E não era para menos: o primeiro documento em debate falava, de forma explícita, em alguns temas considerados críticos para a Igreja Católica, como os abusos sexuais e as pessoas LGBTI. Mais tarde, as opiniões dos participantes dividiram-se, nomeadamente, no que diz respeito à questão do papel das mulheres. O documento final acabou por ser mais cauteloso: “Não há nenhuma razão para que as mulheres não assumam papéis de liderança na Igreja: o que vem do Espírito Santo não pode ser impedido. A questão do acesso das mulheres ao ministério diaconal também permanece em aberto. É necessário um maior discernimento a este respeito.” 

Foto: LUSA

O texto regressou depois às comunidades, a quem na prática compete a sua implementação. No total, integra 155 pontos e é composto por cinco partes: O coração da sinodalidade, Juntos, na barca, Lançar a rede, Uma pesca abundante e Também eu vos envio. Como quase sempre acontece nas revoluções em curso, houve alguns recuos, mas até os católicos mais desiludidos reconhecem que há caminhos que não voltam para trás. Para Juan Ambrósio, professor da Faculdade de Teologia da Universidade Católica, a ideia de ouvir as comunidades não terá retrocesso: “O Papa impôs a ideia de uma Igreja que se renova a partir daqueles a quem ela é enviada.”     

4 – NÃO TENHAM MEDO DE MUDAR

Frei Bento Domingues também é dos que equiparam a figura de Francisco a João XXIII, o Papa que convocou o Concílio Vaticano II, o maior acontecimento da Igreja Católica do século XX. “Os excluídos passaram a ter uma pátria na Igreja. E esta, para mim, é a grande renovação. Além de que permitiu que a população cristã pudesse exprimir-se nas paróquias, em grupos que se formassem, com a toda a liberdade”, dizia o dominicano, em 2013, em entrevista à VISÃO.

Atualmente, a maioria dos cardeais com poder de voto no Colégio Cardinalício foi escolhido por Francisco. Em dezembro de 2024, o Papa elevou a cardeal prelados provenientes de dioceses remotas ‒ as tais “periferias” de que sempre falou. Rompeu com a prática de destacar bispos de grandes dioceses, escolhendo, por exemplo, figuras provenientes de Teerão (Dominique Joseph Mathieu), Argel (Jean-Paul Vesco), Tóquio (Tarcisius Isao Kikuchi) e Abidjan (Ignace Bessi Dogbo). Só neste último consistório ordinário foram criados 21 novos cardeais, sendo que apenas um não é eleitor (o italiano Angelo Acerbi, que atinge os 100 anos em setembro próximo). 

O arcebispo de La Plata, Víctor Manuel Fernández, manteve-se como homem de confiança de Francisco, que o escolheu para prefeito do dicastério mais importante, o Dicastério para a Doutrina da Fé. Mas a presença das mulheres aumentou de forma significativa. Segundo dados que se referem à Santa Sé e ao Estado da Cidade do Vaticano, citados pelo Vaticano News, de 2013 para 2023, a percentagem de mulheres aumentou de 19,2% para 23,4 por cento. No princípio de 2025, pela primeira vez na história da Igreja, o Papa nomeou uma mulher para dirigir um dicastério: a irmã Simona Brambilla assumiu o cargo de prefeita do Dicastério para a Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica. A posição era, até agora, reservada a cardeais e arcebispos. Na opinião de Elisabeta Piqué, jornalista argentina e correspondente no Vaticano, isto “é algo que nunca aconteceu antes”. “Era impensável, há dez ou há 100 anos, que houvesse uma mulher prefeita na Cúria Romana”, afirmou, recentemente, em entrevista à agência Ecclesia. Em 2022, também a irmã Raffaella Petrini foi nomeada para secretária-geral do Governatorato e, já em janeiro de 2025, para presidente (com efeitos a partir do próximo dia 1 de março).

