Quando a manchete do Expresso que dava conta de que a Spinumviva recebia uma avença mensal de 4 500 euros do grupo Solverde começou a circular, Luís Montenegro estava quase ao lado de Marcelo Rebelo de Sousa. Nessa quinta-feira à noite, enquanto a notícia já inflamava os comentários televisivos, com as suspeitas sobre se o primeiro-ministro teria ou não violado o dever de exclusividade no cargo, apenas Brigitte Macron, a primeira-dama francesa, se encontrava entre Marcelo e Montenegro. Enquanto o Presidente ia trocando impressões com Emanuelle Macron, no jantar que ofereceu ao chefe de Estado francês, Luís Montenegro parecia imperturbável pela polémica que se agigantava, ao ponto de tornar claro que podia abalar o próprio Governo. Brigitte estava encantada com Montenegro e o primeiro-ministro não dava quaisquer sinais de nervosismo. Quando o banquete acabou, saíram todos do Palácio da Ajuda, sem que Marcelo Rebelo de Sousa e Luís Montenegro pudessem falar, à vontade, sobre o tema do momento.

No dia seguinte, Montenegro seguiu para o Porto, para acompanhar Macron. E Marcelo ficou sem saber como iria o primeiro-ministro gerir a crise. Apanhado desprevenido com o anúncio de uma comunicação ao País feita a partir de São Bento, o Presidente, que tinha ido passar o fim de semana a Monte Gordo e não tinha agenda pública prevista, acabaria por chamar o Falcon de serviço para chegar o mais rapidamente possível a Lisboa, pronto para qualquer eventualidade. Acabou a ver o discurso de Luís Montenegro na televisão e soube, ao mesmo tempo que todos os outros portugueses, que o primeiro-ministro não só não tencionava demitir-se, como queria manter aberta a Spinumviva, passando as quotas da sua mulher para os dois filhos. Mais: deixava no ar a ameaça de uma moção de confiança que só se concretizaria uns dias mais tarde, precisamente quando o PCP levou ao Parlamento uma moção de censura. Sem registo de chamadas no telefone, Marcelo Rebelo de Sousa regressou ao Algarve.

Cochichos Carlos Moedas e Aguiar-Branco parecem revelar uma cumplicidade aparentemente ausente entre Marcelo e Luís Montenegro… Foto: Lusa

As viagens no Falcon, que lhe permitiram ir e vir mais rapidamente, custaram cerca de 25 mil euros. Um valor que em Belém se desvaloriza, uma vez que o tempo que o avião esteve ao serviço da Presidência será para descontar no número de horas de voo que o aparelho tem de fazer todos os meses. A forma como o preço da viagem acabou nas páginas do Correio da Manhã foi só mais um pequeno atrito entre Belém e São Bento naquelas horas. Pelo meio, saiu uma notícia no Observador que contava que Luís Montenegro tinha telefonado a Marcelo Rebelo de Sousa meia hora depois de falar ao País e que Marcelo não tinha atendido “pois estava com outros afazeres”. À VISÃO, uma fonte de Belém assevera que o telefone do Presidente não registou qualquer tentativa de contacto.

Nessa noite, Marcelo Rebelo de Sousa terá comentado que o primeiro-ministro tinha voltado a ser “imprevisível” e que a forma como o PCP tinha decidido anunciar logo uma moção de censura fazia com que aquele não fosse o tempo do Presidente. A decisão dos comunistas dava a Marcelo margem para tentar justificar um silêncio que era cada vez mais criticado pela comunicação social.

Nesta gestão dos silêncios, pesa uma vontade nem sempre muito bem entendida de Marcelo Rebelo de Sousa: a de evitar ser um fator de perturbação para um Governo que não só é da sua família política como está em minoria na Assembleia da República. Uma vontade que ficou expressa na forma como se resguardou ao longo de todo o processo, evitando comentar a sucessão de notícias que fazia tremer o primeiro-ministro, mesmo que Marcelo não tenha conseguido evitar o desabafo partilhado com a SIC que dava bem conta da falta de proximidade com Montenegro. “O primeiro-ministro tem direito de não ligar, mas podia ouvir a minha opinião.” Em Belém, vinca-se o “direito” de Montenegro não consultar o Presidente, para evitar dramatizar a questão, mas o afastamento era notório.

