Em 2017, na sequência do caso BPN, o Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) arquivava uma investigação a Dias Loureiro. Nesse despacho, para resumir a história, os procuradores diziam que o investigado (e outros) tinha promovido o “enriquecimento ilícito de terceiros à custa do prejuízo do grupo BPN sob a forma de pagamento de comissões”. Havia, porém, um problema: não havia provas e, não as havendo, não podia haver acusação.

Na altura, a condenação através da comunicação social já tinha barbas. Aquela em que algumas autoridades judiciais ofertam aos média uma espetacular manchete sobre um sinistro e sem remissão político ou “poderoso” que terá (ou não) um desmentido em letra pequenina na penúltima página. Não há fumo sem fogo, não é? Os procuradores sabem que há marosca, mas pronto, não há meios e os advogados desses malandros são uns espertalhões. Assim fica tudo bem, os pasquins ganham dinheiro e os malandros que não se pode provar que o são ao menos ficam com o seu nome pela lama e com uma condenação eterna.

Houve quem achasse que isto não bastava. Para dar ainda mais ênfase e força à condenação, é o próprio Ministério Público que sela definitivamente a questão. Além do auto-de-fé nos média, o despacho onde não se acusa, ou seja, onde se diz que não há provas para acusar o arguido, que serve para mostrar à comunidade que aquele cidadão foi erradamente investigado e que os indícios eram afinal infundados, serve para dizer que, no fundo, ele é criminoso.

E assim se condena um inocente para todo o sempre.

Qualquer semelhança deste caso com o Tutti-Frutti não é uma coincidência. Aliás, há outra não coincidência: o responsável pelo DCIAP era Amadeu Guerra, o atual procurador-geral da República.

Desde essa altura, nada melhorou, pelo contrário. Há cada vez mais meios de comunicação que embarcam na promoção de julgamentos na praça pública e os antigos especialistas dessas iniquidades foram promovidos a cargos de direção em importantes grupos de média.

O caso Tutti Frutti é um bom exemplo disso.

Lembro-me de notícias em que se relatava a apreensão do computador de Fernando Medina onde constariam centenas de indícios de crimes e um nunca acabar de histórias que curiosamente eram difundidas em época de eleições. Digamos só que era uma altura estranha para haver fugas de informação.

Convém não esquecer também a quantidade de fugas ao segredo de justiça convertidas em notícias que fizeram com que os acusados do Tutti-Frutti estivessem a ser cozinhados em lume brando durante quase dez anos. E é este cozinhado que traz uma outra condenação: pessoas que são inocentes por imposição constitucional a aceitarem uma condenação antes de serem julgadas. Não só as próprias a aceitam como os partidos de que fazem parte as promovem.

Se alguém não se sente confortável a continuar a exercer funções públicas sob acusação, é legítimo e de sua consciência que peça a suspensão do seu mandato, mas é bom que saiba que está a cooperar com uma perversão do sistema de justiça e a promover quem faz julgamentos na praça pública.

Pior são os partidos que retiram a confiança política a acusados em processos do género do Tutti-Frutti. Estão assim, como pilares do regime, a perverter as funções do Ministério Público, e isso é o fundamental, mas esquecem também o que tem sido o resultado destes processos. Basta lembrar Rui Moreira e Miguel Alves.

O Tutti-Frutti é só mais um processo em que o Ministério Público confunde moral e ética com ação penal, em que se investigam pessoas durante dez anos enquanto se divulgam suspeitas em que se destrói a honra e o bom nome das mesmas sem que possam defender-se; em que não se é acusado, mas condenado sem prova devidamente feita; em que se constrói mais um megaprocesso impossível de julgar e que apenas vai servir para o costume: dar a ideia de que o sistema político está podre e de que os únicos impolutos são os santos magistrados. E importa lembrar, nada como um processo onde se misturam factos com suposições, crimes com falhas comuns, práticas normais com imaginárias irregularidades para que os corruptos e prevaricadores se safem.

Luís Montenegro e Marcelo Rebelo de Sousa estão contentes com este estado de coisas (alguém lhes ouviu, aliás, uma palavra sobre esta pouca-vergonha?) ou então não teriam nomeado o atual procurador-geral da República.

Amadeu Guerra é o símbolo deste sistema, foi figura central do Ministério Público estes anos todos. Fossem megaprocessos, fossem coisas como o despacho acima referido acerca de Dias Loureiro. Quem o escolheu não pode esperar que alguma coisa se altere.

O maior problema institucional da democracia portuguesa é a Justiça e há muito que é uma questão política. Já não dá mais para responsabilizar os agentes da Justiça, a culpa toda é dos nossos representantes, daqueles que elegemos.

OUTROS ARTIGOS DESTE AUTOR

+ Os aliados da mentira

+ O funcionário do mês do projeto Chega

+ Abaixo o império da opinião, viva o império da lei

Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.

Palavras-chave:

Foi recentemente notícia nalgumas das maiores publicações mundiais como a Business Insider, o New York Post ou o Daily Mail: o portal de viagens Fodor elaborou a sua lista de 15 locais a não visitar em 2025 e Lisboa faz parte dela.

Chama-se “No List” e inclui os destinos nos quais a pressão turística se tornou insustentável. São grupos atrás de grupos a encontrar nos mesmos pontos de interesse outros turistas, locais que se esvaziaram de vida para existir apenas no mundo dos monumentos históricos ou das paisagens, sem já pitada da alma que foi o que, em primeiro lugar, despertou o interesse dos visitantes.

Diz a Fodor que não quer com isto promover nenhum tipo de boicote, apenas alerta para o seguinte: “A No List serve para destacar destinos onde o turismo está a colocar uma pressão insustentável sobre o lugar e sobre as comunidades locais. E esta pressão precisa de ser abordada.” Precisa mesmo.

Além de Lisboa, a lista inclui Barcelona, Veneza, Maiorca, Canárias, Bali, Koh Samui (Tailândia), o monte Evereste, Agrigento (Sicília), Kerala (Índia), as ilhas virgens britânicas, Quioto e Tóquio, Oaxaca (México) e a Costa Norte 500 na Escócia. Temos destinos mais clássicos e outros movidos pela moda do momento.

Esta forma de fazer turismo, consumindo outras culturas como quem consome uma pizza, um turismo de likes no Facebook e no Instagram, é só um sintoma da “modernidade líquida” (termo de Zygmunt Bauman) que vivemos. Aqui do centro histórico da capital, vejo esta Lisboa a ser sorvida à pressa, na ânsia de se levar para casa mais uma experiência. Acumulação de momentos breves, superficiais e sem aprendizagem.