5 – ESCUTEM OS VOSSOS IRMÃOS MUÇULMANOS

Em matéria de diálogo inter-religioso, há um documento que marca o pontificado de Francisco. Intitula-se A Fraternidade Humana em prol da paz mundial e da convivência comum e foi assinado em Abu Dhabi, a 4 de fevereiro de 2019 (entretanto, o dia foi instituído pelas Nações Unidas como o Dia Internacional da Fraternidade Humana). O texto original fala numa “terceira guerra mundial aos pedaços”: “A história afirma que o extremismo religioso e nacional e a intolerância geraram no mundo, quer no Ocidente quer no Oriente, aquilo que se poderia chamar os sinais duma ‘terceira guerra mundial aos pedaços’; sinais que, em várias partes do mundo e diferentes condições trágicas, começaram a mostrar o seu rosto cruel; situações de que não se sabe exatamente quantas vítimas, viúvas e órfãos produziram.” 

Não se trata propriamente de um documento paradigmático, antes surge na sequência de uma linha do tempo iniciada pelo Concílio Vaticano II, pela Oração pela Paz de João Paulo II e, depois, prosseguida por Bento XVI, na exortação apostólica Ecclesia in Medio Oriente (2012). “O Papa Francisco tem jeito e talento para restabelecer relações humanas, mas os critérios e a dinâmica desse documento já vêm detrás”, resume Peter Stilwell, antigo vice-reitor da Universidade Católica Portuguesa e atual responsável pelas relações ecuménicas e diálogo inter-religioso do Patriarcado de Lisboa. 

Foto: LUSA

No diálogo com o Islão, porém, existe outro momento recente importante. Em setembro de 2024, o Papa visitou a Indonésia, na mesma altura em que também esteve em Timor-Leste. Entrou na Istiqlal, a maior mesquita do Sudoeste Asiático, e ainda num túnel subterrâneo que liga o interior da mesquita à catedral católica de Nossa Senhora da Assunção. Chamam-lhe o Túnel da Amizade em homenagem à convivência religiosa. Na ocasião, Francisco apelou à fraternidade entre as pessoas de diferentes religiões e culturas. “Anunciar o Evangelho não significa impor a nossa fé ou colocá-la em oposição à dos outros, mas dar e partilhar a alegria do encontro com Cristo sempre com muito respeito e carinho fraterno por todos”, disse. 

Peter Stilwell destaca igualmente este discurso de Jacarta por ser exemplificativo do diálogo advogado por Francisco. “Se formos pelas linhas das doutrinas, cada um tem as suas tradições e os seus rituais, não há diálogo. Este só é possível em torno de três ideias que constituem o chão comum entre as religiões: a dignidade humana, a procura do divino e a defesa dos mais frágeis”, justifica Stilwell.

6 – ACOLHAM “TODOS, TODOS, TODOS”

Na questão dos abusos sexuais na Igreja Católica, Francisco foi duríssimo. “Tolerância zero”, profetizou, ao mesmo tempo que defendeu indemnizações e compensações financeiras. Porém, tal como no diálogo inter-religioso, também nesta questão é justo que se diga que desenvolveu o caminho iniciado pelo seu antecessor, Bento XVI. Jorge Bergoglio teve a coragem, isso sim, de falar com os jovens sobre sexualidade e amor. Assim como de abrir alguns dossiers-tabu: celibato, papel das mulheres, homossexuais, divorciados… Perante uma Igreja empedernida e uma cúria bafienta, foi “um Papa sem medo”, nota Anselmo Borges, professor de Filosofia na Universidade de Coimbra.