Marcelo Rebelo de Sousa teve um encontro com Luís Montenegro, na véspera do debate da moção de censura dos comunistas. No final, o Presidente terá confidenciado em Belém que o primeiro-ministro estava “muito determinado”. No dia seguinte, acabaria por falar aos jornalistas em Viseu, onde tinha agenda, evitando aumentar o dramatismo e, num longo relato dos passos até à crise, apresentar um calendário acelerado para as eleições antecipadas, lembrando que a ida às urnas em maio seria a forma de afastar o mais possível as legislativas das autárquicas, aproveitar o facto de o Orçamento de 2025 estar em vigor e dar tempo ao próximo Governo de preparar o Orçamento para 2026.

Sinais de afastamento

O primeiro momento em que ficou evidente que Marcelo Rebelo de Sousa e Luís Montenegro não falavam a mesma língua aconteceu cerca de um mês depois de o líder do PSD ganhar as legislativas. Rebelo de Sousa estava num jantar com jornalistas estrangeiros e, talvez por não lhe ter ocorrido que estava a ser gravado, falou de Montenegro em termos, no mínimo, pouco abonatórios. O Presidente disse que o novo primeiro-ministro “dá muito trabalho” e que, ao contrário do seu antecessor, António Costa, é difícil de “ler”. Para justificar essa dificuldade, explicou, mesmo que implicitamente, que, ao contrário de si e de Costa, Luís Montenegro não vem da elite lisboeta, pelo contrário, “vem de um país profundo, urbano-rural, com comportamentos rurais”, o que faz dele “muito curioso, difícil de entender”. Se com Costa, que tinha sido seu aluno na Faculdade de Direito, havia sintonia, com Luís Montenegro as surpresas, confessou, eram constantes. “Todos os dias, tenho surpresas, porque ele é imaginativo e tem uma lógica de raciocínio como sendo de um país tradicional.”

Todos estes desabafos acabariam citados pelo jornal Correio Braziliense e não ajudaram à relação com Luís Montenegro. Quem conhece Montenegro sabe como o primeiro-ministro preza o controlo da informação. São muito poucos aqueles com quem partilha as decisões antes de as anunciar. E há quem no PSD acredite que chega a dar informações diferentes a pessoas diferentes, para testar lealdades e perceber de onde podem vir fugas de informação, tal como fazia Aníbal Cavaco Silva quando era primeiro-ministro.

Moção de confiança Pedro Duarte, ministro da Presidência, ao ladode Montenegro, minutos antes da queda do Governo
Foto: Marcos Borga

Um dos momentos em que esse controlo apertado da informação se fez sentir aconteceu logo na formação do Governo, como Marcelo haveria de revelar nesse mesmo jantar com os correspondentes estrangeiros. Montenegro formou Governo “de forma impensável”, considerava o Presidente, contando que “só começou a convidar os ministros na manhã do dia” da tomada de posse. “Um risco”, entendia o Presidente, que acha que o primeiro-ministro é “completamente independente, não influenciável e improvisador”.

Se Marcelo Rebelo de Sousa sonhava deixar Belém com um Governo do PSD em São Bento e nunca o escondeu verdadeiramente, passando o ano da maioria absoluta de Costa a falar continuamente na possibilidade de dissolver o Parlamento, a realidade acabou por não ser tudo aquilo com que Rebelo de Sousa sonhava. “Dizia muitas vezes a um governante com o qual partilhei quase oito anos e meio de experiência inesquecível: um dia reconhecerá que éramos felizes e não sabíamos”, confessou em dezembro numa iniciativa do Público. A frase era uma alusão às condições de estabilidade que, entretanto, se deterioraram muito no País e no mundo, mas caiu como uma luva nesta ideia de que o idílio ansiado com um Governo social-democrata não estava a correr exatamente como o Presidente tinha antecipado.

Discórdia na imigração

Se há coisa que Marcelo Rebelo de Sousa não quer, apesar de tudo, é prejudicar o Governo. E isso já o fez engolir alguns sapos, deixando passar quase sem reparos ou com reparos mínimos casos e polémicas que nos tempos de António Costa valiam grandes reprimendas presidenciais e até o acenar com a dissolução do Parlamento, mesmo estando o Governo em maioria absoluta. Foi o caso do assalto à Secretaria-Geral do Ministério da Administração Interna (MAI), que passou sem comentários de Belém, apesar de revelar falhas de segurança muito graves que permitiram que fossem levados oito computadores e que o assalto tenha decorrido horas antes de alguém sequer dar o alarme. “Onde não há responsabilidade, não há autoridade”, dizia Marcelo quando em causa estava a forma como Frederico Pinheiro, depois de ter sido demitido do cargo de adjunto de João Galamba, voltou ao Ministério das Infraestruturas para tentar recuperar o seu computador de trabalho. “Como pode um ministro não ser responsável por um elemento que escolheu para o seu gabinete? (…) Como pode esse ministro não ser responsável por situações bizarras e deploráveis?”, perguntava então numa comunicação feita ao País de propósito para comentar o caso.