Já para as comunidades, o impacto é bastante profundo. Esta semana, a Câmara Municipal de Lisboa publicou uma lista de 337 arruamentos onde os tuk-tuks passam a ser proibidos, muitos deles no centro histórico. Interdita também o seu estacionamento em certos locais, como miradouros, alguns dos quais estão tão pejados de tuk-tuks que há muito não se consegue ouvir o restante barulho da cidade.

Claro que as associações do setor vão contestar. E quem sabe ganhar esta guerra inglória do negócio contra os habitantes. Aconteceu no Porto, onde 12 empresas de transporte de turistas ganharam em tribunal o direito de circular livremente no centro histórico.

O braço de ferro com os tuk-tuks, embora relevante para quem vive e trabalha no centro das duas maiores cidades portuguesas, é, no entanto, apenas a ponta de um imenso icebergue. Sabemos, há décadas, que o nosso destino é o de país turístico, de serviços. Sem dimensão para agricultura de relevo e com a indústria em perda, temos aquilo que nos foi dado de bandeja – sol, praia, História.

Como lidamos com este fado sem o tornar uma maldição depende, em larga medida, do poder político. Se Carlos Moedas “compra” uma guerra com as empresas de tuk-tuks, terá visão de longo prazo para o setor imobiliário e hoteleiro? Do antigo Hospital da Marinha ao edifício do Quartel da Graça, os projetos para o centro histórico são de grandes unidades hoteleiras.

Os tuk-tuks enervam-nos o dia a dia; já os mini T2 de 60 metros quadrados com renda de 1 500 euros impossibilitam-nos a vida na cidade. Não há very typical que aguente.qw

OUTROS ARTIGOS DESTE AUTOR

+ A insegurança será televisionada

+ A brincar à polarização

+ “Allons enfants” rumo à crise

Palavras-chave:

Desde que tomou posse, Donald Trump tem estado ocupado a assinar ordens executivas, a maioria a revogar ou alterar completamente medidas da administração Biden. Algumas parecem comezinhas, como alterar o nome do golfo do México, e outras são megalómanas, como avançar com uma Cúpula de Ferro idêntica à de Israel. Das seis dezenas assinadas entre 20 de janeiro e 12 de fevereiro, estas são talvez as mais controversas.

Estabelecimento do Gabinete de Fé da Casa Branca

Não é um gabinete novo, mas uma reformulação com um propósito definido: elevar a religião cristã acima das outras. O novo Gabinete de Fé substitui o anterior Gabinete de Iniciativas Comunitárias e Baseadas na Fé da Casa Branca e tem o propósito de escolher e dialogar com líderes religiosos que, entre outras coisas, promovam “o fortalecimento do casamento e da família” e combatam “o preconceito antissemita e anticristão”. Vai ser liderado pela televangelista Paula White.

Imposição de sanções ao Tribunal Penal Internacional

“Eu, DONALD J. TRUMP, Presidente dos Estados Unidos da América, considero que o Tribunal Penal Internacional (TPI), tal como estabelecido pelo Estatuto de Roma, se envolveu em ações ilegítimas e infundadas contra os Estados Unidos e o nosso aliado próximo Israel.” Assim arranca esta ordem executiva, que impõe sanções económicas e de deslocação a qualquer indivíduo que trabalhe em investigações do TPI sobre cidadãos dos EUA e dos seus aliados. O TPI emitiu, em novembro, um mandado de captura sobre Benjamin Netanyahu, aliado de Trump, o que pode ajudar a explicar esta decisão.

Erradicar o preconceito anticristão

Acusando a anterior administração de se ter envolvido “num padrão flagrante de perseguição aos cristãos pacíficos, ignorando ao mesmo tempo as ofensas violentas e anticristãs” e de ter perseguido judicialmemte “cristãos pró-vida pacíficos por rezarem e se manifestarem à porta das clínicas de aborto”, Trump decidiu criar uma “task force para erradicar o preconceito anticristão”. O objetivo da equipa é identificar e eliminar “quaisquer políticas, práticas ou condutas anticristãs ilegais” por parte de agências federais.

Manter os homens fora dos desportos femininos

Atendendo a que, nos últimos anos, “muitas instituições de ensino e associações desportivas permitiram que os homens competissem em desportos femininos”, o que “é humilhante, injusto e perigoso para as mulheres e raparigas”, Trump tenta assim impedir atletas transgénero de participar nas categorias femininas de desporto. Além de dar instruções ao Secretário de Estado para pressionar o Comité Olímpico a aderir a esta regra, exige ainda a revogação do “apoio e a participação em intercâmbios desportivos interpessoais ou outros programas desportivos em que a categoria desportiva feminina relevante se baseie na identidade e não no sexo”.

A Cúpula de Ferro para a América

Dado que “a ameaça de ataque por mísseis balísticos, hipersónicos e de cruzeiro, além de outros ataques aéreos avançados, continua a ser a ameaça mais catastrófica enfrentada pelos Estados Unidos”, Trump ordena o planeamento de uma Iron Dome para proteger o país. Apesar de o conceito e o nome serem obviamente copiados do sistema de defesa israelita, Israel não é referido, de todo, no documento. Especialistas já avisaram que, dado o tamanho dos EUA, o projeto é extraordinariamente dispendioso, demoraria décadas a ser implementado e implicaria sistemas de mísseis no espaço, em órbita.

Restaurar a força de combate da América

Trump acusa os programas de Diversidade, Equidade e Inclusão (DEI) nas Forças Armadas de prejudicar “a liderança, o mérito e a coesão da unidade, diminuindo assim a letalidade e a prontidão da força”. Nesse sentido, ordena o encerramento de todos os departamentos relacionados com DEI e acaba com os programas de discriminação positiva nas Forças Armadas dos EUA.

Restaurar nomes que honram a grandeza americana

“É do interesse nacional promover a extraordinária herança da nossa Nação e garantir que as futuras gerações de cidadãos americanos celebrem o legado dos nossos heróis”, pelo que Trump decide que o golfo do México se passe a chamar “golfo da América” e que o monte Denali (nome pelo qual os nativos daquela região do Alasca sempre o conheceram) volte ao nome dado em 1917, “monte McKinley”, que Obama revogou.