Foi em Lisboa, por ocasião da Jornada Mundial da Juventude, que mandou o discurso que tinha escrito às urtigas, evitou as partes mais entediantes e afirmou: “Quando [Jesus] manda os apóstolos chamar para o banquete daquele senhor que o preparara, diz: ‘Ide e trazei todos’, jovens e idosos, sãos, doentes, justos e pecadores. Todos, todos, todos! Na Igreja, há lugar para todos. ‘Padre, mas para mim que sou um desgraçado, que sou uma desgraçada, também há lugar?’ Há espaço para todos! Todos juntos…” Aos jovens de todo o mundo que enchiam o relvado do Parque Eduardo VII pediu que repetissem um slogan em uníssono: “Peço a cada um que, na própria língua, repita comigo: ‘Todos, todos, todos’. Não se ouve; outra vez! ‘Todos, todos, todos’.”  

Lampedusa Na primeira viagem que realizou, foi ao encontro dos migrantes que tinham acabado de atravessar o Mediterrâneo Foto: LUSA

No final de 2023, o Dicastério para a Doutrina da Fé publicou também uma nova declaração doutrinária segundo a qual os padres podem conceder bênçãos “espontâneas” a casais homossexuais. Juan Ambrósio lembra, no entanto, que estas mudanças não tiveram “tradução evidente no direito canónico” durante o pontificado de Francisco. “Ainda não se mexeu nesse setor porque, já se sabe, vai provocar tensões enormes”, argumenta o professor na Universidade Católica. E continua: “Francisco não é um teólogo encartado. Não entrou no debate puro e duro, na formulação escrita dos temas. Preferiu a prática e a ação.”  

Na autobiografia que acaba de lançar (ver caixa), Francisco recorda a primeira vez que um grupo de transexuais foi ao Vaticano. “São filhas de Deus! Podem receber o batismo nas mesmas condições dos outros fiéis e nas mesmas condições dos outros, podem ser aceites na função de padrinho ou madrinha, bem como ser testemunhas de um casamento. Nenhuma lei do direito canónico o proíbe”, argumentou, provocando o choque entre os mais conservadores. Assumiu as resistências dentro da Igreja e defendeu divorciados e homossexuais: “Na Igreja, são todos convidados, mesmo as pessoas divorciadas, mesmas as pessoas homossexuais, mesmo as pessoas transexuais. Se o Senhor diz todos, quem sou eu para excluir alguém?” Lembre-se também o que escreveu Francisco na encíclica Fratelli Tutti, publicada durante a pandemia: “Ninguém se salva sozinho, só é possível salva-nos juntos.”

7 – COMBATAM “A ECONOMIA QUE MATA”

Francisco também faz a diferença, num mundo onde os líderes, políticos ou religiosos, costumam acautelar o discurso e medir bem o alcance das palavras. É por isso que, no meio de tantas guerras e tensões, desde que há duas semanas o Papa foi internado no Hospital Gemelli, em Roma, persiste a sensação de uma voz em falta. Ainda assim, há notícias que dão conta de que o Papa, apesar da fragilidade em que se encontra, tem telefonado para a paróquia de Gaza com regularidade. “Crentes e não crentes sentem necessidade de vozes lúcidas, capazes de abrir caminhos de esperança”, sustenta o teólogo Juan Ambrósio. “O Papa tem uma presença ativa na geopolítica internacional”, contrapõe, por sua vez, Anselmo Borges. Paulo Mendes Pinto diz ainda que Francisco tem “causas muito atuais”: “Transformou-se na caixa de ressonância do Ocidente.”

Logo em 2013, foi publicado um documento que acabou por ser uma espécie de programa oficial do papado de Francisco: na exortação apostólica Evangelii Gaudium (A Alegria do Evangelho), Bergoglio referiu-se, pela primeira vez, à ideia da “economia que mata”. Foi assertivo na denúncia do “fetichismo do dinheiro” e da “ditadura de uma economia sem rosto”: “Tal como o mandamento ‘Não matarás’ impõe um limite claro para defender o valor da vida humana, hoje também temos de dizer ‘Tu não’ a uma economia de exclusão e desigualdade. Esta economia mata.”  

