1. Tínhamos uma reunião do nosso curso no sábado, 18 de outubro, em Coimbra. Na quarta, 15, mandei-lhe um email: curto e solidário, mas procurando afastar qualquer tom emocional, inadequado ou mesmo impróprio dado o seu grave estado de saúde, que eu confirmara por outras vias, após ele não ter atendido duas chamadas minhas. O que no essencial lhe queria dizer, da forma mais simples possível, era que todos na reunião o lembraríamos, sentiríamos muito a sua falta. E terminava: “Poupa-te, não respondas a este email”.

No dia seguinte a meio da tarde, com surpresa, satisfação e preocupação misturadas, recebi um telefonema seu, do (Álvaro) Laborinho (Lúcio). Com a voz sumida, falando baixo e tentando disfarçar o esforço para o fazer, já não internado, contou-me como estava, sem pormenores, sem uma imprecação ou um queixume. Pelo contrário, ele é que parecia querer “animar” o colega e velho amigo, que julgo supunha informado da gravidade do seu estado, embora não o deixasse transparecer. E logo uma história à Laborinho: falara com o seu editor, e também amigo, o Francisco José Viegas, e dissera-lhe ter duas notícias para lhe dar, uma boa e outra má – a boa é que já não estava internado no hospital, a má é que estava a escrever um novo romance…

2. Claro que não era altura para lhe fazer perguntas sobre o romance. Referi estar na Póvoa e a caminho da apresentação de um livro meu intitulado A Alma da Póvoa, que lhe iria enviar, até por ter matéria que indiretamente lhe “tocava”. E ele, confessando-se já cansado – “falar custa-me muito” -,  ainda me disse, com um aparente sinal positivo e de esperança, esta frase de certo  modo enigmática que não esquecerei: “Ontem já toquei piano com a mão esquerda”…

Poucos dias depois, quando lhe escrevia a perguntar o endereço para onde enviar aquele livro, recebi a triste notícia da sua morte. Tinha um cancro do esófago, por isso lhe custava muito falar. Mas até ao limite correspondeu ao que lhe solicitavam, em particular os imensos convites para intervir, como só ele sabia, sobre os muitos temas que lhe interessavam e dominava. Convidado como cidadão, como jurista e magistrado, como homem de cultura, em particular ligado ao teatro – e na última dúzia de anos talvez sobretudo como escritor, lá irei.

3. O Alma da Póvoa tem a ver indiretamente com o Laborinho porque um dos seus textos é sobre o Manuel Lopes (1943-2006), também referido em outros, uma figura singularíssima, que foi diretor do Museu, da Biblioteca, etc., e deixou à terra, à Câmara, os seus milhares de livros e até a sua casa. Casa onde desde há dois ou três anos, para um máximo de 20/25 pessoas por sessão, é representada uma peça sobre ele, ML. Que era anão, enquanto o Laborinho tinha cerca de 1,80 m. de altura – e interpretava excelentemente a “personagem” do Lopinhos, como lhe chamavam!  Uma última (a)mostra do seu grande talento também como ator, da sua disponibilidade para tudo que tinha a ver com arte, cultura, cidadania; da sua humildade, no melhor sentido, durante as Correntes d’Escritas fazendo inclusive mais de uma representação por dia.

Outro dos seus interesses e talentos era na área da música e do folclore. Assim, no nosso tempo de Coimbra, foi dirigente do Grupo Universitário de Danças Regionais (GUDRE), onde aprendeu a tocar concertina e sobretudo era o bailador nº 1 do Vira da Nazaré, sua terra natal, onde era enormemente respeitado, admirado, popularíssimo.

4. E se falei nas Correntes d’Escritas, em que desde há anos era como escritor participante indispensável, recordo que três anos antes de publicar o seu primeiro romance, em 2011, já ali fizera a chamada “conferência” inaugural – depois de Eduardo Lourenço, Agustina Bessa-Luís, Nélida Piñon, Eduardo Prado Coelho, Marcelo Rebelo de Sousa…

Lembrei-me de em nome da organização, a Câmara da Póvoa, o convidar, não por já ter sido, por exemplo, o diretor do Centro de Estudos Judiciários, que deu a volta e marcou o início de uma nova época na formação de magistrados; e/ou o secretário de Estado e ministro da Justiça, que defendeu uma forma mais aberta, inteligente, “humanista” – e, assim, mais “justa” -, de a encarar nos seus múltiplos aspetos e setores. Tentando levar à prática o que para isso pudesse contribuir, o que ficou muito longe do que desejava, e não frutificando “sementes” que deixou: como infelizmente na Justiça por sistema tem acontecido, com as perniciosas consequências que se conhecem (sobre a sua ação no setor ler o artigo de Maximiano do Vale no nosso site).

Se não por isto, porque convidar então o Laborinho? Porque, embora sem esquecer o jurista e magistrado com atividade pública relevante, conhecia bem os seus outros dons e talentos. Entre os quais avultava uma capacidade rara de analisar e/ou discorrer sobre factos, acontecimentos, questões, a partir de ângulos e de uma visão diferentes; a capacidade de interrelacionar as coisas, problematizar, dar novas pistas para as apreciar ou mesmo iluminar. Sempre sabendo “dizer”, numa linguagem e de uma maneira atrativa, envolvente, que prendia a atenção e suscitava a empatia. Por isso, usando uma palavra frequente do Eduardo Lourenço nas nossas conversas, quando o Laborinho se lamentava dos numerosos compromissos que era incapaz de recusar, eu dizia-lhe: “Pois, tu és ótimo de paleio”…

5. Nas notícias sobre a sua morte – em Coimbra, a 23 de outubro, com 83 anos -, e posteriores artigos a seu respeito, é naturalmente muito recordado o ministro de um governo de Cavaco Silva, na primeira metade da década de 80; mas é pouco lembrado o ministro da República para os Açores, entre 2003-2006, nomeado por Jorge Sampaio. E se agora o saliento é pelo que fez, não por também nos Açores ser ministro, o que para mim não tem importância nenhuma, nem por ter sido escolhido por um Presidente socialista, e como Sampaio, o que já tem significado.

Pelo que fez, demonstrando que a relevância dos cargos depende também das pessoas que os ocupam. O cargo, muito contestado, era tido como uma inutilidade. Pois ele, Laborinho, promoveu  um extraordinário Congresso da Cidadania, que teve sessões nas nove ilhas e nos 19 concelhos da região, com intervenções de destacadas personalidades de vários setores, seguidas de debate. Um Congresso sem paralelo mesmo a nível nacional, e agora lamentavelmente esquecido no que sobre Laborinho se escreveu nos próprios Açores!

6. Enfim, o (Álvaro) Laborinho (Lúcio) esteve empenhado e teve ação muito relevante em numerosas instituições, em cargos que ocupou, comissões a que pertenceu, etc. Da área do Direito à da intervenção social, da defesa dos direitos das crianças à educação, da autarquia da Nazaré ao CCB e a membro da comissão da Igreja para apurar os abusos sexuais do clero.

Mas, como indispensável, uma nota ainda sobre o escritor. Já publicara diversos livros na área do Direito, em alguns dos quais o pendor literário transparecia – em particular O Julgamento: uma narrativa crítica da justiça. Que é de 2012. E dois anos depois, com 72 anos, teve a coragem de se “estrear” mesmo como romancista. Fui necessariamente das primeiras pessoas a lê-lo, porque fui quem o “apresentou”. Intitula-se O Chamador e lembro-me bem do “autor”, com a sua inconfundível graça, dizer que “era um escritor com um futuro cheio de passado”…  Fazia depender do acolhimento que tivesse essa primeira ficção o continuar ou não. E, como se impunha, continuou: mais quatro romances, e o que estava agora a escrever. Faz-nos muita falta, na tão rica diversidade de tudo e do todo que era. 

Há dois anos, indicava a Pordata, havia mais de um milhão de portugueses a viverem sozinhos, um número que duplicou desde o ano 2000. É uma tendência generalizada dos países mais desenvolvidos, com menos casamentos, mais jovens a formar as chamadas famílias unipessoais. Sair de casa dos pais quando se começa a trabalhar, ir viver sozinho antes de juntar os trapos com um companheiro ou uma companheira… Uma experiência preciosa, de grande crescimento pessoal.

Não é para todos, infelizmente, nem para muitos sequer. Em Portugal, poucos conseguem pagar, sozinhos, uma renda ou mesmo comprar casa em “início de vida”. Por cá, a tendência também existe, sim, mas a maioria desse milhão que vive sozinho são os idosos (55%). O prolongamento da vida e a consequente viuvez determinam essa vivência a solo, que na teoria nada devia ter a ver com a solidão, mas que na prática tem porque estamos a falar de idosos que vivem cada vez mais isolados socialmente.