Colocar a América em primeiro lugar nos acordos ambientais internacionais

Com a justificação de que os interesses dos EUA e dos americanos se devem sobrepor ao “desenvolvimento e negociação de quaisquer acordos internacionais com potencial para prejudicar ou sufocar a economia americana”, os EUA abandonam o Acordo de Paris, que tenta limitar a emissão de gases com efeito de estufa. Cessa também imediatamente qualquer compromisso financeiro feito pelos EUA ao abrigo da Convenção-Quadro das Nações Unidas para as Alterações Climáticas. Esta medida pode ser catastrófica para países mais pobres, que contam com o apoio americano em projetos de adaptação às alterações climáticas.

Retirada dos Estados Unidos da Organização Mundial de Saúde

Donald Trump já tinha iniciado, no final do seu primeiro mandato, a retirada dos EUA da OMS, processo que Biden reverteu. Agora, volta à carga, citando “a má gestão da pandemia da COVID-19 por parte da organização, que surgiu em Wuhan, na China, e de outras crises sanitárias globais, a sua incapacidade de adotar reformas urgentemente necessárias e a sua incapacidade de demonstrar independência da influência política inapropriada dos estados-membros da OMS”.

Defender as mulheres do extremismo da ideologia de género e restaurar a verdade biológica ao governo federal

Com esta ordem executiva, os EUA deixam de reconhecer géneros fluidos e passam a considerar apenas dois sexos, o masculino e o feminino. “Estes sexos não são mutáveis ​​e estão baseados numa realidade fundamental e incontestável. Sob a minha direção, o Poder Executivo aplicará todas as leis de proteção sexual para promover esta realidade.” A palavra “género” desaparece de todos os documentos e programas federais.

Proteger as crianças da mutilação química e cirúrgica

“Profissionais médicos estão a mutilar e a esterilizar um número crescente de crianças impressionáveis ​​sob a alegação radical e falsa de que os adultos podem mudar o sexo de uma criança através de uma série de intervenções médicas irreversíveis. Esta tendência perigosa será uma mancha na história da nossa nação e deverá acabar”, justifica o documento. É assim proibida a cirurgia ou a utilização de bloqueadores da puberdade, de androgénio, estrogénio ou testosterona, “para alinhar a aparência física de um indivíduo com uma identidade diferente do seu sexo” em todas as “crianças” – até aos 19 anos.

Palavras-chave:

Hoje fez-se história em alguns países, com mais um dia do Período Revolucionário em Curso nos Estados Unidos. Trump e Putin decidiram, em apenas uma hora e meia, o futuro da Ucrânia. O secretário da Defesa já retirou a NATO do barulho e, a este ritmo, qualquer dia até sai de cena. Entretanto, o secretário do Tesouro americano já aterrou em Kiev para escolher e mandar recolher as Terras Raras e outros minerais estratégicos.

Trump foi convidado a ir a Moscovo, e, na sua fúria inventiva, essa visita pode até acontecer de repente. Zelensky aguarda o telefonema da Casa Branca, para ficar a conhecer o destino do seu país. «Kiev pode vir a ser russa», profetizou o presidente americano antes de falar com Putin.

Mas há mais: o rei da Jordânia foi emboscado na Sala Oval, onde ouviu — sem tugir — todos os detalhes do grandioso plano imobiliário para a Faixa de Gaza. Ficou também a saber que terá de alojar centenas de milhares de palestinianos, se quiser continuar a receber os biliões dos EUA. O mesmo destino aguarda o presidente egípcio. A tudo isto soma-se o ultimato ao Hamas: libertar todos os reféns até às 12 horas de sábado ou o Inferno!

Por fim, não esquecer o apetite de Trump pela Gronelândia. Num gesto excecionalmente bem conseguido, os dinamarqueses estão a fazer um crowdfunding para comprar a Califórnia, enquanto alguns comentadores russos ligados ao Kremlin já perguntaram pelo preço de Lisboa. Estão todos doidos? Há, em tudo isto, uma dose maximalista de surrealismo político, onde domina a fantasia e a loucura.

MAIS ARTIGOS DESTE AUTOR

+ A Casa de Papel

A Casa das Rifas!

O amigo de Putin

Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.

A União Europeia enfrenta um dos momentos mais decisivos da sua existência. Novos desafios, alguns deles de dimensão gigantesca, acumulam-se a um ritmo a que os líderes dos 27 não estavam habituados. Com uma agravante: a maioria das ameaças exige, cada vez mais, respostas urgentes, concertadas entre todos e com uma ambição que represente um compromisso com o futuro. Ou seja, tudo aquilo que, desde há alguns anos, tem faltado à União Europeia, em especial desde que se acomodou à ilusão de que estava no centro do mundo, negligenciando as transformações que iam ocorrendo nos outros grandes blocos económicos e políticos.

Os relatórios recentes de dois ex-chefes de governo italianos, Enrico Letta e Mário Draghi, sobre o estado da UE, não foram brandos no diagnóstico nem no caminho que a Europa precisa de seguir para não cair no risco da irrelevância. Ambos foram coincidentes no “desafio existencial” que o bloco de 450 milhões de consumidores enfrenta se os 27 países, no seu conjunto, não conseguirem tornar-se mais produtivos, eficientes e competitivos. Isto, claro, sem perderem os valores de equidade e de coesão social, que fizeram deste espaço um exemplo para o mundo.

O tempo começa a esgotar-se para tentar inverter a situação. Entalada entre a ameaça militar da Rússia, a do crescimento industrial e comercial da China e, agora, a do súbito abandono dos EUA, por causa do regresso de Trump, a Europa não tem outra alternativa que não seja a de encontrar formas de conseguir unir esforços e afirmar-se como uma verdadeira potência global. Precisa, para isso, de ser autónoma em matéria de defesa e segurança, mas também de modernizar a sua indústria, impulsionar a inovação tecnológica e afirmar-se como um espaço capaz de criar empresas que, nas áreas mais decisivas do futuro, possam ter um desempenho global. Não é admissível, por exemplo, que no atual momento de explosão da Inteligência Artificial não exista uma única empresa europeia na primeira divisão da competição que se adivinha decisiva para o futuro. Ou, se calhar, nem sequer na segunda divisão, tal é a distância que nos separa das grandes tecnológicas dos EUA e da China. E isto sucede unicamente porque nas questões vitais que determinam a competitividade, a Europa não funciona como um bloco, mas antes como uma “associação” fragmentada de 27 países, tantas vezes com cada um a puxar para o seu lado, apenas interessado em aniquilar o concorrente vizinho, sem perceber que, no fim, acabará por ser “comido” pelo gigante americano ou chinês. Ou, como se advinha para breve, a ver a sua faturação diminuída pelas tarifas impostas pelo “amigo” de Washington.