Parque Tejo “Só é lícito olhar uma pessoa de cima para baixo para a ajudar a levantar-se”, disse Francisco, na vigília, na Jornada Mundial da Juventude, em Lisboa Foto: José Carlos Carvalho

Também no princípio, a 8 de julho de 2013, o Papa surpreendeu ao deslocar-se à ilha de Lampedusa, no Sul de Itália, para se encontrar com os migrantes que tinham conseguido atravessar o Mediterrâneo. Foi a primeira viagem do seu pontificado e, se quisermos encontrar coincidências felizes, de certa maneira, essa viagem “rima” com uma das suas últimas iniciativas, antes de ser internado. Três dias antes de entrar no hospital, o Papa não poupou o programa de deportações em massa do Presidente Trump. Escreveu uma carta aos bispos católicos dos EUA e chamou a atenção para o sofrimento imposto a migrantes e refugiados. “Tenho acompanhado de perto a grande crise que está a acontecer nos EUA, com o início de um programa de deportações em massa. A consciência retamente formada não pode deixar de fazer um juízo crítico e de manifestar o seu desacordo com qualquer medida que identifique, tácita ou explicitamente, o estatuto ilegal de alguns migrantes com a criminalidade”, declarou. 

Nessa missiva, o Papa também pediu que se rejeitem as “narrativas que discriminam e causam sofrimentos desnecessários aos nossos irmãos e irmãs migrantes e refugiados” e apelou ao “rigoroso respeito pelos direitos de todos”, argumentando que uma política que regule a migração “ordenada e legal” não pode ser feita “com o privilégio de uns e o sacrifício de outros”. E sentenciou: “O que se constrói com base na força, e não na verdade sobre a igual dignidade de cada ser humano, começa mal e acabará mal.” Como os católicos costumam dizer, enquanto há vida, há esperança. Por isso, para todos os efeitos, Francisco ainda é uma referência viva ‒ para os crentes e, graças à sua arte de chegar aos outros, também para os não crentes. Mais tarde ou mais cedo, contudo, vai fazer falta no mundo que se avizinha.

Num filme famoso – e escandaloso – do início dos anos 1960, o realizador Pietro Germi conseguiu sintetizar, numa hilariante sátira, o machismo ridículo que vigorava então nos países do Sul da Europa. A comédia, intitulada Divórcio à Italiana, contava a história de um decadente aristocrata siciliano, interpretado pelo inesquecível Marcello Mastroianni, que, ao apaixonar-se por uma prima mais jovem, durante umas férias de verão, procura um estratagema para se livrar da mulher com quem era casado – no tempo em que o divórcio era proibido em Itália. Elabora, para isso, um plano que pensa ser infalível: arranjar um amante para a mulher e apanhar os dois em “flagrante delito”. Em seguida, simulando um “ataque de fúria”, poderia aniquilá-los, ciente de que, nessa época, os homicídios por “honra” eram perdoados pela justiça e aceites pela sociedade.

A sátira à autoridade omnipresente da Igreja Católica e aos “bons costumes”, que tornavam socialmente mais admissível matar o cônjuge do que aceitar o divórcio, era uma “carga” demasiado pesada para os censores do Portugal salazarista. Por isso, aqui, o filme só foi exibido muitos anos depois, após o 25 de Abril, apesar do êxito internacional que obteve, tendo inclusive conquistado o Oscar de Melhor Argumento Original, além de outros prémios em diversos festivais.

Salvaguardadas as devidas distâncias, estamos agora a assistir a uma espécie de remake ao vivo de algo semelhante nas relações internacionais, com muitas alianças a desmoronarem-se, sem que o divórcio seja declarado. E sem que faltem, nalguns casos, até algumas ameaças de assassínio, sempre justificadas por questões de honra ou de interesse próprio.