Também temos os divórcios a aumentar o número dos agregados unipessoais, mas o facto é que, para as novas gerações (e não só), encontrar um teto para se estar só é tarefa quase impossível.

Os últimos dados do Instituto Nacional de Estatística, de 22 de outubro, mostram que o preço médio do metro quadrado em Portugal está agora nos €2 089, uma subida de quase 20% num ano. Esta é a média do País. Em Lisboa, paga-se o metro quadrado a €4 865 e no Porto a €3 309. Cascais, Oeiras, Odivelas e Almada, só para falar dos municípios mais populosos, estão todos acima dos €3 000/m²

Quer isto dizer que um apartamento de 80 m² no concelho de Lisboa custa, em média, €390 mil e, no Porto, €265 mil.

Um relatório do Conselho Europeu divulgado na semana passado mostra que Lisboa é a cidade da União Europeia onde o esforço para pagar casa é maior em relação ao salário médio. Na capital, o preço das habitações corresponde a 116% do salário médio. Por isso, não, um salário não chega para ter casa. Em Barcelona e Madrid, a habitação corresponde a um rácio de 74% do salário médio, mas bom mesmo é ir viver para Viena (37%), Frankfurt (34%) ou Helsínquia (35%).

Faltam casas por toda a Europa, mas o flagelo é bem mais visível em Portugal. Segundo o portal Idealista, no que diz respeito às vendas, 12% da oferta fica menos de sete dias no mercado. Em Faro, estas vendas expresso chegam aos 21%. Em Lisboa, metade da oferta vende-se em menos de três meses.

Os preços são altos, mas há compradores. E os sucessivos governos insistem na medida número um para fazer face à situação: construir mais. É a clássica lei da oferta e da procura: quanto mais oferta, mais os preços tendem a estabilizar. Só que não. Na segunda-feira, uma investigação do jornal Público mostrava que as regiões onde houve um maior aumento da construção foram aquelas onde também os preços mais subiram. Caso da Área Metropolitana do Porto, da Região Autónoma da Madeira ou da zona Oeste.

A economia, esquecemos muitas vezes, não é uma ciência exata, às vezes parece tão incerta como a meteorologia e só ligeiramente mais fidedigna do que a astrologia. Tal como nas previsões dos signos, especula-se muito nestas bolhas imobiliárias.

Podemos até gastar todas as nossas energias a discutir a burca de meia dúzia de mulheres no espaço público, mas talvez fosse mais avisado colocar o foco a procurar alguém a quem possamos fazer uma das mais importantes perguntas das nossas vidas: “Queres dividir a renda comigo?”

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Há duas décadas que o mundo se prepara para um mais do que provável embate entre a China e os Estados Unidos da América, em consequência de um movimento cada vez mais evidente: ao mesmo tempo que Pequim vai ganhando maior poder e influência no mundo, Washington não esconde sinais de declínio em relação ao domínio que chegou a ter, globalmente, no final da Guerra Fria. E, com Trump, a América parece ter até desistido do papel que ocupou, desde o final da II Guerra Mundial, como centro da ordem mundial.

No entanto, apesar de se moverem em direções opostos, a China e os EUA têm grande parte do seu destino partilhado, num mundo global, em que o intercâmbio comercial pode ter o poder superior a muitas armas de fogo – até porque consegue destruir economias mais eficazmente do que um arsenal de bombas convencionais.

Após meses de escalada verbal e de ameaças mútuas, tudo indica que está prestes a iniciar-se uma trégua entre as duas maiores potências da atualidade, superando as minicrises que têm marcado as relações entre os dois, desde o regresso de Trump ao poder.

Encontros Com Obama, a China estabeleceu pactos importantes, como a estratégia que conduziu ao Acordo de Paris sobre alterações climáticas. Mas tanto com Biden como com Trump, as relações com Xi Jinping foram marcadas por várias tensões

“Ambos os líderes querem um acordo e penso que alguma coisa terá de ser alcançado”, afirmou o cientista político Ian Bremmer, numa conferência no Japão, após regressar de uma viagem a Pequim, antecipando o encontro entre Xi Jinping e Donald Trump, na quinta-feira, 30, à margem da cimeira da Cooperação Económica Ásia-Pacífico (APEC), em Gyeongju, na Coreia do Sul.

“Isto está a acontecer porque Pequim forçou Trump a desistir das ameaças de uma guerra comercial total, usando o seu domínio do mercado global e da cadeia de abastecimento de minerais críticos e terras raras”, explicou. “Utilizaram também uma dose saudável de paciência estratégica chinesa e persuadiram Trump de que a China tem um verdadeiro poder de negociação. Em resposta, o Presidente Trump deixou claro aos falcões do comércio na sua própria administração que, até Washington conseguir desenvolver uma estratégia alternativa para estes minerais importantíssimos, o que levará mais tempo do que Trump imagina, os americanos devem tentar evitar um conflito direto com a China.”

Por outro lado, o mesmo analista considera que a disponibilidade manifestada por Xi para se encontrar com Trump, mesmo antes de existir um caminho claro para o acordo, significa uma mudança na forma como Pequim pretende lidar com o atual poder americano. “A China está disponível para negociar com Trump e sabe que ele também quer negociar”, sublinha.

Prontos para a trégua?

Para que o encontro entre os dois líderes possa ter os efeitos pretendidos nas opiniões públicas dos dois países, desenvolveram-se intensas negociações diplomáticas nos últimos dias para se procurarem pontos de entendimento e que possam, em simultâneo, transmitir sinais de apaziguamento a uns mercados cada vez mais tensos e ansiosos.

O secretário do Tesouro dos EUA, Scott Bessent, disse que nas negociações realizadas em Kuala Lumpur, durante a cimeira da ASEAN, os EUA decidiram retirar a ameaça de tarifas de 130% sobre as importações chinesas, que deveriam entrar em vigor a partir de 1 de novembro. Em contrapartida, Bessent disse esperar que a China adie, durante um ano, a sua ameaça de impedir a exportação de minerais e terras raras, essenciais para a indústria tecnológica dos EUA.

O mesmo responsável também adiantou que a China vai voltar a fazer compras substanciais de soja produzida nos EUA, depois de não ter comprado nada em setembro, optando antes pelo Brasil e pela Argentina.

Um dos grandes desejos de Donald Trump é conseguir finalizar um acordo com Xi Jiping acerca da propriedade do TikTok – a rede social que tentou encerrar no primeiro mandato, mas que agora procura desesperadamente comprar, ao perceber a influência que os seus vídeos curtos têm sobre os eleitores e as populações.

Evitar os atritos

Seja qual for a extensão do acordo que os dois líderes possam rubricar, a grande dúvida é sobre quanto tempo o mesmo poderá durar, tendo em conta a habitual imprevisibilidade de Trump e a atitude sempre reservada de Xi. Ou seja, dois líderes de quem é muito difícil adivinhar qual será o seu próximo passo.

Por isso mesmo, Stephen Olson, um ex-negociador dos EUA e que é agora investigador em Singapura, prevê que o mundo possa estar a assistir uma “lua de mel curta”.

“Ambos vão querer entrar na reunião parecendo fortes, mas também ambos desejam não ter de cruzar nenhuma linha vermelha que possa estragar o encontro”, afirmou. “O mais certo é que consigam entender-se nalguns pontos necessários para os dois, mas sem pretenderem desenvolver um novo relacionamento abrangente e duradouro”, sublinhou.

O mais certo é que Xi e Trump consigam entender-se nalguns pontos úteis para os dois, mas sem pretenderem desenvolver um novo relacionamento abrangente e duradouro

Por outro lado, mesmo que um acordo seja assinado, ninguém sabe quanto tempo ele poderá durar, tendo em conta o histórico recente de Donald Trump. Segundo a revista Forbes, o Presidente dos EUA mudou de ideia 28 vezes em relação às tarifas propostas desde o anúncio do “Dia da Libertação” a 2 de abril até 14 de julho. E não tem parado, como se viu ainda há poucos dias, quando decidiu aumentar o “castigo” sobre o Canadá… por causa do governo de Ontário ter emitido um anúncio antitarifas, usando imagens de Ronald Reagan.

De qualquer modo, Trump tem tentado demonstrar que este encontro na Coreia do Sul pode ser o início de um novo tipo de relacionamento com Pequim. O Presidente dos EUA já se mostrou disponível para ir à China no próximo ano em visita oficial, e não se tem cansado de convidar Xi Jinping para que retribua esse gesto, e aceitar deslocar-se aos EUA.