Grande parte da crise atual de competitividade da Europa está diretamente ligada ao abrandamento económico da Alemanha, onde a indústria, especialmente a automóvel, enfrenta uma série de desafios existenciais: altos preços de energia, concorrência feroz dos asiáticos e uma quebra acentuada de empregos, devido à transição para os motores elétricos.

É neste cenário que, dentro de poucos dias, a Alemanha vai a votos. No entanto, apesar da crise do seu modelo industrial e energético, da incapacidade manifesta para reavivar a sua economia e com um problema dramático de habitação, nomeadamente para os mais jovens, o primeiro debate televisivo entre os dois principais candidatos a chanceler, nas eleições de 23 de fevereiro, foi dominado nos 30 minutos iniciais pelo tema da… imigração. Ou seja: o tema preferido e mais “martelado” pelos neonazis da AfD, que nem precisaram de participar no debate para imporem a sua agenda e ganharem o duelo, mesmo com falta de comparência.

Esta não é uma originalidade alemã, mas antes o sintoma de algo mais vasto, a que se assiste um pouco por toda a Europa: a aceitação dos partidos do centro em tornarem o tema da imigração como prioritário no debate político, por pressão da extrema-direita, só pelo medo de perderem votos e por não terem soluções para contrariar o discurso de ódio contra os estrangeiros, que se tornou a bandeira principal dos populistas radicais.

Perante a concorrência dos EUA e da China, e ameaçada pela força militar da Rússia, o problema principal da Europa não é a imigração, mas sim a falta de competitividade e a perda de inovação. E os que querem destruir o sonho europeu sabem-no melhor do que ninguém. Por isso, no encontro de partidos de extrema-direita realizado em Madrid, no último fim de semana, nenhum dos seus dirigentes ergueu a voz sobre as tarifas que Trump quer impor aos produtos europeus nem a necessidade de a Europa passar a gastar mais em Defesa – dois problemas que exigem uma resposta urgente. Também não se ouviram apelos à modernização industrial ou a mais inovação tecnológica – dois temas essenciais para a existência da UE.

Aos populistas radicais só interessa explorar o medo e gritar contra a imigração “descontrolada”. Até porque já perceberam que resulta: criam incerteza nos partidos do centro, ganham votos e, por essa via, impedem que se discuta o que verdadeiramente é existencial para o futuro europeu e para o nosso modo de vida.

OUTROS ARTIGOS DESTE AUTOR

+ Quem quer conversar com Donald Trump?

+ Três interrogações e uma inquietação

+ O problema não é Trump, mas ignorar Draghi

Palavras-chave:

Estamos em 1990, na Embaixada dos EUA em Lisboa. Um comunista, Carlos Paredes, e um republicano norte-americano da ala mais conservadora, o embaixador Edward Rowell, nomeado para o cargo por Ronald Reagan, confrontam-se amistosamente. O então Instituto do Comércio Externo de Portugal (ICEP) tinha tudo preparado para uma iniciativa de promoção do País em Boston, no âmbito da qual Carlos Paredes atuaria num clube de empresários. A data de partida aproximava-se e o mágico da guitarra portuguesa recusava-se, para obter o visto norte-americano, a escrever no respetivo formulário que não pertencia ao Partido Comunista Português.

Sob a pressão de o problema não se resolver, a direção do ICEP pediu a intermediação de Rowell. Sabia-se que o embaixador e Paredes tinham uma relação de respeito mútuo. O diplomata apaixonara-se à primeira audição pela música do guitarrista, e este espantara-se com o conhecimento que o embaixador tinha da nossa História e da nossa cultura. A relação consolidara-se dois anos antes, em 1988, quando Rowell convidou para jantar, na sua imponente moradia, no chique bairro lisboeta da Lapa, Paredes e Luísa Amaro, companheira musical (no acompanhamento à viola clássica) e de vida do guitarrista durante mais de 20 anos. Após o repasto, o diplomata deliciou-se com um concerto privado do músico português de que se tornara fã.

Mas voltemos ao problema do visto e à intermediação pedida a Rowell. “Paredes, por favor, ajude-se. Diga que não é comunista”, suplicava-lhe o embaixador, como recorda Luísa Amaro. O guitarrista, porém, não cedia: “Sou profundamente comunista e, se não for assim, não vou.” Para desanuviar o ambiente, Rowell levou o casal numa visita pela embaixada, enquanto ia dizendo: “Vou tentar ultrapassar isto da melhor maneira possível.” Paredes e Luísa acabaram por embarcar com a comitiva do ICEP, mas, após aterrarem em Nova Iorque, no Aeroporto JFK, escala para o voo com destino a Boston, o guitarrista foi chamado à parte por um funcionário alfandegário, que o encaminhou para um gabinete. Um dirigente do ICEP acompanhou-o e, cerca de 20 minutos depois, Paredes regressou ao grupo com um sorriso vitorioso. O concerto previsto fez-se mesmo.

Guitarrada pelos ares

À época estava em curso um programa chamado Blitz de Portugal, que reunia o Ministério do Comércio, a Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD) e a embaixada portuguesa em Washington. E, em 1991, Carlos Paredes é convidado para ir de novo aos EUA,  integrando uma comitiva de peso para uma investida em Atlanta, na Geórgia, chefiada pelo então ministro do Comércio, Faria de Oliveira, do governo de Cavaco Silva, e de que também faziam parte, entre outros, Rui Carp, deputado do PSD e administrador da FLAD (e ex-secretário de Estado do Orçamento e da Administração Pública, quando Miguel Cadilhe tutelava as Finanças) e o escritor Vasco Graça Moura, na altura presidente da Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses. Missão de Paredes: abrilhantar um jantar na monumental mansão vitoriana do então presidente mundial da Coca-Cola, Roberto Goizueta, onde apenas seriam servidos pratos e vinhos portugueses. No fim, estava Paredes no jardim da mansão, e corre para ele uma mulher de vestido de malha muito curto, com um decote generoso, e que, de lágrimas nos olhos, lhe dá um apertado abraço. “Só de olhar para si dá-me vontade de chorar”, dizia-lhe a ruiva, enquanto lhe agradecia o concerto a que assistira, lembra Luísa Amaro. Paralisado, Paredes só teve fôlego para pedir aos fotojornalistas portugueses que ali estavam que não tirassem imagens daquela situação. A solicitação foi respeitada. Para o discreto e modestíssimo Paredes, se tais fotos fossem feitas e publicadas seriam a coisa mais embaraçosa do mundo.