Após décadas de casamento, com muitas celebrações pelo meio, a Europa e os Estados Unidos da América estão, desde o regresso de Donald Trump à Casa Branca, numa separação de facto. As diferenças entre os dois são cada vez mais acentuadas, há desacordo em quase tudo e, na verdade, já não têm o mesmo interesse em continuar juntos.

Donald Trump, como Marcello Mastroianni no filme, já só pensa em arranjar formas de poder livrar-se dos antigos aliados europeus. Seja através de ameaças de invasão da Gronelândia, administrada pela Dinamarca, do anúncio de novas tarifas para enfraquecer a economia ou patrocinando os radicais e extremistas que querem destruir a União Europeia por dentro. E já nem sequer esconde o seu desejo antigo por um relacionamento mais permanente e estável com Vladimir Putin, que representa a maior ameaça à paz europeia.

O romance entre os dois já é assumido e visível para o mundo. Prova disso foi dada esta semana na Assembleia Geral das Nações Unidas, quando, pela primeira vez, os representantes de Moscovo e de Washington estiveram do mesmo lado, contra a maioria, na recusa em condenar a Rússia pela invasão da Ucrânia.

Os factos são já mais do que evidentes. A Europa não pode, então, continuar a iludir-se com a aliança e a proteção dos EUA. Precisa de quebrar a relação de décadas de dependência e assumir o divórcio. E deve fazê-lo sem planos maquiavélicos nem subterfúgios, mas antes com frontalidade – a única maneira que tem de ganhar força perante o resto do mundo.

Só há uma forma de o fazer: com uma liderança inequívoca e a firmeza de convicções que nortearam a criação do projeto europeu. Uma convicção assente num Estado social forte e solidário, na defesa da democracia e da liberdade, no respeito escrupuloso pelos direitos humanos e numa ideia de progresso para todos os cidadãos, sem exceções.

Neste processo, ninguém pode dizer que foi apanhado de surpresa. Tudo o que Trump está a fazer é exatamente o que tinha prometido. Não adianta, por isso, continuar a tentar adiar o divórcio cada vez mais próximo e inevitável. Está na hora de começar a fazer as partilhas, como avisou o próximo chanceler alemão, Friedrich Merz, ao assumir que a sua “prioridade absoluta” é garantir “a independência em relação aos EUA”. E, neste caso, é melhor um divórcio litigioso do que continuar a perpetuar crimes justificados pela “honra”.

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Hoje, seria necessário entrar num filme de recriação histórica para entender a importância de uma lei publicada há precisamente 50 ano. As palavras são poucas para fazer sentir aos mais novos como era Portugal nos anos 70. Nada era como hoje. O futuro do País vivia-se na rua, os partidos ensaiavam estratégias e procuravam a sua identidade, os políticos tentavam aprender como governar um país. Uma lei ajudou a mudar tudo. E mostrou como o essencial ainda não estava salvaguardado na legislação.

O País estava a sair de um regime de 48 anos que se sustentava na repressão e que mantinha intensa barragem de fogo sobre a informação, impedindo que a realidade, de dentro e de fora de Portugal, fosse conhecida. Era proibido contar, era proibido saber, era proibido discutir. Até a Coca-Cola estava proscrita.

Daí a importância de recordarmos e celebrarmos a legislação modestamente designada por Decreto-Lei 85-C/75, de 26 de fevereiro de 1975. Viria, porém, a ficar conhecida pela mais digna designação de Lei de Imprensa. Passados 50 anos e um dia, vivemos uma época em que a informação e o jornalismo voltam a ter imperiosa necessidade de se repensar. Já lá iremos.

Defendidos pelos capitães de Abril e consagrados no programa do MFA, o fim da censura e a consagração das liberdade de expressão e de informação mudaram por completo os cenários que se acreditava serem reais no 25 de Abril.   

Logo no Dia da Liberdade, a comunicação social libertou-se do espartilho, mas foi o tal decreto 85-C/75 que viria a consagrar os direitos repostos pelo movimento militar e pelas reações que desencadeou.