No entanto, há uma dinâmica de colisão entre os dois países, que dura há mais de 20 anos, e que não desaparecerá por causa de uns quantos encontros bilaterais. Ambos, na verdade, o que pretendem é cortar a interdependência que ainda possa existir entre as duas economias. E, aos poucos, tentarem viver quase em universos separados, sem pontos de contacto. Para isso, precisam de ganhar tempo. E os encontros entre líderes também servem esse propósito.

Adversários ou parceiros?

Desde que se tornou o principal líder da China em 2012, Xi Jinping encontrou-se uma dúzia de vezes com presidentes dos EUA – Barack Obama, Donald Trump e Joe Biden

Xi-Obama I
junho de 2013
Cimeira de Sunnylands (Califórnia)

Lançamento de um “novo modelo de relação entre os principais países” baseado no respeito mútuo e na não confrontação. Acordo para cooperar no domínio das alterações climáticas e pressionar a Coreia do Norte a desnuclearizar-se.

Xi-Obama II
setembro de 2015
Visita de Estado a Washington

Declaração conjunta sobre as alterações climáticas, abrindo caminho para o Acordo de Paris de 2015. Acordo sobre cibersegurança. Reafirmação da política de uma só China.

Xi-Obama III
setembro de 2016
Cimeira do G20 em Hangzhou

Ambas as nações ratificaram oficialmente o Acordo de Paris sobre o clima. Reforço da coordenação de política económica (foto 1)

Período Xi-Trump I
abril de 2017
Cimeira de Mar-a-Lago

Acordo num plano para expandir as exportações dos EUA para a China. Cooperação na pressão sobre a Coreia do Norte.

Xi-Trump II
novembro de 2017
Visita de Estado a Pequim

Acordos comerciais para a aquisição de energia e tecnologia, por parte da China. EUA reafirmam a cooperação no combate ao contrabando de opiáceos e no controlo do fentanil. (foto 3)

Xi-Trump III
dezembro de 2018
Cimeira do G20, em Buenos Aires

Trégua temporária na guerra comercial, com suspensão de tarifas adicionais.

Xi-Trump IV
junho de 2019
Cimeira do G20, em Osaka

Acordo para retomarem negociações comerciais. Discussão sobre tecnologia 5G e as restrições à segurança nacional.

Xi-Biden I
novembro de 2021
Cimeira virtual

Acordo para estabelecer “barreiras de proteção” para evitar confrontos militares. Discutiram Taiwan, os direitos humanos e a estabilidade estratégica, sem que tenham sido anunciados acordos formais. (foto 2)

Xi-Biden II
novembro de 2023
Cimeira da APEC, em São Francisco

Restabelecimento dos canais de comunicação entre militares, congelados desde 2022. Criação de grupos de trabalho conjuntos sobre o tráfico de fentanil e a cooperação climática.

Xi-Biden III
novembro de 2024
Cimeira da APEC, em Lima

Primeira declaração conjunta sobre a segurança nuclear da IA.

Xi-Trump V
outubro de 2025
Cimeira da APEC, em Gyeongju (Coreia do Sul)

Em discussão as tarifas, as exportações de terras raras e de soja, e todos os assuntos que têm feito escalar a tensão entre os dois países – incluindo o destino do TikTok fora da China.

Palavras-chave:

Uma das causas da crise da democracia é a falta de confiança nas instituições. A que se soma a perda crescente do sentido de comunidade entre a população, muito instigada pela apropriação dos mecanismos de decisão por parte de determinadas elites económicas, políticas e burocráticas, bem como pelo discurso divisor dos populistas, sempre interessados na destruição das estruturas democráticas e na sua substituição por formas autoritárias de poder.

Com o espírito comunitário enfraquecido e, com o que resta dele, a ser disputado e dividido por vários atores com propostas inconciliáveis, os atos eleitorais passaram a ser vistos, por grandes franjas da população, como irrelevantes ou apenas como forma de protesto. Servem, muitas vezes, só para “contar cabeças”, mas não têm subjacente, para a maioria das pessoas, a criação de uma solução estável e duradoura de governo, seja ele nacional ou local. E a participação nas eleições vai diminuindo e, na maior parte dos casos, esgota-se no momento em que o voto é depositado na urna, como se nada mais pudéssemos fazer a seguir – a não ser alistarmo-nos também na coluna dos descontentes…

Algo diferente acontece, no entanto, quando o sentimento de pertença a uma mesma comunidade se mantém elevado. Vimos isso em alguns locais nas últimas eleições legislativas e assistimos, agora, a algo semelhante nas eleições para a presidência do SL Benfica, como também já tinha acontecido nas do FC Porto: uma forte subida da participação eleitoral, proporcionando até imagens que há muito não se viam, como a de ter centenas de pessoas ordeiramente à chuva, numa longa fila para votar. E isso é algo que deve fazer-nos pensar.

Primeiro que tudo, não menosprezemos a importância de ver milhares de pessoas a participar, com empenho e determinação, numa eleição. Mais do que terem batido o recorde mundial de participação em eleições para um clube desportivo, o que os sócios do SL Benfica demonstraram foi, antes de tudo, o seu respeito por eleições democráticas e livres. E isso não é coisa pouca nos tempos que correm, em que crescem cada vez mais descaradamente os apelos de regresso ao passado – ao tempo em que não havia nem eleições nem liberdade. E quando alguém, que até ganhou fama a falar pelo clube, aproveita agora todos os momentos de exposição mediática a pedir “três Salazares”, convinha que os sócios do Benfica não tivessem memória curta: em 1942 bastou “um Salazar” para proibir o hino então oficial do clube, intitulado Avante, Avante P’lo Benfica. E, durante anos, as assembleias gerais do Benfica foram vigiadas de perto por agentes da PIDE, sempre em busca de subversivos. Nos mesmos anos em que o resultado de eleições toleradas em sindicatos ou em associações de estudantes era rapidamente virado do avesso, com a destituição e até a detenção dos eleitos, por serem considerados inimigos do regime.

Liberdade e eleições livres foram, a par do apelo para o fim da Guerra Colonial, as principais palavras de ordem gritadas a plenos pulmões nas ruas e praças portuguesas, nos dias seguintes ao 25 de Abril. Nesses tempos, esses slogans foram suficientes para unir um povo, criar um sentido de comunidade por uma causa comum.

Agora, a cada dia que passa, os algoritmos e os populistas esforçam-se permanentemente por nos retirar o que ainda pode restar dessa noção de comunidade, preocupados que estão apenas a arranjar argumentos para nos virar uns contra os outros, a inventar novos inimigos, a criar novos focos de controvérsia e polarização.

Ao menos, nas recentes eleições dos clubes desportivos, mesmo com muitas divisões e as mesmas tentativas de polarização, até com muito “jogo sujo” pelo meio, há uma comunidade que se preserva e que as eleições livres até ajudam a cimentar. Há respeito pelo resultado do voto e há, no fim, um mesmo propósito de procurar que o clube seja campeão – mesmo que os recetores dos votos não marquem golos.

Podemos argumentar que isso só acontece porque ali quem vota são os sócios, aqueles que pagam quota e vibram, quase sempre emocionalmente, pelo emblema que apoiam. A verdade é que, se pensarmos bem, também nós somos todos sócios do País – e pagantes, não com quotas, mas com impostos. Isso, só por si, deveria ser um impulso para fomentar os nossos laços de comunidade – construída, como acontece nas melhores equipas de futebol – com o acolhimento de todos, independentemente da sua cor, da sua etnia ou do seu credo. Se o fizermos, podemos ser todos campeões.

Palavras-chave:

TASIS TASIS Portugal, Sintra (2020)

*The American School In Switzerland (TASIS) foi fundada por Crist Fleming, em Montagnola, perto de Lugano, na Suíça, em 1956.

*Atualmente, além da escola original e do campus em Sintra, tem escolas no Reino Unido e em Porto Rico.

*Instalada numa grande parte do antigo Centro Comercial Beloura, a TASIS Portugal é o quarto campus do grupo.

THE SCHOOLS TRUST
British School of Lisbon, Lisboa (2019)*É uma organização de beneficência registada no Reino Unido, que já teve outras 14 escolas na Ásia, na Europa e na América do Sul.

*Tem escolas também em Espanha, na Lituânia e na Indonésia (Bali e Jacarta).

*Em Lisboa, começou por abrir um campus perto do Cais do Sodré; em 2024, abriu um segundo campus dentro dum terreno do clube de futebol Os Belenenses, um pouco acima do estádio principal.