“Cidade-luz” Carlos Paredes em Paris e, ao lado, com Fernando Alvim, que o acompanhou à viola clássica durante 25 anos

No voo de regresso, num avião da United Airlines, aconteceu mais um incidente. Uma hospedeira insistia com Carlos Paredes em que a sua guitarra não podia ir na cabina, havia que a remeter para o porão, o que o deixou em pânico. Rui Carp, recorda o próprio, interveio sem meias-palavras: “Este senhor é um grande artista e não quer que a guitarra se estrague”, lembra-se de ter dito à hospedeira. Mas o diálogo foi subindo de tom, até que apareceu o comandante, que, sensato, permitiu que a guitarra ficasse na cabina, para embaraço da hospedeira. Já com o avião a sobrevoar o Atlântico, a rolha de uma garrafa de champanhe soltou-se e alguém anunciou que Rui Carp fazia anos. Quando se cantava o Parabéns a Você, ouviu-se a guitarra de Paredes a improvisar sobre a melodia. “Estava no céu, não só materialmente como espiritualmente”, diz o antigo governante do PSD. “É um presente de aniversário de que nunca mais me esqueço”, acrescenta. Rui Carp fez questão de agradecer o gesto a Paredes, que apenas lhe respondeu: “O amigo também me defendeu a guitarra.” Carp ficou rendido: “Não me custou nada fazer aquilo, a guitarra era parte integrante dele. Vejo o episódio como mais uma prova da humanidade de Carlos Paredes.”

Uma guitarra única

Se, como pessoa e músico, provocava emoções fortes em terceiros, Paredes (cujo centenário do nascimento se comemora no próximo domingo, 16) era, em contraponto, de uma modéstia desmesurada. Um bom exemplo está numa história relatada pelo jornalista e escritor António Costa Santos, que perdeu a conta às entrevistas que lhe fez. Numa dessas vezes, levou consigo o álbum Espelho de Sons, de 1988, para o guitarrista lhe autografar a capa. “E ele escreveu: ‘Com a admiração do Carlos Paredes.’” António Costa Santos ficou estupefacto: “Ó Paredes, então vai pôr-me aqui com admiração?!… Quem o admira sou eu!” Que não, defendia-se o guitarrista, “o amigo é muito importante”. Conclusão: “Não posso mostrar isto a ninguém. É uma vergonha”, ri-se hoje António Costa Santos, embora na altura tenha ficado virado do avesso com Paredes.

Livros

Três novidades e uma reedição para celebrar Carlos Paredes

A Guitarra de um Povo
de Octávio Fonseca
Biografia musical assinada por um autor que já escreveu, também, sobre José Afonso e José Mário Branco e que aqui recorre, sobretudo, a entrevistas de Carlos Paredes e a críticas aos seus discos na imprensa da época. Esta edição inclui um duplo CD inédito com um concerto gravado a 31 de março de 1984, no Teatro Carlos Alberto, Porto.
Tradisom, 208 págs., €75

Variações para Carlos Paredes
Ainda por publicar, será o catálogo da exposição, com o mesmo título, sobre a vida e a obra de Carlos Paredes, que se inaugura no Museu do Fado, em Lisboa, a 15 de maio.

Carlos Paredes, Nome de Guitarra de Dina Soares
Um “esboço biográfico” na coleção de pequenas biografias de artistas portugueses que a Sociedade Portuguesa de Autores tem editado para celebrar o seu próprio centenário (a 22 de maio).
Glaciar/SPA, 92 págs., €14,95

O Amigo Paredes
De Paulo Sérgio dos Santos
Reedição de um livro que é, com 30 entrevistas, um álbum de testemunhos de amigos, pessoas que conheceram bem Carlos Paredes e com ele conviveram (editado originalmente em 2021).
Althum, 255 págs., €40

Quando era repetidamente chamado pelo público para encores (o que acontecia quase sempre), o guitarrista gostava de terminar os espetáculos com um tema que compôs aos 4 anos, e ao qual nunca deu um título. “Ao princípio é uma melodia simples, mas depois complexifica-se, tem um final terrível”, nota Luísa Amaro. E arriscou, no mínimo, um valente raspanete, porque só pode ter composto aquele tema numa das guitarras do pai, Artur Paredes, que o proibia terminantemente de lhes tocar. Carlos Paredes (que nasceu em Coimbra, mas veio pequeno para Lisboa, acompanhando os pais) parece ter posto sobre os ombros demasiada pressão quanto à presença da guitarra portuguesa na sua família. Para não ir mais atrás, o avô Gonçalo Paredes, no princípio do século XX, foi pioneiro na criação do estilo guitarrístico de Coimbra, para o distinguir do fado lisboeta, exercitando abordagens musicais e de execução até aí não experimentadas. Tais inovações hão de ser consolidadas por Artur Paredes. Bancário de profissão, o pai de Carlos Paredes, embora músico amador, era de uma exigência extrema. Na década de 1940, elevou em definitivo a guitarra de Coimbra à dimensão de instrumento solista, inovando na composição e na técnica de execução. Antes, em colaboração com o luthier João Grácio, construiu a que, ainda hoje, é considerada a mais perfeita guitarra portuguesa, com maior volume de som, mais equilíbrio tímbrico e correta afinação. Houve, no entanto, uma guitarra fabricada por João Grácio que Artur Paredes rejeitou, porque lhe descobriu uma racha – sorte do filho Carlos, que ficou com ela e a tornou sua para a vida. Seria a guitarra com que tocou até ao fim da carreira.

Com muita indisciplina pelo meio, Carlos Paredes completou os estudos secundários no colégio particular propriedade da família e dirigido pela mãe, Alice, professora de profissão, e ainda fez o exame de admissão ao Curso Industrial do Instituto Superior Técnico. Embora mais tarde, enquanto autodidata, tenha adquirido vasta cultura, a guitarra esteve sempre no epicentro da sua vida.

“A música salvou-o”

Começou a fazer guitarra de acompanhamento ao pai com apenas 6 anos e, aos 12, às escondidas do progenitor, compôs uma das suas obras-primas, Movimento Perpétuo, que só seria editada em disco em 1971. Há que voltar à mãe, Alice, cujos fortes valores sociais influenciaram o filho a aderir ao perseguido PCP. “Devo-lhe isso”, costumava dizer Paredes. Já o austero e rígido pai era mais conservador: “Tens de ter um emprego porque só a guitarra não te vai servir.” Seguindo esse conselho, em 1949 ingressou nos Hospitais Civis de Lisboa, como fiel de lavandaria, ascendendo mais tarde ao arquivo de radiografias.