O Verão Quente de 1975 ainda estava por chegar quando foi publicado o diploma que, logo no artigo primeiro, estipulava a liberdade de acesso às fontes de informação, garantia o sigilo profissional e assegurava a liberdade de publicação e difusão. Mais: defendia as liberdades de empresa, a de concorrência e garantia a “independência do jornalista profissional e da sua participação na orientação da publicação jornalística.”  Quem não viveu nos tempos do Estado Novo dificilmente entenderá porque era tão importante fixar na lei conceitos que já eram seguidos em quase todo o mundo moderno. Mas foi.

A Lei de Imprensa não se ficou pela garantia dos direitos básicos. Criou o Estatuto de Jornalista e deu-lhes garantias de independência, ao ponto de estipular o direito a despedirem-se e serem indemnizados se houvesse “uma alteração profunda na linha de orientação de um periódico”.

O que ajuizaria esta “alteração” era o Conselho de Imprensa. Este órgão, um parente muito, muito, muito afastado da atual Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), viria a ter primordial importância no âmbito da regulação da Comunicação Social. Presidido por um magistrado, tinha representantes do MFA, jornalistas, nomes escolhidos pelas empresas, pelos diretores das publicações, do governo e mais quatro cooptados pelos restantes membros. Como qualquer entidade que tem por dever pronunciar-se sobre questões que envolvem o jornalismo, houve decisões que desagradaram aos diferentes setores, mas até por isto se vê como foi independente. Nenhum dos organismos que herdaram as suas competências viria a alcançar o prestígio que o Conselho de Imprensa granjeou.

Papel fundamental tiveram também os conselhos de redação, igualmente nascidos a 26 de fevereiro de 1975. Eram – ainda são, embora com raras provas de pública vitalidade – órgãos presididos pelo diretor do jornal e compostos por jornalistas “da casa”. Acompanhavam a direção do periódico, zelavam pelos rigor e ética – a lei de Imprensa deixou aos jornalistas a criação de um Código Deontológico – e concedia-lhes um poder inesperado, uma “bomba atómica”: recusar o nome indicado para a direção do jornal. Grandes combates travaram, durante anos, os Conselhos de Redação. Diga-se que esta “bomba atómica” teve menos uso do que a atribuída ao Presidente da República para dissolver o Parlamento.

Vem também da Lei de Imprensa a regulação da publicidade e a obrigação de a apresentar bem distinta da informação, impunha que os órgãos de informação fossem detidos e dirigidos por portugueses, criou o direito de resposta, definiu os crimes de injúria e difamação e definiu as multas a pagar por quem “violar qualquer dos direitos, liberdades ou garantias da imprensa consagrados na presente lei”. Impunha, também, a existência de um estatuto editorial.

Para quem puder pensar que a Lei de Imprensa surgiu de um grupo mais ou menos revolucionário, é bom recordar que a comissão que a redigiu foi nomeada pelo então major Sanches Osório, era presidida por Sousa Franco, e tinha entre os seus elementos Francisco Pinto Balsemão (que tinha tentado apresentar um projeto em 1973, juntamente com Sá Carneiro) e Marcelo Rebelo de Sousa.

Curiosamente, o poder não demorou muito a tentar torpedear a legislação, pois durante o governo de Vasco Gonçalves nasceu o chamado “Projecto Jesuíno”, largamente contestado, que admitia transformar “um ou mais jornais diários (…) em órgãos oficiosos”. O “controlo” da rádio e televisão era abertamente defendido. Mais: admitia que viesse a ser criada “legislação revolucionária” e, para “garantir a legitimidade revolucionária” , preconizava  “instrumentos revolucionários” que permitissem “uma resposta aos atentados à liberdade e às atitudes contra-revolucionárias”.