INSPIRED EDUCATION

PaRK International School, com campus em Alfragide, Cascais, Praça de Espanha e Restelo (2018), St. Peter’s International School, Palmela (2019), Colégio Internacional de Vilamoura, Loulé (2024), King’s College School, Cascais (2025)

*O grupo foi fundado pelo anglo-libanês Nadim M. Nsouli, em 2013.

*Tem 120 escolas, nos seis continentes (mais de 50 são na Europa).

*Em Portugal, investiu 75 milhões de euros na abertura do King’s e, daqui a um ano, deverá abrir o primeiro edifício pensado de raiz para o Ensino Secundário internacional no País.

FORFAR EDUCATION
Colégio do Vale, Charneca de Caparica (2024), Escola Internacional de Torres Vedras (2025)*É um grupo escolar britânico, fundado por John Forsyth, em 2016.

*Tem 16 escolas e infantários, também no Reino Unido, em Espanha e em Andorra.

*O campus de Torres Vedras será em breve alvo de melhorias, incluindo espaços ao ar livre e áreas de aprendizagem de aventura, seguindo o modelo Forest School. Os novos proprietários irão introduzir o Cambridge A Levels e a opção de diploma duplo.

ARTEMIS EDUCATION
The Lisboan, Lisboa (2025)*O grupo foi criado por Niall Brennan, em 2019, mais de três décadas depois de a sua mãe, Heather, ter fundado a Park House English School, no Qatar.

*Tem três escolas em Doha, prepara-se para abrir mais duas no Médio Oriente e para anunciar a entrada em Espanha, em Itália e na Áustria.

*Em Portugal, onde investiu 75 milhões de euros na abertura da escola em Lisboa, conta expandir-se para Cascais/Oeiras e Algarve.

DUKES EDUCATION
United Lisbon International School, Lisboa (2022), International Sharing School, Oeiras (2023), Colégio Júlio Dinis, Porto (2023), Colégio Luso Internacional de Braga (2025)*É uma rede de escolas criada por Aatif Hassan, em 2015, no Reino Unido.

*O grupo tem ainda escolas na Croácia, na Chéquia, na Grécia, na Irlanda, na Polónia, na Roménia, em Espanha e na Suíça.

*A escola de Lisboa, fundada por Roman e Chitra Stern (Grupo Martinhal), em 2021, foi o primeiro investimento fora do Reino Unido.

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Pedro Santa Clara: “Os pais querem dar um passaporte aos filhos para irem daqui para fora’’

Depois de liderar a construção do campus da Nova SBE em Carcavelos, onde dá aulas de Finanças, fundou o TUMO Portugal e a Escola 42, dois projetos de ensino gratuitos.

Vê a quebra da qualidade da escola pública como uma das explicações para a procura dos colégios internacionais por parte dos portugueses.

Como fundador do TUMO e da Escola 42, como analisa a abertura de tantas escolas internacionais no nosso país?
Este é um tema muito interessante, porque é evidente que há um boom extraordinário. Temos hoje grandes grupos de educação internacionais a investir em Portugal, que começaram com a compra da PaRK [International School]. Nos últimos cinco anos, devem ter aberto umas 12 escolas internacionais e o investimento é colossal. Mas o fenómeno não tem muito que ver connosco. O TUMO e a Escola 42 são projetos com uma grande preocupação de inclusão social. E os nossos alunos não são especificamente internacionais.Na Escola 42, a língua é oinglês, mas a maioria dos alunos é portuguesa.

Estas escolas com currículos não nacionais também têm uma grande percentagem de alunos portugueses. Aliás, eles estão em maioria.
Sim, o fenómeno é fascinante no que reflete de estrangeiros de nível elevado a viver em Portugal, mas também na procura de famílias portuguesas a querer dar um passaporte aos filhos para irem daqui para fora – o que é bom e mau. Obviamente, dá-lhes mundo, mas põe muito em causa o futuro do País. O TUMO, que se enquadra nessas idades, nos teenage years, de certa maneira até vai no sentido contrário.

Parece-lhe que este boom pode ter impacto na escola pública portuguesa? Na Saúde, vimos como a fuga para o privado impactou o SNS.
Não sei se ele tem escala para ter impacto, mas o boom das escolas internacionais também é um boom do privado. Quando 25% dos mais ricos do País mandam os filhos para o privado, isso impacta a escola pública. É exatamente como aconteceu com a Saúde, por causa da quebra de qualidade do SNS. Na Educação, muitos portugueses estão a pagar duas vezes: pagam nos impostos e no privado. Além disso, quando a escola pública perde as várias origens sociais, todos perdemos.

Faz sentido.
O economista Raj Chetty, professor em Harvard, diz que a única coisa que funciona para a mobilidade social é misturar miúdos de várias origens sociais na escola ou em experiências intensas, onde fazem networking e partilham aspirações. Mas a nossa escola pública tornou-se completamente segregada, existe um apartheid. Como o acesso é maioritariamente pelo lugar de residência, pelo código postal, acabamos a ter escolas públicas como o [antigo liceu D.] Filipa de Lencastre, em Lisboa, que são como colégios privados, enquanto as escolas que estão nos piores bairros são muito fracas – e o mesmo acontece em Coimbra ou no Porto. Portugal tem uma mobilidade social baixíssima. A sociedade está toda em bolhas que não se tocam. Penso que é o problema mais grave do País e fonte da falta de esperança das pessoas. Se leva cinco gerações a passar do percentil 20 para o 50…

Os portugueses do pós-25 de Abril já não são raquíticos.
Pois não, mas a mobilidade social não melhorou. Esse é um dos grandes falhanços dos últimos 50 anos.

E o TUMO visa combater o apartheid de que fala?
Um dos grandes objetivos do TUMO é que metade dos miúdos sejam dos setores mais vulneráveis da sociedade. Os betos vêm pelo seu próprio pé, inscrevem-se sozinhos. Nós fazemos muito esforço para trazer os outros e temos tido sucesso a juntá-los. Acreditamos que é dessa mistura que vem a mobilidade social.

Corre-se o risco de ver as escolas internacionais a cavar ainda mais o fosso em Portugal?
Temos de falar destas coisas com algum cuidado. É fácil cair no maniqueísmo e dizer que a culpa é das escolas privadas ou das internacionais. A culpa é muito da escola pública que não soube manter a qualidade e se abandalhou muito. Temos faltas de professores inacreditáveis – muito além das greves, temos as baixas… Em última análise, é por ela ser gerida de uma forma soviética, centralizada. Costumo pedir para imaginarem que tínhamos um Ministério do Pão que gerisse cinco mil padarias, alocava os 130 mil padeiros a essas padarias, dizia que tipo de pão podiam produzir e dizia que as pessoas só podiam comprar pão na padaria do seu bairro. De dia para dia, íamos ter os padeiros desmotivados e a qualidade do pão seria péssima.

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Ao vivo, Aleksandar e Nikola Marinkovic são dois irmãos adolescentes típicos que não se ensaiam nada para gozar um com o outro à frente dos jornalistas acabados de conhecer. “A sério que fazem inspeção ao teu quarto todas as manhãs?! Ah, eles nunca vão ao meu, porque já sabem que está sempre arrumado”, arma-se em bom o mais velho, desatando ambos a rir.

São quatro e meia da tarde de uma sexta-feira. Estamos sentados numa das zonas com sofás da luminosa sala comum do 5º andar da novíssima King’s College School, em Cascais, onde nos tempos livres os alunos em regime de internato se juntam para conversar, ver filmes ou jogar bilhar e matraquilhos.

Impactante O projeto do gabinete de arquitetura Promontório para a novíssima King’s tem ainda mais força do que o adjetivo

No canto oposto, há uma grande televisão desligada e grupinhos de raparigas e rapazes a partilhar reels de Instagram e a trocar mensagens. Uns minutos antes, tínhamo-los visto, um após outro, cumprimentar Graham Malkin, o head of boarding, estendendo-lhe umas pequenas bolsas, com um sistema de alarme semelhante aos das lojas de roupa, dentro das quais ficam os seus telemóveis durante todo o tempo das aulas.

“São miúdos como os outros”, sabe o “pai da casa”, a morar naquele mesmo piso, com a mulher e os três filhos. “A esta hora, se eu demorar dois minutos, forma-se logo uma fila”, conta, com uma gargalhada, enquanto vai desbloqueando rapidamente as bolsas.