Em 1957, numa gravação, tem a primeira grande zanga pessoal e musical com o pai, que o repreendeu por não se limitar ao registo da guitarra de acompanhamento. E, no ano seguinte, é preso pela PIDE, a polícia política da ditadura salazarista. Esteve detido durante 18 meses, a maior parte desse tempo numa cela minúscula da cadeia de Caxias. “Os guardas prisionais achavam que ele tinha endoidecido, porque andava sempre de um lado para o outro naquele cubículo”, diz o escritor Luís Osório, que conheceu o guitarrista ainda criança, e que ouviu a descrição ao pai, o fadista José Manuel Osório, amigo próximo de Paredes e também militante do PCP. Mas o prisioneiro político estava, na verdade, a compor na sua cabeça. “A música salvou-o”, acrescenta Luís Osório.

A amiga Amália

Paredes seria condenado, em 1960, à pena de expulsão da Função Pública. Tornou-se então delegado de propaganda médica, como a profissão à época se designava, mas esquecia-se do seu ofício quando falava com clínicos melómanos, como o cirurgião cardiotorácico Machado Macedo, que muito mais tarde seria bastonário da Ordem dos Médicos. “O próprio professor Machado Macedo contou-me que quando o Carlos Paredes ia ao consultório dele tinham longas conversas sobre música e nem sequer tocavam no assunto dos medicamentos”, recorda Luísa Amaro. Após décadas a fio a acompanhar o pai, Paredes apenas se libertou do rei Artur aos 37 anos, em 1962, quando publicou o primeiro EP a solo, com quatro composições da sua juventude. Até ao fim da vida, porém, disse que “génio” era o pai, e que ele era só um “modesto guitarrista” – para desespero dos jornalistas que o entrevistavam. “Não quero armar-me em Freud, mas acho que o Paredes deve ter sido muito reprimido pelo pai”, comenta António Costa Santos.

Álbum Em Pequim, na Cidade Proibida; em Seul; com o pintor moçambicano Malangatana, em Maputo; junto à Casa Branca; com os Madredeus, no Rio de Janeiro

Poucos anos depois, num espetáculo num pavilhão da Nazaré, Amália Rodrigues, que estava nos bastidores à espera de entrar em palco para fechar o evento, começou a vibrar com uma guitarra portuguesa como nunca tinha ouvido. Era Carlos Paredes quem tocava. Mas, mal terminou, desapareceu. “Eu pus toda a gente à procura dele até o descobrirem”, dizia Amália, como lembra Luísa Amaro. Será Alain Oulman, compositor da fadista, a levar Carlos Paredes a casa dela, para que ali tocasse. “Ficámos todos desfeitos”, contou. “Amália chorava e dizia que só lhe apetecia bater-lhe” – reação “muito frequente” nela, acrescentava, quando se sentia comovida pelo virtuosismo de alguém. “Nenhum de nós compreendia por que não era ele mais conhecido, pelo menos em Portugal”, dirá ainda Oulman. Será assim que Amália o convidará para participar num espetáculo de música portuguesa que foi apresentado no Olympia de Paris, em 1967, e que esteve em cena durante quase um mês, com Carlos Paredes (acompanhado à viola clássica por Fernando Alvim, seu parceiro durante 25 anos) a atuar antes da já então grande fadista. Ficaram amigos para a vida.

As “tensões e os demónios”

Uma das características do guitarrista era a de ouvir toda a gente com atenção e respeito, fosse qual fosse o tema da conversa, e, com frequência, “pôr em causa as suas próprias afirmações e convicções”, diz António Costa Santos. Outra peculiaridade era a sua extrema distração. Ficaram célebres os seus despistes, quando, por exemplo, fazia 360 graus na porta giratória de um hotel, voltando a sair para a rua, “com o sentido contrário a tudo o que a natureza humana diz”, recorda Luísa Amaro. Antes de entrarem em palco, por sinal, a companheira fazia-lhe uma revista aos bolsos. “Ele metia tudo o que era possível e imaginário nos bolsos”, diz Luísa Amaro. “Uma vez, eram maçãs, porque pensava que depois de acabar ia ter fome. Tirei-lhas e disse-lhe: ‘Não se vai para o palco com maçãs!’”

Dos Jerónimos para o mundo Atuação num programa de TV para a Europa, a América, a África e a Ásia, com uma audiência de 300 milhões de telespectadores. Em baixo, a ficha da PIDE

Quando entrava em palco, porém, transfigurava-se – alto, desajeitado e com um sorriso tímido, sentava-se e agarrava-se à guitarra. Então, tornavam-se um único ser. “Aí, dominava a situação. Acredito que fizesse a sua catarse”, diz Luísa Amaro. “E catarse feita, esvaziado já das tensões e dos demónios, porque acho que tudo isso se passava no palco, voltava a ser o Carlos Paredes tranquilo, obediente.”

Mas quando estava no auge do reconhecimento nacional e internacional, foi-lhe diagnosticada, em 1993, uma mielopatia, doença da medula que provoca a perda gradual dos movimentos do corpo. Nos últimos 11 anos de vida esteve acamado numa casa de saúde. “Foi para dentro. Tinha os olhos abertos, mas já não via, deixara de sorrir”, descreveu Luís Osório. Ainda assim, teve sempre a visita de muitos amigos, Amália incluída. Morreu a 23 de julho de 2004, aos 79 anos.