Na Saúde, também não faltaram casos: um recorde de 40 bebés nascidos em ambulâncias até agosto de 2024, várias urgências fechadas, 14 administrações hospitalares exoneradas e substituídas por militantes do PSD e 11 mortos durante as greves do INEM, com um relatório da Inspeção-Geral da Saúde (IGAS) a dar nota de que os pré-avisos dos sindicatos foram ignorados pelo ministério liderado por Ana Paula Martins. Apesar de tudo isso, Marcelo Rebelo de Sousa foi comedido nos comentários. “Acho que a questão é que era bom que, cada vez que muda um Governo, não mudassem coisas fundamentais na Saúde, como, aliás, na Educação”, disse aos jornalistas à margem do Natal dos Hospitais. Pouco mais se lhe ouviu sobre estas duas áreas, mesmo quando em novembro de 2024 havia quase 30 mil alunos sem professor nas escolas públicas ou quando se soube em outubro que, apesar das promessas do Governo, mais de 82% dos doentes oncológicos tinham consulta depois do tempo recomendado.

Na sombra O nome de Pedro Passos Coelho voltou a pairar como alternativa a Montenegro, no PSD. Em baixo, o momento em que, segunda-feira, Alexandra Leitão apresentava o pedido potestativo para uma Comissão Parlamentar de Inquérito à conduta de Luís Montenegro no caso da sua empresa

Talvez o maior desacerto entre Marcelo e Montenegro tenha que ver com as questões da imigração e da segurança. O Presidente ficou a conhecer o diploma que acabava com a manifestação de interesse poucas horas antes de o promulgar e, segundo explicou então o Público, em Belém via-se o fim dessa via de regularização de imigrantes como “temporário”, até se resolverem os cerca de 400 mil processos que estavam, então, pendentes. Ora, se o Presidente achava que esse era só um passo temporário, rapidamente o Governo deixou claro que essa seria a sua solução definitiva. Perante a posição do Governo, a Presidência deixou cair o tema.

À medida que o Governo ia endurecendo o discurso sobre imigração e segurança, Marcelo Rebelo de Sousa ia dando sinais de não estar confortável com essa associação. Mas nunca foi frontalmente crítico do discurso securitário de Montenegro. Optou, em vez disso, por escrever um texto de Natal para o Jornal de Notícias com um apelo ao fim das “discriminações injustas” e votos de liberdade e igualdade. “A liberdade determinando diversidade de ideias, pluralismo de modos de pensar e agir, tolerância, aceitação da diferença, recusa do monopólio da verdade. A igualdade exigindo a superação das discriminações injustas, os guetos, as exclusões, a perpetuação da pobreza de geração para geração”, escreveu.

Marcelo Rebelo de Sousa raras vezes usou o veto presidencial nesta legislatura e até chegou a promulgar a muito polémica “lei dos solos”, apesar de todas as dúvidas que lhe suscitava e de ter mesmo deixado escrito que as regras que aligeiram a passagem de terrenos rústicos a urbanos iriam criar um “entorse significativo em matéria de regime genérico de ordenamento e planeamento do território”. Mas resistiu à desagregação das freguesias, decidida por PSD e PS.

Lua de mel cancelada

À espera de acertar o passo com o Governo, Marcelo Rebelo de Sousa ia deixando cair, em privado, desabafos sobre a dificuldade em se coordenar com um Executivo “numa permanente roda-viva”, a governar a um ritmo “de comício” e cheio de ministros sem experiência governativa. Mas, antes de esta crise política rebentar, o Presidente fazia planos para o futuro da sua coabitação com Montenegro, na perspetiva de chegar à “cooperação estratégica” que sempre sonhou ter com o Governo da AD. “Não basta solidariedade institucional, que continua a ser boa. Não é suficiente. Tem de haver no presente a cooperação estratégica. Ela exige estabilidade, segurança e previsibilidade”, tinha dito quando recebeu o elenco governativo em Belém para os tradicionais votos de boas-festas.