Dali a pouco, a sessão fotográfica suspende por momentos o ar descontraído dos irmãos Marinkovic – e é fácil perceber porquê. É a primeira vez que Aleksandar, de 16 anos, e Nikola, de 14, filhos de uma norte-americana e de um sérvio, posam para uma newsmagazine portuguesa, além do mais com a farda oficial da escola que inclui blazer e um nó de gravata bem apertado.

Em cima dos ombros têm ainda a responsabilidade de serem dois dos novos 18 bolseiros do Inspired Education Group, um grupo internacional de educação, fundado pelo anglo-libanês Nadim M. Nsouli, em 2013, que hoje reúne mais de 95 mil alunos em 120 escolas, espalhadas pelos seis continentes. Ainda assim, divertem-se a inventar poses na sala e no quarto que o mais velho partilha com um colega turco.

À ESPERA DAS CHEERLEADERS

Nem há dois meses, Aleksandar e Nikola estavam em Belgrado, com os pais e os dois irmãos mais novos, a fazer as malas para se estrearem num ano letivo inteiro fora de casa. Agora estão em Cascais, numa escola internacional que em maio fez manchetes nos média portugueses por causa do investimento no campus: 75 milhões de euros.

Ocupando uma área de quatro hectares, a algumas rotundas de distância do acesso à A5, o projeto desenvolvido pelo gabinete de arquitetura Promontório inclui dois ginásios, uma piscina interior e um auditório, além das salas de aula, dos laboratórios de ciências, das salas acústicas para a prática musical e dos espaços de artes performativas para dança e teatro.

No exterior, há agora campos de futebol, râguebi, ténis e paddle. Quando passamos junto a um dos relvados, temos a sensação de que pode estar prestes a entrar um grupo de cheerleaders.

KING’S COLLEGE

Abriu este ano em Cascais, com opção de internato

Um campus de 75 milhões

Não há como escapar ao valor, impressionante, que representou o investimento do grupo Inspired só nesta escola, em Portugal, embora John Leitão, o CEO, realce que “mais importante do que os milhões, é dar uma experiência verdadeiramente única aos alunos”.

As infraestruturas da King’s são incríveis. Ocupando uma área de quatro hectares, a algumas rotundas de distância do acesso à A5, tem dois ginásios, uma piscina interior e um auditório, além das salas de aula, laboratórios de ciências, salas acústicas para a prática musical e espaços de artes performativas para dança e teatro. E, no exterior, há campos de futebol, râguebi, ténis e paddle.

No interior, cruzamo-nos na escadaria com vários grupos de pais a olhar em volta. É uma constante, dizem-nos. Desde que a King’s abriu portas, em setembro, têm-se multiplicado as visitas de potenciais interessados em inscrever ali os seus filhos – “portugueses e estrangeiros”, sublinha Filipa Félix da Costa, a responsável pelas admissões que vão poder acontecer o ano todo.

“A King’s impressiona, é difícil as outras escolas competirem”, avisara uns dias antes Nathalie Willis-Davis, dona da empresa de consultoria escolar Tendoria, que garante nunca ter tido tanto trabalho como agora, a ajudar os pais na escolha do colégio mais adequado para os seus filhos.

Filha de uma holandesa e de um francês, cresceu em Nova Iorque, estudou em Espanha, trabalhou em vários outros países da Europa, da Ásia e da América Latina. Mais recentemente, morou 11 anos em Londres e foi de lá que veio, em 2019, com o seu marido inglês e dois filhos, entretanto inscritos em duas escolas internacionais diferentes.

Pouco depois de chegar a Lisboa, fundou a Tendoria, trocando uma carreira em consultoria de gestão e moda de luxo pela consultoria escolar em Portugal e em Espanha. “Como mãe, vi a necessidade de um serviço como o meu”, diz.

MERCADO ‘A PIPOCAR’

Nathalie escolhe a escola, baseando-se no perfil académico da criança e nas necessidades familiares: localização, mensalidades (que oscilam basicamente entre os mil e os dois mil euros), currículo, objetivos educativos. “Os pais podem não estar muito interessados no lado académico e querer uma opção mais alternativa, uma Montessori, por exemplo, e eu dou-lhes todos os detalhes e informação que não está nos sites, é essa a minha vantagem porque todas as escolas têm a sua cultura própria e eu só falo daquelas que visitei pessoalmente”, garante.

Agora, a sua equipa da Tendoria faz um esforço para acompanhar tudo o que está a acontecer. “O mercado tem crescido exponencialmente e não me parece que vá abrandar, porque continuam a vir muitos estrangeiros para cá e também há famílias portuguesas interessadas em preparar os seus filhos para um mundo global. Portugal já tem 52 escolas internacionais e estão a chegar mais grandes grupos de educação”, lembra.

Uma das vantagens do ensino internacional é a educação muito mais holística do que a clássica educação portuguesa

“O mercado está a pipocar”, há de dizer-nos Filipa Félix da Costa, durante a visita à King’s. A expressão não podia ser mais acertada. Quem já fez pipocas viu como os grãos de milho parecem magicamente crescer e transformar-se, com estrondo, em algo maior e mais apetecível.

Sim, o mercado está “a pipocar” em Portugal – e há muito mais para lá daquilo que é imediatamente visível. São várias as negociações em curso, aquisições já concretizadas e novas inaugurações para breve, na região de Lisboa, no Porto, no Algarve e até na zona Oeste, protagonizadas por grupos estrangeiros que têm no seu portefólio escolas em vários pontos do mundo.

Em janeiro deste ano, o ISC Research (o principal fornecedor de dados, tendências e informações sobre escolas internacionais com ensino em inglês) anunciava que o mercado escolar internacional gerava 67,3 mil milhões de dólares (o equivalente a 57,8 mil milhões de euros) em receitas anuais totais com as mensalidades, representando um aumento de 22% desde janeiro de 2020.

CASAS À BOLEIA DAS ESCOLAS

Numa década, o número de escolas internacionais aumentou globalmente mais de 50%, escreveu-se, então, no Financial Times, lembrando que esse aumento tem estado a “aquecer” o mercado imobiliário: “Com o ensino privado no Reino Unido agora sujeito ao IVA, mais pais que procuram uma mudança de estilo de vida são atraídos para os bairros da moda que se formam na envolvente das escolas internacionais.”

A tendência “é particularmente acentuada em Portugal”, escreve a jornalista do FT, citando o conhecido The Good Schools Guide, que oferece conselhos e informações imparciais desde 1986. Apesar de terem sido alteradas as regras da atribuição dos chamados Vistos Gold, o guia relata um aumento recente no número de pais que procuram ajuda para encontrar escolas no País.

Jamie Robinson, diretor de vendas da QP Savills no Algarve, também aparece no artigo a afirmar que, há uma década, 90% das suas vendas a compradores britânicos eram casas de férias. “Agora, isso mudou, com cerca de 35% de habitações principais.”

Ainda segundo Robinson, as escolas têm respondido a esse aumento da procura. Tanto que ele estava a trabalhar com duas redes internacionais de educação para encontrar locais para novos campus no Algarve.

Não foi ao calhas que o Inspired decidiu comprar o Colégio Internacional de Vilamoura, em 2024, aproveitando o efeito do Brexit. Dois anos antes, o próprio fundador e CEO do grupo já tinha notado, ao jornal Eco, que algumas famílias que historicamente procuravam uma experiência de escola privada britânica já andavam então a olhar para a oferta escolar noutros países da União Europeia.

The Lisboan Frederico Valsassina transformou uma antiga fábrica de massas, em Alcântara, num colégio que é uma belezura. Foto: FRANCISCO ROMÃO PEREIRA

No Algarve, as escolas internacionais situam-se sobretudo no chamado Triângulo Dourado, entre Vilamoura, Almancil e os resorts da Quinta do Lago e Vale do Lobo, tão amado pelos britânicos. No resto do País, lideram Lisboa, o Porto e o litoral.

É do Reino Unido que vem o grupo Forfar Education, fundado e liderado pelo britânico John Forsyth, já desde o ano passado com um pé em Portugal. O grupo começou por comprar Colégio do Vale, em Almada, numa operação discreta, e no final de agosto anunciou ter juntado ao seu portefólio a Escola Internacional de Torres Vedras (EITV).

Forsyth não revelou o valor destes dois negócios, mas foi dizendo ao Jornal Económico que, nos próximos anos, tenciona investir “dois a três milhões de euros em despesas de capital” nas suas duas escolas em Portugal, “para apoiar o [seu] crescimento e a retenção das famílias”.

Para breve, prevê-se, por isso, que o campus de Torres Vedras seja alvo de melhorias, incluindo espaços ao ar livre e áreas de aprendizagem de aventura, seguindo o modelo Forest School, com o objetivo de “promover a educação para a sustentabilidade e o bem-estar dos alunos”, explicou.