15 datas de uma vida cheia

Das primeiras gravações aos discos consagrados. A carreira na função pública, os concertos, as digressões e a composição para cinema, teatro e dança

1925
Nasce a 16 de fevereiro, em Coimbra

1958
É detido pela PIDE, “para averiguações”, a 26 de setembro na secretaria do Hospital de São José, onde era funcionário desde 1949. Só será libertado em dezembro de 1959

1960
Casa-se com Ana Napoleão Franco, a 12 de outubro, em Coimbra. Compõe a banda sonora da curta-metragem Rendas de Metais Preciosos, de Cândido Costa Pinto

1962
Compõe a banda sonora do filme Verdes Anos, de Paulo Rocha

1966
Compõe a banda sonora do filme Mudar de Vida, de Paulo Rocha

1967
Integra a comitiva artística que se desloca a Paris para atuar no Olympia, a convite de Amália Rodrigues

1971 – 1977
Colabora com o Grupo de Teatro de Campolide como responsável pela seleção musical

1978
Atua com o contrabaixista americano Charlie Haden no Hot Clube de Lisboa, a 27 de setembro

1982
Compõe para Danças para uma Guitarra, coreografia do bailarino Vasco Wellenkamp apresentada na Fundação Calouste Gulbenkian

1983
Dá um concerto na Alte Oper, em Frankfurt, de que resulta o álbum Concerto em Frankfurt, editado nesse mesmo ano

1984
Dá o primeiro concerto em Portugal, no Auditório Nacional Carlos Alberto, no Porto, a 30 e a 31 de março

1986
Reforma-se do Hospital de S. José, em Lisboa, onde trabalhava no Serviço de Arquivo de Radiologia, passando a dedicar-se inteiramente à música

1992
Recebe o grau de Comendador da Ordem de Sant’Iago da Espada pelo Presidente da República Mário Soares, a 10 de junho

1993
Em dezembro, é-lhe diagnosticada uma doença do foro neurológico que o deixa com grandes limitações de movimentos e afastado da vida ativa

2004
Morre a 23 de julho na Fundação Lar Nossa Senhora da Saúde, aos 79 anos. É sepultado no talhão dos artistas do Cemitério dos Prazeres, em Lisboa

Concertos

Em 2025, são muitos os espetáculos que, de diversas maneiras e com várias sonoridades, homenageiam a música e a guitarra de Carlos Paredes.
Alguns destaques

Paredes. Ben Chasny e Norberto Lobo
Culturgest, Lisboa, 13 fev > gnration, Braga, 14 fev > Auditório de Espinho, 15 fev > Convento São Francisco, Coimbra, 16 fev > Teatro das Figuras, Faro, 18 fev

100 Paredes
Direção artística e musical de André Varandas e Bruno Costa. Vários artistas e coletivos de Coimbra, com orquestra e coro comunitários, e artes performativas. Convento São Francisco, Coimbra, 15 fev

Centenário Carlos Paredes, Concerto Comemorativo
Com, entre outros, Luísa Amaro, Carlos Alberto Moniz, A Garota Não, Gonçalo Lopes, Inês Vaz, Joana Bagulho, Mário Laginha, Alma Menor e Rumos Ensemble. Aula Magna, Lisboa, 16 fev

Carlos Paredes por Mário Laginha
Theatro Circo, Braga, 21 fev > Auditório de Espinho, 24 abr

Festival da Guitarra Portuguesa
Vários músicos e concertos na primeira edição deste festival que, em 2025, é dedicado a Carlos Paredes.
Capitólio, Teatro Variedades, Cinema São Jorge, Lisboa, 7 e 8 mar

Variações sobre Carlos Paredes
Direção musical de Pedro Jóia. Com Joana Bagulho (cravo), João Paulo Esteves da Silva (piano), José Manuel Neto e Bruno Costa (guitarras portuguesas), Pedro Jóia (viola clássica). António Jorge Gonçalves pinta e desenha ao vivo. Lg. de São Carlos, Lisboa, 27 abr

Espelho de Sons
Ciclo de concertos-tributo com, entre outros, Pedro Caldeira Cabral, Paulo Soares e Luísa Amaro.
Museu do Fado, Lisboa, jul-set

Programa internacional
Concertos, filmes, conferências e exposições em 17 cidades de 12 países, em quatro continentes (coprodução Museu do Fado, Alto & Bom Som, Everything is New). Vários locais, abr-dez

Discos Sons da alma lusa

Primeiras e últimas edições, bandas sonoras de filmes, as gravações ao vivo e os duetos com outros músicos – registos de uma sonoridade ímpar


Carlos Paredes
Primeiro EP, gravado em 1962, inclui temas da juventude, Variações em Si Menor, Serenata, Variações em Lá Menor, Danças Portuguesas n.º1

Verdes Anos
“Guitarradas” (com Fernando Alvim na viola) da banda sonora do filme homónimo, realizado por Paulo Rocha (EP 1963, Alvorada)

Guitarra Portuguesa
Em 1967 edita o seu primeiro LP (Valentim de Carvalho)

Movimento Perpétuo
LP (Columbia) de 1971. Inclui temas como António Marinheiro, Mudar de Vida e o célebre tema que dá título ao disco

Balada de Coimbra
Em 1971, este EP (Columbia) incluía temas de Afonso Correia Leite e Armando Rodrigues e de José Eliseu

Carlos Paredes Meister der Portugiesischen Gitarre
Uma compilação editada em 1977 por uma chancela alemã (Amiga, RDA)

Carlos Paredes/Artur Paredes
Em 1979, edição do segundo LP (Alvorada), com temas de Carlos Paredes e do seu pai, Artur Paredes

Concerto em Frankfurt
Gravação ao vivo do concerto na Alte Oper, em Frankfurt, editada em 1983 (LP, Polygram). Contém temas inéditos

Invenções Livres
De 1986, em dueto com o piano de António Victorino D’Almeida (LP, Polygram)

Espelho de Sons
Este LP de 1988 (Philips) inclui novas versões de temas como Serenata, Raiz e Fantoche. Entrou diretamente para o 3.º lugar do top nacional de vendas de discos

Dialogues
De 1990. Dueto com o contrabaixista Charlie Haden, com quem já tinha tocado várias vezes (LP, Polygram)

Na Corrente
Último LP (EMI-Valentim de Carvalho), lançado em 1996. Compilação de material inédito gravado nos estúdios Valentim de Carvalho em 1969, 1971 e 1973

Palavras-chave:

Hugo Soares foi à Now afastar a ideia de que a direção nacional pudesse tirar poderes a Luís Newton e Ângelo Pereira. “Não é a direção nacional que se deve nem meter nem imiscuir nisso, porque no dia em que isso acontecer, então, eu abro uma Caixa de Pandora que não tem fundo”, disse quando perguntado sobre por que motivo Newton tinha suspendido o mandato de deputado, mas não o de presidente da Junta de Freguesia da Estrela. Cinco dias depois, a direção do PSD emitia um comunicado no qual anunciava que a Comissão Política Nacional do partido tinha decidido “avocar o processo de escolhas de todos os candidatos autárquicos no concelho de Lisboa, sendo que esta decisão foi tomada de acordo com as respetivas estruturas”.