Em 1977 foi assim…

À dúzia é mais barato: moção de Montenegro foi a 12ª da democracia e teve o destino da primeira

Foto: Luís vasconcelos

A moção de confiança de Luís Montenegro foi a 12.ª da democracia portuguesa e a segunda a ser rejeitada. Em dezembro de 1977, com pouco mais de um ano de I Governo Constitucional, o primeiro-ministro Mário Soares resolveu submeter à AR essa primeira moção de confiança da História. Mas, ao contrário de Montenegro, o chefe do governo socialista estava convicto de que passaria – e foi no decorrer do debate que se apercebeu de que iria ser rejeitada. “Nunca pensei que o PCP e o CDS votassem juntos”, confessaria mais tarde. Com comunistas e centristas estiveram o PSD de Sá Carneiro, o deputado único da UDP e cinco deputados independentes. Desse governo quase exclusivamente masculino (bem como o Parlamento, como se pode ver nas imagens de arquivo da RTP) faziam parte nomes sonantes, como Salgado Zenha, Henrique de Barros, Almeida Santos, Medeiros Ferreira, Sottomayor Cardia, António Barreto, Jorge Campinos e Maldonado Gonelha, entre outros. Para que se perceba bem como a oratória parlamentar, pela sua moderação, estava nos antípodas da dos nossos dias, oiçamos as palavras do primeiro-ministro e, depois, as de Magalhães Mota, que falou pelo PSD. Mário Soares: “Se o Governo cair, não caio com alegria (…) mas também não cairei nem com azedume, nem com ressentimento.” E Magalhães Mota: “Caiu este Governo, sem surpresa, mas não a democracia. (…) Digamos também, e digamo-lo com a coragem de quem acredita nos homens e no futuro, que não caiu o PS que, democratas que somos, respeitamos.” F.L.

A pensar nessa aproximação, Marcelo Rebelo de Sousa tinha várias viagens planeadas com Luís Montenegro. Estava programado irem juntos às celebrações dos 50 anos das independências de Moçambique em junho, de Cabo Verde em julho e de Angola em novembro. De resto, o 10 de Junho foi acertado para este ano se celebrar em Macau, precisamente porque a seguir Luís Montenegro tinha prevista uma viagem oficial à China para a qual arrancaria daí.

Tudo isso foi acertado entre Marcelo Rebelo de Sousa e Luís Montenegro, com o Presidente a querer envolver também o primeiro-ministro na campanha para a candidatura de Portugal a membro do Conselho de Segurança das Nações Unidas, combinando irem ambos a Nova Iorque e dividirem entre si as dezenas de encontros bilaterais necessários para o efeito.

Telefonemas para PM e Pedro Nuno

Nos últimos dias, Marcelo fez alguns telefonemas para tentar encontrar forma de travar a crise política. Falou algumas vezes ao telefone com Luís Montenegro e com Pedro Nuno Santos. A convicção do Presidente era a de que o melhor para o País seria haver um entendimento.

Marcelo Rebelo de Sousa acredita que Luís Montenegro nunca se demitirá, mas desvaloriza a primeira sondagem feita após a polémica, para a CNN e a TSF, que dá a AD com quatro pontos de avanço em relação ao PS. Em Belém, recorda-se que foram precisas semanas até o caso das gémeas ter impacto mensurável nas sondagens que avaliam a popularidade do Presidente. Curiosamente, essa queda de popularidade coincidiu com o arranque do Governo e com índices muito altos de aprovação de Luís Montenegro, que podem ter ajudado o primeiro-ministro a reforçar a convicção de que não precisava de cultivar a proximidade com o Presidente.

Quem convive com Marcelo Rebelo de Sousa sabe que o Presidente adora fazer cenários. Desta vez, porém, a velocidade a que têm saído notícias que desgastam Luís Montenegro e a imprevisibilidade do primeiro-ministro fazem com que já tenha confessado a alguns que agora não faz previsões.

Dilemas do PS, do PSD e do Chega

Só há um cenário em que Luís Montenegro escapa à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que o PS apresentou, nesta segunda-feira, no Parlamento: um cenário em que Pedro Nuno Santos saia da liderança socialista. De outra forma, ganhe ou perca as eleições, Pedro Nuno não tem nenhuma intenção de deixar cair a CPI, para a qual os socialistas pediram um prazo máximo de 90 dias e que servirá para avaliar se Montenegro violou ou não o dever de exclusividade a que está obrigado como primeiro-ministro e se cumpriu todas as suas obrigações no que toca a declarações de património e conflitos de interesse.