Ainda segundo Forsyth, a integração da EITV no Forfar Education prevê igualmente oportunidades de mobilidade internacional e a expansão curricular, com a introdução dos Cambridge A Levels e a opção de diploma duplo, além do reforço dos programas de desenvolvimento pessoal Character Strenghts, Junior Dukes e Duke of Edinburgh’s Award.

EDUCAÇÃO HOLÍSTICA

Mas o primeiro grande grupo internacional de educação a entrar em Portugal foi o Inspired, no final de 2018, através da compra do grupo português PaRK International School, que tinha vários colégios na região de Lisboa.

Lançado em 2003, por Barbara Beck de Lancastre, o PaRK estava a construir um novo campus, em Alfragide, e já oferecia ensino bilingue nos primeiros dois ciclos e internacional a partir do 3º ciclo. “Pareceu-nos logo um negócio interessante”, recorda John Leitão, filho de uma inglesa e de um português, um dos sete CEO do grupo que, em 2019, comprou também a St. Peter’s International School, em Palmela, abrindo lá uma parte de internato.

De então para cá, o PaRK passou a poder lecionar o International Baccalaureate (o bacharelado internacional, mais conhecido como IB), no final do percurso escolar. E, em 2022, o ano em que o primeiro grupo de alunos graduados com o diploma IB obteve uma média de 35 pontos em 45, fechou-se o campus de Cascais para poder arrancar a construção da King’s.

A criança deve ter um sentimento de pertença, assumir a responsabilidade pela aprendizagem e ser encorajada a agir com coragem e propósito

Em 2024, ainda com o King’s em obras, o Inspired avançou rumo ao sul, comprando o Colégio Internacional de Vilamoura, no Algarve, como já se escreveu. Agora, mantém as baterias apontadas sobretudo à região de Lisboa, onde se prepara para inaugurar um edifício construído de raiz a pensar nos alunos do Secundário do universo PaRK. O norte não está, para já, no seu horizonte.

Segundo um balanço acabado de fazer, o grupo fundado por Nadim M. Nsouli investiu em Portugal mais de 300 milhões de euros, incluindo os 75 milhões no colégio de Cascais. E há mais 39 milhões de euros em investimentos em curso, mas nem é por aí que John Leitão gosta de ir.

“O lançamento do King’s é um investimento altamente ambicioso, porque tem umas infraestruturas incríveis, mas, mais importante do que os milhões, é dar uma experiência verdadeiramente única aos nossos alunos”, sublinha o CEO. “Uma das vantagens do ensino internacional é a educação muito mais holística do que a clássica educação portuguesa. O grupo todo tem 70% de portugueses, cujos pais quiseram que ganhassem mundo. E ganhar mundo pode ser fazer teatro na escola ou competir internacionalmente em futebol.”

A CALIFÓRNIA EM ALCOCHETE

Depois da Inspired, chegaram mais cinco grandes grupos internacionais de educação que têm estado a comprar escolas ou mesmo a abrir novas, um pouco por todo o País (ver caixa). E há ainda mais a caminho.

Em setembro do ano que vem, deverá ser inaugurada a Sierra Canyon American International School Portugal, em Alcochete, na margem sul do Tejo, muito provavelmente na expectativa da abertura do novo aeroporto internacional de Lisboa, na década de 2030. 

Será a primeira filial internacional da Sierra Canyon School, que nasceu em Los Angeles, em 1978, segundo um modelo de escola sem fins lucrativos. Ainda não arrancou o processo de admissões, mas no seu site já é possível registar uma manifestação de interesse.

THE LISBOAN

Abriu este ano, na antiga fábrica de massas A Napolitana

Um colégio em Alcântara

O Artemis Education, que já tinha três escolas em Doha, no Qatar, investiu 75 milhões de euros na operação em Lisboa, que incluiu a transformação de uns edifícios industriais pelo arquiteto Frederico Valsassina.

No futuro próximo, o grupo fundado por Niall Brennan, em 2019, conta expandir-se para Cascais/Oeiras e Algarve. Mas, por enquanto, tem todas as atenções concentradas na Lisboan, onde os alunos ainda só ocupam dois pisos do edifício principal.

Esta espécie de abertura suave é vista como vantagem por Guðmundur Hegner Jonsson, o diretor-fundador.

Aqui como na Califórnia, a Canyon irá receber alunos do pré-escolar ao 12º ano, assumidamente com vista a prepará-los para entrarem numa universidade nos EUA. Para desenvolver a unidade em Portugal, estabeleceu uma parceria com a empresa de capital de risco Canaan Global Holdings, anunciou em setembro.

A Canaan Global Holdings foi fundada por Hermann Xiaodong Li, em 2013, e está registada em Cascais. Concentra-se no investimento, no desenvolvimento e na operação de projetos imobiliários turísticos em Portugal, Espanha e noutros países europeus. “Beneficiando-se da forte recuperação da indústria do turismo e do crescimento económico do sul da Europa após a pandemia, foi expandindo gradualmente os seus negócios para a Ásia e a Austrália”, lê-se no seu site. Hoje, tem filiais em Xangai, Hong Kong, Melbourne, Sydney e Madrid, e dez projetos em Portugal e em Espanha, mais cinco na Austrália, com um valor de mercado de ativos no estrangeiro de aproximadamente 300 milhões de euros.

Xiaodong Li já foi considerado um dos dez principais investidores imobiliários na China.

VEM AÍ MAIS CONCORRÊNCIA

A parceria entre a Canyon e a Canaan representa “uma oportunidade de investimento única e segura, ligada à construção física do novo campus”, sublinhou a primeira. Já foram comprados 170 mil metros quadrados de terreno em Alcochete e o arranque da construção do campus está para breve.

Segundo a revista Essential Business, o desenvolvimento desta nova escola internacional em Alcochete será financiado pelo Sierra Education Development Fund, através de empréstimos estruturados. Significa que os investidores se qualificam, assim, para os benefícios do Visto Gold.

O grupo Canyon é bem conhecido no meio, antevendo-se, por isso, que a escola em Portugal vá concorrer diretamente, por exemplo, com a Carlucci American International School of Lisbon, em Sintra, que nasceu em 1956 num apartamento em Pedrouços, principalmente para atender os filhos dos engenheiros norte-americanos contratados para ajudar na construção da Ponte Salazar (hoje Ponte 25 de Abril).

Cheerleading! Basta passar ao pé deste relvado da King’s, em Cascais, para nos imaginarmos facilmente numa escola nos States

Mas há mais concorrência à vista: para o ano letivo 2027/28, está prevista a abertura da Brighton College Lisbon, na capital, ainda em local a confirmar.

A notícia foi avançada em setembro último, pelo próprio grupo que tem colégios no Reino Unido, nos Emirados Árabes Unidos, na Tailândia, no Vietname e em Singapura. A escola em Lisboa vai ter a opção de internato e abrirá através de uma parceria com o Intellego Education, ao mesmo tempo que duas outras novas escolas na Europa, em Madrid e em Roma.

“Há, sem dúvida, um influxo de volta à Europa continental de pais que aprenderam a valorizar muito a educação privada do Reino Unido, e prevemos uma procura significativa e entusiasmo em Madrid, Roma e Lisboa por escolas que reproduzam o espírito, as tradições e as ambições das melhores escolas britânicas e, em particular, as do Brighton College, que este ano foi classificado como o melhor do país pelos seus resultados académicos”, disse, na ocasião, o CEO, Richard Cairns, o único diretor no Reino Unido a ganhar duas vezes o prémio Tatler Head of the Year.

É fácil perdermo-nos no meio de tantas notícias, mas mesmo quem não tem filhos em idade escolar deu com certeza pela abertura da King’s e de mais duas novas escolas internacionais no distrito de Lisboa: a Beyond, em Oeiras, e a The Lisboan, em Alcântara.

Por enquanto, a Beyond ainda só está a receber crianças entre os 3 e os 10 anos, mas foi anunciada como a primeira escola de uma rede que conta com o apoio da Beyond Education (empresa que começou em Harvard e tem hoje a sua base em Paris) e que deverá abrir em breve mais três escolas na área da Grande Lisboa. Está previsto um investimento total de 100 milhões de euros e a expansão para a Ericeira e o Porto.

“HÁ TANTO PARA DESCOBRIR MUTUAMENTE”

Quanto à The Lisboan, ela pertence ao Artemis Education, um grupo que começou por abrir três escolas no Qatar, investiu 75 milhões de euros na operação em Lisboa, que incluiu a transformação dos edifícios da antiga fábrica de massas A Napolitana, pelo arquiteto Frederico Valsassina, e ainda conta expandir-se para Cascais/Oeiras e Algarve.