Entre uma coisa e outra, sabe a VISÃO, foram poucas as conversas entre o secretário-geral do PSD, Hugo Soares, e os líderes da distrital de Lisboa, Ângelo Pereira, e da concelhia de Lisboa, Luís Newton, que foram informados desta decisão pouco antes de ela ser anunciada à imprensa.

Dias antes, numa reunião da Comissão Política Concelhia, Newton tinha recebido apoio da sua estrutura para continuar em funções, de forma plena, mesmo que tenha feito saber internamente que não iria indicar o seu nome para nenhuma lista nem o de nenhum dos acusados na Operação Tutti Frutti. Nos contactos feitos no PSD Lisboa pela VISÃO durante o fim de semana, era claro que a convicção era a de que as listas seriam feitas pela concelhia e pela distrital, sem interferência nacional. Mas isso mudou.

Luís Montenegro, que já tinha falado com Luís Newton sobre a necessidade de este suspender o mandato como deputado no Parlamento, chegou à conclusão de que ter dois dos acusados na Operação Tutti Frutti a fazer listas para Lisboa era incompatível com a indicação clara que deu ao partido de que arguidos e acusados não deviam formar parte das listas de candidatos do partido.

Ângelo Pereira decide listas de concelho pelo qual é acusado

A decisão tomada pela direção do PSD coloca, contudo, alguns problemas. O mais óbvio é que Ângelo Pereira, sendo líder da distrital do PSD em Lisboa, fica afastado do processo de feitura das listas do concelho liderado por Carlos Moedas, mas não no das outras oito concelhias que a distrital abrange, incluindo Oeiras, o município onde era vereador quando aceitou uma viagem à China paga por uma empresa, facto que lhe valeria a acusação no processo Tutti Frutti.

A VISÃO questionou Hugo Soares com esta aparente contradição, mas até ao momento da publicação deste artigo não obteve resposta.

Decisão viola os estatutos?

Há, contudo, ainda outro problema que, embora teórico, pode vir a dar muito mais dores de cabeça ao PSD em Lisboa. É que os estatutos do partido são muito claros sobre a competência dos órgãos quando se trata de apresentar candidatos autárquicos: cabe às concelhias indicarem os nomes, que são aprovados pelas distritais e homologados pela direção nacional. É o que se retira do artigo 56.º dos estatutos, que diz que cabe às concelhias “propor à Comissão Política Distrital as listas de candidatura aos órgãos das Autarquias Locais, ouvidas a Assembleia de Secção e as Comissões Políticas dos Núcleos”.

No tempo de Rui Rio, a forma como a nacional decidiu impor candidatos em Barcelos, Castelo Branco e Leiria, nas autárquicas de 2021, mostrou bem a batalha que pode significar avocar processos de escolha de candidatos.

No caso de Barcelos, o caso chegou até ao Tribunal Constitucional. Rio impôs o nome do empresário João Sousa como cabeça de lista, depois de a concelhia e a distrital terem aprovado a candidatura de Mário Constantino.

O Conselho de Jurisdição Nacional do PSD foi chamado a pronunciar-se e considerou que isso constituía “uma grave violação” dos estatutos do partido. Inconformado com a decisão, o secretário-geral do PSD à data, José Silvano, recorreu ao Tribunal Constitucional, onde o processo haveria de bater na trave. Mas apenas por razões formais: o TC não aceitou a impugnação por ter sido submetida na qualidade de dirigente nacional e não de militante.

Vencido na Jurisdição e sem conseguir travar o processo nos tribunais, a escolha de Rui Rio acabaria por não constar nos boletins de votos. Mário Constantino foi mesmo a votos. E ganhou as eleições em Barcelos.

Qualquer um pode impugnar listas na Justiça

O caso em Lisboa tem contornos diferentes, embora a história de Barcelos ajude a provar que há um problema jurídico quando a direção nacional do partido passa por cima das estruturas locais. É que em Lisboa, sabe a VISÃO, nem a concelhia nem a distrital irão tentar impugnar as escolhas de Montenegro.

O problema, explicam militantes do PSD conhecedores dos estatutos, é que essa violação pode levar qualquer um (militante ou não) a ir aos tribunais contestar a legalidade das listas sociais-democratas no concelho de Lisboa. Caso isso aconteça no último dia do prazo legal da entrega de listas, o problema poderá ser inultrapassável.

O Institute for Public Policy Research (IPPR) do Reino Unido revelou um estudo no qual conclui que a Inteligência Artificial já está a mudar a sociedade como a conhecemos. Milhares de britânicos estão a recorrer a aplicações como a Character.AI ou a Replika para terem acesso a ‘namoros’ potenciadas por Inteligência Artificial. Só na primeira estão registados mais de 930 mil cidadãos britânicos que podem criar as suas personagens com base em modelos predefinidos, como ‘Namorado Popular’, ‘Namorado Abusivo’ ou ‘Namorado Mafioso’ e manter um relacionamento com um parceiro virtual.

A organização alerta que “embora estas companhias possam fornecer apoio emocional, também trazem riscos de adição e potencialmente impactos psicológicos de longo prazo, especialmente para os mais jovens”, cita o The Telegraph.

Em todo o mundo, a Replika conta com 30 milhões de utilizadores, enquanto a Character.AI tem 20 milhões, a maior parte pertencente à Gen Z. Esta última plataforma foi processada no ano passado por uma mãe cujo filho de 14 anos se suicidou depois de ter passado horas a falar com um destes chatbots. Desde então, a empresa reforçou os controlos parentais, mas o caso ainda prossegue em tribunal.

O estudo revela ainda que este tipo de comportamentos, de procurar companhia em assistentes virtuais, agravou-se nos últimos tempos, com as pessoas a isolarem-se cada vez mais. A Campaign to End Loneliness descobriu que 7,1% da população na Grã-Bretanha sofria de ‘solidão crónica’, o que equivale a dizer que se sentem sós “muitas vezes ou sempre”, um número acima dos 6% registados em 2020.

O relatório da IPPR pede que seja conduzido um debate na sociedade onde se definam o tipo de interações que se pretende que os assistentes virtuais com IA mantenham com os utilizadores humanos. “A tecnologia IA pode ter um impacto sísmico na economia e na sociedade: vai transformar trabalhos, destruir antigos, criar novos e fomentar o desenvolvimento de novos produtos e serviços e permitir-nos fazer coisas que não podíamos fazer antes. Dado o seu imenso potencial para a mudança, é importante orientarmos a solução para nos ajudar a resolver grandes problemas da sociedade”, conta Carsten Jung, do IPPR.