Mesmo que Pedro Nuno Santos perca as legislativas – que o Presidente estima poderem ser a 11 ou 18 de maio –, é muito improvável que saia imediatamente da liderança do PS. “Nenhum partido muda de secretário-geral mesmo em cima de eleições autárquicas”, nota à VISÃO uma fonte da direção socialista. Claro que uma derrota, sobretudo se for pesada, vai fazer com que fique a prazo e, depois das autárquicas, a sua liderança possa vir a ser disputada.

De resto, conciliar legislativas antecipadas e autárquicas já está a ser uma dor de cabeça para o PS, que tem na sua bancada 14 candidatos às eleições de setembro e a difícil decisão de saber se os mantém ou não como candidatos às legislativas. Pedro Nuno estará inclinado para não repetir nomes nas listas de legislativas e autárquicas e Alexandra Leitão, a sua cabeça de lista a Lisboa, já disse que a prioridade é ganhar a Carlos Moedas. Mas se os socialistas que são candidatos ficarem mesmo fora do Parlamento, terá também de abdicar de nomes como Ana Mendes Godinho (candidata a Sintra), Ana Abrunhosa (candidata a Coimbra) e Manuel Pizarro (candidato ao Porto).

No debate Pedro Nuno Santos recusou interrupção do debate da moção de confiança, para falar a sós com Montenegro

Pedro Nuno Santos também terá de ser rápido a tomar decisões quanto a possíveis alianças pré-eleitorais. Em cima da mesa pode estar uma coligação com o Livre, que é bem-vista por alguns na direção do PS, mas esse acordo terá de estar fechado em tempo recorde para ir a umas eleições em maio.

A falta de tempo imposta pelo calendário acelerado de Marcelo para ir a eleições – criando o maior hiato possível entre atos eleitorais e dando tempo a que um novo governo possa apresentar o Orçamento para 2026 nos prazos normais – também complica a vida ao próprio PSD. Nos últimos dias, o desgaste de Luís Montenegro fez crescer a ideia (muito debatida em surdina no partido) de um possível regresso de Pedro Passos Coelho. Problema? Passos tem repetido que nunca voltará sem ser eleito e, mesmo que Montenegro saísse da liderança do PSD, os prazos ficavam muito curtos para umas diretas para eleger o seu sucessor. De resto, a única voz mais ou menos audível (os comentários foram feitos apenas num grupo de WhatsApp) a manifestar o desconforto (latente) de (alguns) sociais-democratas foi a de Jorge Moreira da Silva que, no mesmo texto, fez logo questão de deixar claro que não seria oposição interna a Montenegro.

Outro líder a quem o calendário eleitoral coloca problemas é André Ventura. Ventura já disse que eleições legislativas antecipadas poderiam fazê-lo repensar a sua candidatura a Belém. E mais um problema pode ser o facto de 20 dos seus 49 deputados terem sido já anunciados como candidatos às autárquicas.

O País em que, explicitamente, ninguém queria eleições vai mesmo para eleições. O destino estava traçado desde o momento em que o Governo da AD decidiu apresentar uma moção de confiança, porque devia ter a obrigação de saber que o PS, conforme Pedro Nuno Santos avisou repetidas vezes, jamais iria votar favoravelmente uma iniciativa desse género. Uma coisa é abster-se na votação do Orçamento do Estado, do programa de Governo ou até numa moção de censura. Totalmente diferente é pedir ao maior partido de oposição que dê um voto de confiança ao Governo que combate.

Era essa a regra implícita do jogo que saiu das eleições de 10 de março de 2024. Logo nessa noite, apesar do resultado muito semelhante entre PSD e PS, Pedro Nuno Santos aceitou remeter-se ao papel de líder da oposição, enquanto Luís Montenegro, graças à vantagem dos dois deputados do CDS, avançou resoluto para a formação de um governo, com apoio minoritário e frágil no Parlamento.

Desde o primeiro dia, percebeu-se também que dificilmente o Governo iria durar o mandato completo – apesar de Montenegro, no seu discurso de tomada de posse a 2 de abril de 2024, ter afirmado que estava preparado para “os quatro anos e meio da legislatura”.

Desde então, apesar de alguns acordos em momentos decisivos, a corda sempre esteve tensa entre os líderes do PSD e do PS, dando a ideia de que ambos estavam à espera do melhor momento para a quebrar. Acabou por quebrar de forma inesperada e no momento em que, aparentemente, não serve aos interesses de nenhum deles.