Embora tenha capacidade para 1 200 alunos, neste primeiro ano letivo a Lisboan está a acolher apenas 78 alunos, de 28 nacionalidades, entre os 3 e os 15 anos. São ainda tão poucos os miúdos, que as salas de aula só ocupam dois andares do edifício principal.

É uma espécie de abertura suave, vista como vantagem por Guðmundur Hegner Jonsson, o diretor-fundador: “Ainda se torna mais fácil colocarmos a criança no coração da escola. Parece foleiro, mas a realidade mostra-nos que só assim é que as crianças podem desenvolver-se.”

À espera do intervalo Dali a pouco, os corredores da King’s enchiam-se de adolescentes a disfarçar o passo de corrida

No dia em que a VISÃO visitou a nova escola, lindíssima, não havia massa entre as opções do almoço no refeitório simbolicamente chamado The Pasta Factory, mas garantiram-nos que ela entra, pelo menos, uma vez por semana na ementa. Nem por isso os miúdos entraram menos sorridentes, um pouco antes da uma da tarde.

Não é de ânimo leve que a Lisboan tem como princípios pertencer, possuir e agir – o que em inglês resulta na sigla BOA, de belong, own e act. O objetivo é “cada criança sentir um sentimento de pertença, assumir a responsabilidade pela sua aprendizagem e ser encorajada a agir com coragem e propósito”, explica Guðmundur, autointerrompendo-se para ir cumprimentando os alunos.

Minutos antes, tropeçáramos quase literalmente no presidente do Clube Naval de Lisboa que ali tinha ido tratar da parceria com o colégio, por acaso pouco depois de o diretor dizer que “tudo o que acontece fora da sala de aula é tão importante como dentro da sala”. As aulas de vela no rio Tejo serão apenas uma das várias atividades que quer ver já a partir de janeiro.

Natural da Islândia e com passagens pelo Dulwich College, na Coreia, e pelo UWC Red Cross Nordic, na Noruega (um dos 18 United World Colleges), Guðmundur tem um historial comprovado na criação de comunidades escolares fortes e envolventes. Ninguém na equipa estranhou, por isso, quando o ouviu dizer que queria a escola a candidatar-se a hortas na Tapada da Ajuda ou a abrir portas aos vizinhos da freguesia, por exemplo, para receberem aulas de Inglês. “Não queremos que nos vejam só como um colégio privado caro. E há tanto para descobrir mutuamente!”

DOIS CURRÍCULOS, WHY NOT?

Em Alcântara, é difícil a Lisboan passar despercebida, desde logo por causa das bandeiras laterais colocadas no edifício principal, a dois passos do centenário Externato Promotora e do Largo do Calvário.

Mas saberão os caros leitores que há uma “sucursal” de uma escola norte-americana fundada na Suíça a funcionar em parte de um antigo centro comercial na zona de Sintra? (A TASIS Portugal, na Beloura.)

Já terão ouvido falar de um campus, grande e modernaço, construído nos terrenos de um conhecido clube de futebol lisboeta? (O segundo campus da British School of Lisbon, um pouco acima do estádio principal d’Os Belenenses.)

E será que sonham existir um colégio internacional em plena Tapada da Ajuda? (O segundo campus da Redbridge, para alunos do Secundário.)

O negócio das escolas internacionais cresceu muito nos últimos cinco anos em Portugal, mas tem espaço para crescer ainda mais. E, pelo caminho, há também um novo fenómeno: “São cada vez mais as escolas que tinham o currículo português e passam a oferecer também os currículos não nacionais”, lembra Rodrigo Queiroz e Melo, diretor-executivo da Associação de Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo (AEEP), na entrevista que publicamos nestas páginas.

Centralidade Em Alcântara, a escola The Lisboan fica a dois passos do centenário Externato Promotora e do Largo do Calvário

É, por exemplo, o caso do Colégio João Paulo II, em Braga, que no início de outubro anunciou que no próximo ano letivo reforçará a sua oferta formativa com IB.

Sem se transformar por completo numa escola internacional, o conhecido colégio de tradição educativa de matriz católica vai abrir o polo João Paulo II International School, que começará por oferecer, em opção ao currículo nacional, o International General Certificate of Secondary Education (IGCSE), dirigido pela Universidade de Cambridge, do 9º ano ao 10º ano. Uma vez terminado este programa, os alunos podem seguir para o IB.

“A introdução do IB em Braga é um marco para a cidade e para a região. Representa inovação, internacionalização e, acima de tudo, mais oportunidades para os nossos alunos, sem perder de vista a nossa identidade e a nossa missão educativa”, sublinhou, na apresentação, Fernando Fidalgo, diretor pedagógico do Colégio João Paulo II. “São programas autorizados pelo Ministério da Educação e Ciência e reconhecidos mundialmente. Consistem em currículos exigentes e flexíveis, dados em inglês e adaptados ao contexto nacional, em especial no que diz respeito a disciplinas como Português e História.”

QUANDO CASCAIS GANHA ÀS BAHAMAS

Aleksandar e Nikola quase nem arranham o português, embora já tenham alguns amigos portugueses e a perspetiva de virem passar fins de semana em casa deles. Desde que chegaram a Cascais, têm estado focados nos estudos, para não defraudarem as expectativas de quem os selecionou.

As bolsas, criadas em 2024, por iniciativa do próprio fundador do Inspired, são atribuídas a miúdos considerados excecionais em duas de três áreas – estudos, desporto e artes performativas. Bons alunos, os manos Marinkovic destacam-se especialmente na música e no judo; no YouTube, onde têm um canal, podemos vê-los a tocar covers (Aleksandar na bateria e Nikola na guitarra) e a imobilizar adversários no tatami.

Com a ajuda dos pais, começaram por pesquisar a hipótese de um colégio Inspired nas Bahamas e depois em Espanha, mas entretanto viram que seria mais viável praticar judo a nível de competição em Portugal. “Além de encontrarmos um bom clube perto, vínhamos para uma escola acabada de estrear, pareceu-nos mais interessante”, explica Aleksandar, no seu inglês corretíssimo.

TUMO Portugal

O TUMO é uma “experiência educacional”, totalmente financiada por mecenas, onde a criatividade e a tecnologia “se encontram para preparar os jovens para o futuro”, lê-se no seu site.

Por outras palavras, e para sermos mais concretos, trata-se um programa educativo gratuito, direcionado a jovens entre os 12 e os 18 anos, que podem assim adquirir competências em fotografia, animação, desenvolvimento de jogos, programação, música, design gráfico, cinema e robótica.

Através da combinação de atividades de autoaprendizagem, workshops e laboratórios avançados, os adolescentes escolhem o que querem aprender. E as atividades são presenciais, duas vezes por semana, durante duas horas.

Depois de um primeiro centro em Coimbra, o TUMO rumou a Lisboa, onde desde junho de 2024 funciona no Factory Lisbon, campus de inovação e empreendedorismo localizado no Beato Innovation District. No Porto, abriu portas recentemente, no edifício URBO, mesmo ao lado do NorteShopping.

Escola 42

Fundada em França, há mais de dez anos, a 42 é uma escola gratuita de programação que já chegou a mais de 30 países, onde tem mais de 21 mil alunos. Dirige-se a pessoas com mais de 18 anos, sem a obrigatoriedade de terem um background ou experiência em programação.

Na 42, os alunos aprendem a programar do zero até se tornarem junior software developers, podendo, mais tarde, escolher a especialização que mais lhes interessa, como cibersegurança, IA, desenvolvimento de jogos, entre outras. Não há diplomas, mas no final do programa é emitido um certificado de conclusão.

Em Lisboa, abriu portas no Beato Innovation District, onde é vizinha do TUMO Portugal e está aberta 24 horas por dia, sete dias por semana, 365 dias por ano. A escola tem computadores para todos os estudantes.

Desde a pandemia que ele e o irmão estavam apenas com aulas online, numa escola norte-americana. Os amigos aparecem agora naturalmente no top 3 de ambos, entre a independência (dos pais…) e a possibilidade de conseguirem conciliar facilmente a música e o judo com os estudos.

No futuro, querem entrar numa universidade nos EUA, mas também dar concertos “a sério” e continuar a competir como judocas. Treinam, por isso, cinco vezes por semana no Sport União Sintrense, esforçando-se para que lhes sobre tempo para usar as salas de música do King’s e fazer os muitos trabalhos de casa. “Nos dias em que saímos tarde do clube, é mais complicado”, admite Nikola.