Os órgãos de comunicação subordinados às regras do jornalismo perderam força e a mentira e a calúnia andam à solta. A liberdade individual já não termina quando afeta a liberdade dos outros

O diploma de 1975 tinha servido de base para as posteriores lei da rádio e da televisão e foi sofrendo alterações até 1999, quando Jorge Sampaio e António Guterres publicaram a Lei 2/99. Daí para cá, o diploma sofreu pequenas alterações. De 1975, a legislação manteve como desígnio a defesa da liberdade de informação, embora retirando força à participação dos jornalistas e da sociedade civil e aumentando os das administrações e do poder político. Multiplicaram-se os diplomas e contratos que impõem aos funcionários do Estado e de empresas o dever de sigilo, assim restringindo o livre acesso à informação. Uma norma criada por um governo de Cavaco Silva, naquilo que ficou conhecido por Lei da Rolha, e a tentativa de impedir os jornalistas de circularem na Assembleia da República foram os episódios mais mediáticos desta tentativa de controlo às fontes de informação.

Volvidos 50 anos, havendo lei de imprensa, da rádio e da televisão, fica de fora o que é hoje o principal canal de informação: a internet. Num mundo em que o disparate é livre, faltam soluções para regular o que se vai escrevendo no mundo virtual. Tudo é possível, embora nem tudo seja lícito.

Os órgãos de comunicação subordinados às regras do jornalismo perderam força e a mentira e a calúnia andam à solta. A liberdade individual já não termina quando afeta a liberdade dos outros.

Vive-se uma época em que ainda não aprendemos a viver com os avanços. Repare-se como J.D. Vance, vice-presidente dos EUA, veio exigir o direito à difusão de mentiras e de campanhas contrárias a valores civilizacionais adquiridos. Repare-se como a principal agência de notícias norte-americana, a Associated Press, foi banida da Casa Branca apenas porque se recusa a chamar golfo da América ao do México. Tudo isto num país que se dizia ter a imprensa mais livre e era apontado como exemplo.

Não haverá lei capaz de separar o trigo do joio em matéria de informação, sem que se entre no odioso domínio da censura? Daniel Innerarity recorda que “a primeira regra para compreender uma sociedade recomenda que se examine se a retórica coincide com a realidade”. Será isso possível com o ruído das redes virtuais?

O certo é que tem de haver formas de criar defesas, ou a democracia torna-se impraticável. Socorro-me de Yuval Noah Harari e cito: “Pretendo apenas sublinhar que as democracias podem regulamentar o mercado da informação e que a sua sobrevivência depende disso.” A receita: aprender e ensinar a viver com as novas tecnologias. “A maneira mais segura de se evitar uma catástrofe durante o século XXI será por via da manutenção de mecanismos autocorretivos democráticos capazes de identificar e corrigir erros.”

Que diabo, a Inteligência Artificial não há de servir apenas para o mal.

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A edição de 2025 do Seguro Directo Carro do Ano/Troféu Volante de Cristal contou com 72 inscrições, com os automóveis divididos por oito classes. Destes, 43 eram candidatos ao troféu principal, para suceder ao BYD Seal, o grande vencedor do ano passado.

Após os testes dinâmicos, os 18 jurados votaram para escolher os sete finalistas, que passam à fase seguinte. Os escolhidos foram, por ordem alfabética: BYD Sealion 7, Citroën C3, Cupra Terramar, Dacia Duster, KIA EV3, Peugeot 3008 e Renault 5. De recordar que, para o prémio Carro do Ano são candidatos modelos, não versões específicas.

O sucessor do BYD Seal será conhecido no próximo dia 11 de março, juntamente com os vencedores de cada uma das oito classes: Citadino, Design, Desportivo/Lazer, Elétrico, Familiar, Híbrido Plug-in, SUV Compacto (inclui crossovers) e Grande SUV. Nessa ocasião a Comissão Executiva do Seguro Directo Carro do Ano/Troféu Volante de Cristal 2025 irá ainda atribuir o Prémio Carreira e o Prémio Tecnologia e Inovação.