A situação só não é pior porque a economia, apesar de tudo, vai dando sinais positivos consistentes. E não é de agora. O atual Governo herdou do executivo de António Costa uma folha de contas públicas com excedente orçamental. E, embora tenha chegado a vociferar contra a ilusão dos “cofres cheios”, Luís Montenegro acabou por ter a habilidade e o bom senso de não desperdiçar essa vantagem.

Num mundo repleto de incertezas e em que crescem os motivos de insegurança, o País tem conseguido também apresentar níveis de crescimento económico superiores aos da maioria dos países da União Europeia e até à média da Zona Euro.

Estes resultados económicos – raros na história da democracia portuguesa – ocorreram durante os mandatos de dois governos diferentes e ao longo de um já extenso período de instabilidade política. Convém ter memória: durante seis meses, entre novembro de 2023 e abril de 2024, Portugal foi governado por um executivo praticamente em gestão e com um primeiro-ministro demissionário. Depois, com umas eleições europeias pelo meio, o País passou largos meses envolvido no psicodrama do Orçamento do Estado, num suspense crescente para saber se seria ou não aprovado.

Quando tudo parecia ter entrado numa aparente normalidade e em vésperas de um ciclo político que deveria ser centrado nas autárquicas do outono e nas presidenciais de janeiro do próximo ano, eis que tudo se precipitou: duas moções de censura em duas semanas consecutivas, uma catadupa de revelações e explicações sobre a atividade empresarial do primeiro-ministro, um excesso de manobras políticas apenas com o objetivo de criar impacto na opinião pública e, durante todo esse tempo, um alheamento quase completo do Governo e da oposição em relação aos grandes temas num momento crucial para a Europa e para o mundo. E essa pode ser a maior das consequências desta crise: em tempos de alta política, que exige o melhor de cada líder, Portugal enredou-se na pequena política – muitas vezes, a roçar até os truques mais baixos e reles.

Assim, quando o País se preparava para celebrar os 50 anos das primeiras eleições livres e democráticas, os portugueses vão ser chamados novamente às urnas para eleger um Parlamento – pela terceira vez em três anos. Neste contexto e depois daquilo a que se assistiu nas últimas semanas, é previsível, apesar de tudo, que as próximas eleições acabem por apresentar dois resultados claros e esclarecedores: demonstrar que os portugueses não queriam ir a eleições e que a crise política irá continuar.

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A iRobot anunciou o lançamento de uma nova gama de aspiradores robôs Roomba, depois de 18 meses de desenvolvimento, que inclui novas funcionalidades e modelos para diferentes necessidades e orçamentos. Ao todo, são cinco os modelos que a iRobot vai lançar no mercado, e que chegam às lojas físicas no dia 23 de março.

Todos os novos robôs garantem maior poder de sucção, navegação melhorada e mapeamento rápido com a tecnologia de navegação Lidar ClearView (uma novidade), presente em todos os modelos. O Roomba Plus 505 Combo Robot, o modelo mais bem equipado, conta ainda com a tecnologia IA PrecisionVision, com promessas de uma limpeza mais precisa e eficaz.

“É importante que tenhamos um produto que não só forneça a tecnologia, mas que realmente ajuste-se da melhor forma na casa do utilizador. A nossa família Roomba baseia-no no feedback dos clientes, fruto de 18 meses de pesquisa. Queremos melhorar todos os aspetos da experiência com produtos da iRobot”, afirmou Warren Fernández, gestor de produto da marca, durante o evento de lançamento em que a Exame Informática esteve presente.

Roomba Plus 505 Combo Robot: O mais sofisticado

O modelo topo de gama é precisamente o Roomba Plus 505 Combo Robot, que conta com um reservatório de água na base e quatro níveis de sucção, atingindo até sete mil Pa de potência (pascal, é a unidade de medida da pressão, frequentemente usada para indicar a potência de sucção de aspiradores).

“Quando conseguimos combinar o reconhecimento de objetos com a câmara suportada por IA, obtemos um comportamento de excelência, onde o produto é inteligente o suficiente para saber o que deve limpar e o que deve evitar”, explicou Warren Fernández, no evento de apresentação dos novos produtos.

Este aspirador é capaz de alcançar cantos difíceis, esvaziar automaticamente os detritos, lavar e secar as esfregonas, além de realizar a auto-limpeza no final das tarefas. É também o único que conta com a tecnologia IA PrecisionVision, que, através da Inteligência Artificial, melhora a precisão da limpeza e a deslocação do robô. Além disso, é compatível com controlo por voz e com a aplicação da iRobot, possuindo uma autonomia máxima de 75 dias.