Os colégios do universo Inspired são de uma exigência muito grande, já ouvíramos a uma mãe portuguesa com duas filhas na escola pública, depois de terem estado vários anos num dos campus do PaRK.

TAMBÉM PARA WANNABES

“Sentia que as minhas filhas interessavam, mas elas tinham de corresponder e, a certa altura, era como se elas estivessem na Deloitte, com objetivos para cumprir, até me angustiava”, recorda Isabel. “Ao mesmo tempo, vi que havia uma grande tónica no olhar para o outro e no voluntariado, e que fomentavam a investigação e o sentido crítico. Quem pode pagar, é ótimo, mas parece que estamos a criar dois grupos de miúdos diferentes, porque o privado está a anos-luz da escola pública.”

Isabel concorda com Pedro Santa Clara, quando o professor da NOVA SBE e fundador do TUMO Portugal e da Escola 42 diz que as famílias portuguesas com mais posses e visão querem dar um passaporte para os filhos saírem daqui para fora (ver entrevista). “Há falta de fé no País e também há uma cena wannabe”, acrescenta. “Vemos muitos pais a pôr os miúdos onde os ricos sempre estiveram (antes era no St. Julians e pouco mais), porque o networking é muito importante em Portugal. Pensam: ‘Mesmo sem um apelido sonante, os meus filhos vão estar ao mesmo nível.’”

Maria tem um apelido sonante, mas tem sobretudo uma visão clara daquilo que o filho, de 16 anos, quer no futuro próximo – entrar numa universidade no estrangeiro. Enquanto esse dia não chega, não o imaginava a estudar num sítio tradicional, depois de ele ter feito o equivalente ao 2º ciclo na Green School, em Bali, na Indonésia, uma escola aberta às grandes questões ambientais, sem portas nem janelas e onde os miúdos podem passar o dia descalços.

Instalada numa quinta, a Oeiras International School, fundada por Chari Empis, em 2011, é uma “escola IB”, ou seja, oferece o International Baccalaureate (bacharelado internacional) e incentiva o envolvimento comunitário, o pensamento crítico e a consciência global. É também uma escola onde o desporto é levado muito a sério. Federado em vólei, o filho de Maria tem agora dois anos para juntar os créditos e começar a pensar a que universidades vai candidatar-se.

“Se ele fosse para a escola pública, teria treinos à parte e não correria tão bem”, acredita Maria, que se diz feliz com a opção, apesar do esforço financeiro que representa pagar quase €2 000 por mês.

Rodrigo Queiroz e Melo: “O aumento foi brutal”

O diretor-executivo da Associação de Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo (AEEP) fala em democratização e prevê que a oferta de escolas com currículos não nacionais continuará a crescer

Estamos a assistir a um boom de escolas internacionais em Portugal ou apenas andávamos muito distraídos?
Há 15 anos, tínhamos um ecossistema escolar com meia dúzia de escolas com currículos estrangeiros, dirigidas sobretudo aos filhos dos quadros que vinham trabalhar para cá. Isso democratizou-se. Se utilizarmos como comparador o número de alunos em currículos não nacionais que tínhamos há cinco anos, hoje é um outro planeta, o aumento foi brutal. Do pós-Covid para cá, esse número tem crescido todos os anos e acredito que continuará a crescer.

O paradigma mudou com a Covid?
Sim, muito por causa do trabalho remoto que tem trazido mais famílias estrangeiras. Há uma imigração qualificada e com poder de compra que está a vir em força, o que mostra as nossas capacidades. Não estaremos a fazer tudo mal, porque não é só por causa do sol que escolhem Portugal. E há também um fenómeno novo: são cada vez mais as escolas com currículo português que passam a oferecer também os currículos não nacionais. Esse aumento de oferta levou a que muitas famílias da classe média/média alta portuguesas optem agora por esses currículos para os seus filhos, porque querem abrir-lhes os horizontes.

Já temos cá vários grandes grupos de educação estrangeiros. É fácil abrir uma escola internacional em Portugal?
Abrir escolas em Portugal é um processo relativamente simples. Para construir os edifícios, é necessário ter todas as autorizações das câmaras, naturalmente, mas os operadores muitas vezes compram escolas que já existem. O mais complicado passa por conseguir que o Ministério da Educação aprove os currículos não nacionais. Esse, sim, é um processo complexo, burocrático e kafkiano. Demora tempos sem fim, mas nós na AEEP esperamos que ele possa ser simplificado em breve.

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Grupos internacionais de educação que já cá estão

Palavras-chave:

Este título repete a pergunta que, desde há alguns meses, nos têm feito chegar muitos leitores da VISÃO, preocupados com o futuro da revista e interessados em fazer parte da solução, nomeadamente aquela corporizada pelo grupo de trabalhadores que, em condições difíceis e precárias, têm assegurado a manutenção de um título de prestígio no panorama informativo nacional. A pergunta tem, para já, uma resposta fácil: continuem a ser leitores e, de preferência, comprem a revista, todas as semanas – o que tem acontecido, felizmente, em número recorde, com a VISÃO a ter uma circulação em banca, ao longo de 2025, sempre superior à registada no ano anterior.

Infelizmente, devido à situação precária em que nos encontramos, devido à liquidação da Trust in News e ao consequente encerramento de uma série de serviços de apoio, cumpre-nos ter a honestidade de explicar que, neste momento, comprar a VISÃO em banca é melhor do que iniciar agora uma nova assinatura. Isto porque não temos, nesta fase, qualquer possibilidade de resolver um eventual problema que surja no momento da subscrição nem temos a funcionar uma linha de apoio ao cliente. É essa a realidade e não devemos escondê-la – em nome da verdade e da transparência. Com o apoio de todos, poderemos ultrapassar mais depressa esta fase difícil. E retomar o processo de novas assinaturas, sem falhas nem interrupções. Como merecem todos os que querem apoiar a VISÃO.

Que cidades queremos para o futuro? Nesta semana em que celebramos o Dia Mundial das Cidades, esta questão torna-se cada vez mais relevante e convida-nos a olhar para os espaços onde vivemos e trabalhamos, refletindo sobre como podemos torná-los mais sustentáveis, acessíveis e humanos. A resposta, acredito, passa inevitavelmente pela reabilitação urbana.

Reabilitar é cuidar do que já existe, é valorizar o passado para projetar o futuro, é reconstruir laços entre pessoas, edifícios e comunidades.

Hoje, grande parte das nossas cidades enfrenta o mesmo dilema: crescer ou regenerar-se. Após décadas de expansão, percebemos que o crescimento não pode ser medido apenas em metros quadrados ou novas construções. O verdadeiro desenvolvimento urbano mede-se pela capacidade de melhorar o que já temos, tornando o edificado mais eficiente, acessível e sustentável.

Neste contexto, os fundos do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) representam uma verdadeira oportunidade. Assistimos, neste momento, a investimentos sem precedentes em infraestruturas, redes viárias, requalificação energética e conservação do património edificado. Mas o verdadeiro impacto destes recursos dependerá da forma como são aplicados: não basta reabilitar fachadas, é preciso revitalizar comunidades.

Quando se requalifica um edifício, uma rua ou um bairro, não estamos apenas a melhorar o ambiente urbano. Estamos a devolver vida ao tecido social. Ruas com habitação reabilitada, espaços públicos mais agradáveis e mobilidade mais acessível são um convite a voltar a viver na cidade e a base para cidades mais vivas, resilientes e inclusivas.

Além de fortalecer as comunidades, a reabilitação urbana é também uma oportunidade para repensar a sustentabilidade dos próprios espaços que habitamos. Edifícios mais eficientes, ruas mais verdes e mobilidade modernizados contribuem para reduzir o impacto ambiental e melhorar a qualidade de vida. Cada obra de requalificação é um investimento não apenas no património físico, mas também no futuro ecológico e social dos centros urbanos.

Paralelamente, a reabilitação estimula a economia local. Intervenções em bairros existentes criam empregos, incentivam o comércio de proximidade e valorizam imóveis, transformando áreas antes negligenciadas em centros de oportunidades. Cuidar do que já existe é, portanto, uma estratégia de crescimento inteligente e sustentável, capaz de gerar benefícios tangíveis para todos os que lá vivem e trabalham.

No fundo, a cidade que queremos é aquela que sabe equilibrar inovação e memória, sustentabilidade e bem-estar, crescimento e proximidade. Uma cidade que se reinventa sem se esquecer de quem nela vive. E talvez seja isso que significa, verdadeiramente, reabilitar: construir o futuro a partir das raízes de quem nos rodeia.

Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.