Além da melhoria na limpeza, “todos os robôs detetam e evitam automaticamente os tapetes no modo de lavagem e são capazes de contornar objetos de forma mais sensível”, explica a marca em comunicado de imprensa, afirmando, ainda, que este é o “maior lançamento de sempre da história da iRobot”.

Modelos para todas as necessidades e carteiras

O Roomba 105 é o modelo de entrada, com uma potência igual à dos outros modelos, de sete mil Pa. Já o Roomba 105 DustCompactor + AutoEmpty Dock é capaz de compactar a sujeira por vários meses, através da sua base. O Roomba 205 DustCompactor Combo é o modelo de gama média, que não só elimina a sujeira, como também compacta os detritos no interior do próprio aspirador. O Roomba Plus 405 destaca-se pela sucção intensa, limpeza profunda e uma base de fácil manutenção com água, permitindo que este aspirador lave também o chão através das suas duas esfregonas.

Além da nova tecnologia, os robots apresentam cores, materiais, acabamentos modernos e são todos compatíveis com a nova aplicação para o smartphone, a Roomba Home App. De acordo com Insun Hong, Diretor de Design Industrial da iRobot, “A apresentação dos produtos é apelativa, agradável e acolhedora. Eles vão integrar-se perfeitamente na estética e decoração da casa de todos os consumidores”, podemos ler no comunicado de imprensa.

O modelo de entrada Roomba 105 Combo Robot tem um preço inicial de 299 euros, sendo que, se optar pela base de auto-descarregamento de detritos, o valor sobe para 399 euros. O modelo intermédio Roomba 205 DustCompactor estará disponível por 449 euros. Já os modelos mais sofisticados da marca, Roomba Plus 405 e Roomba Plus 505, têm preços a partir de 699 euros e 799 euros, respetivamente. A pré-venda dos aspiradores começa no dia 18 de março, ficando disponíveis nas lojas físicas de vários retalhistas a partir do dia 23 deste mês.

Quem estava a assistir ao debate da moção de confiança apresentada pelo Governo, esta terça-feira, ficou surpreendido com a forma inusitada como o líder parlamentar do PSD tentou, durante o plenário, convocar o líder do PS, Pedro Nuno Santos, para uma conversa privada sobre as dúvidas que levaram os socialistas a propor uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre o caso Spinumviva. Horas mais tarde, Hugo Soares iria à CNN contar que tinha havido “conversas” antes do plenário. O que não contou foi o que terá oferecido aos socialistas.

Ao que VISÃO apurou, Hugo Soares contactou o PS cerca de uma hora antes de a sessão arrancar. O líder parlamentar social-democrata estaria disponível para fornecer os documentos que os socialistas pretendessem em troca de desistirem da Comissão Parlamentar de Inquérito.

Alguns documentos não poderiam ser tornados públicos

Soares terá dito aos socialistas que poderiam mesmo apresentar uma lista dos documentos que pretendiam. Com uma condição: alguns deles não poderiam ser tornados público. A justificação seria o facto de estarem sob segredo comercial.

Esse foi, segundo uma fonte da direção socialista, “o primeiro e único contacto” feito entre os dois partidos sobre a CPI.

Já no plenário, perante a proposta de Hugo Soares de suspender os trabalhos para uma reunião com Pedro Nuno Santos, o líder socialista não deixou margem para dúvidas: “as respostas não são para o PS, são para o país”, disse, recusando a ideia de uma “Comissão Particular de Inquérito”.

Soares ainda submeteu um requerimento à mesa para a suspensão dos trabalhos, que foi chumbado pela maioria, com os votos contra de PS, Chega, PCP e BE e a abstenção de Livre e PAN.

Mais tarde, quase no final do debate, Paulo Núncio do CDS, exerceu o direito regimental de pedir a suspensão dos trabalhos durante uma hora. Na AD, a ideia era forçar uma negociação com o PS ou, pelo menos, passar a mensagem que estavam a fazer tudo para evitar uma crise política. Mesmo sem fazer a única coisa que podia garantir que o Governo não cairia nesse dia: retirar a moção de confiança.

Para evitar que alguém pudesse imaginar que estava a decorrer qualquer tipo de negociação, Pedro Nuno Santos optou por não sair da Sala das Sessões, onde se manteve com o seu núcleo duro até ao fim da hora de interrupção.

Durante o debate, nem Luís Montenegro nem Hugo Soares propuseram de forma aberta a retirada da CPI como moeda de troca para deixarem cair a moção de confiança.

“A proposta do Governo nem sequer era minimamente séria”

Aquilo que foi proposto à vista de quem assistia ao debate foi primeira uma Comissão Parlamentar de Inquérito de 15 dias. Algo nunca visto. Embora a lei não estabeleça um prazo mínimo, em regra as CPI começam com um prazo de 90 dias que, na maior parte dos casos, acaba por ser prorrogado, dada a complexidade dos trabalhos, a necessidade de agendar audições e de esperar por documentos que são requeridos.

No Facebook, o deputado socialista Filipe Neto Brandão explicou como, na prática, esse prazo inviabilizava a CPI. “O n.º 5 do artigo 13.º do Regime Jurídico dos Inquéritos Parlamentares determina que ‘A prestação das informações e dos documentos referidos no n.º 3 tem prioridade sobre quaisquer outros serviços e deve ser satisfeita no prazo de 10 dias, sob pena de o seu autor incorrer na prática do crime referido no artigo 19.º, salvo justificação ponderosa dos requeridos que aconselhe a comissão a prorrogar aquele prazo ou a cancelar a diligência’. Ora, o Governo, ao propor que uma CPI a instituir tivesse como prazo 15 dias, isso significaria que, se entre a tomada de posse da comissão, análise de requerimentos probatórios apresentados pelos seus membros, a sua aprovação e a expedição de solicitação de documentos mediassem 5/6 dias, as primeiras respostas chegariam à CPI já depois de terminado o prazo para essa CPI funcionar”, escreveu.

“A proposta do Governo nem sequer era minimamente séria, era mesmo uma provocação”, concluiu Neto Brandão.

Durante a interrupção dos trabalhos, o PSD fez saber que tinha feito uma contraproposta para a CPI ter uma duração máxima de 60 dias, algo que também nunca aconteceu e que ia contra o facto de o PS ter usado o seu direito potestativo para impor esta comissão, ou seja, sem necessidade de negociar os termos e os prazos com nenhum outro partido para a ver aprovada.

Perante isto, tanto a líder parlamentar do PS, Alexandra Leitão, como Pedro Delgado Alves, vieram criticar a ideia de que o escrutinado pudesse definir os termos do seu escrutínio, recusando entrar naquilo que os socialistas consideraram ser uma “barganha”.

Contactados pela VISÃO, nem Hugo Soares nem Alexandra Leitão quiseram fazer comentários.

A NIU já lançou no mercado português a nova série de trotinetes elétricas composta pelos modelos KQi300P e KQi300X. Esta gama foi concebida para proporcionar maior liberdade de mobilidade aos utilizadores.

A NIU KQi300X destaca-se pelo motor de 500 watts (com um rendimento máximo de 1000 watts), permitindo enfrentar inclinações até 25%. A bateria, com capacidade de 608 Wh, garante uma autonomia de 60 km, com um tempo de carregamento de seis horas. A velocidade máxima é de 25 km/h.

Veja imagens da trotinete NIU KQi300X:

Já a NIU KQi300P conta com um motor de 450 watts (com um rendimento máximo de 900 watts) e é capaz de subir inclinações até 20%. A bateria de 486 Wh assegura uma autonomia de 48 km, sendo o tempo de carga de cinco horas. A velocidade máxima mantém-se nos 25 km/h.

Veja abaixo imagens do modelo KQi300P:

Segurança e conforto reforçados

As novas trotinetes da marca chinesa foram desenvolvidas com foco na segurança e na estabilidade. A inclusão de uma suspensão hidráulica frontal avançada, com curso de 45 mm, permite uma condução mais suave, mesmo em pisos irregulares. O guiador ergonómico, com acelerador de punho rotativo, e os pneus de 10,5” x 2,5” deverão garantir uma experiência de condução mais estável e confortável.

Para aumentar a segurança, os modelos estão equipados com travões de disco duplo e um sistema de travagem regenerativa na roda traseira. Além disso, a KQi300X conta com pneus autorreparáveis, permitindo continuar a viagem mesmo após um furo.

A visibilidade também foi um fator prioritário no design da nova série. Ambas as versões incluem um farol LED dianteiro em forma de halo, luz traseira, indicadores de mudança de direção e refletores laterais e frontais, garantindo maior segurança ao condutor, sobretudo em condições de fraca luminosidade.

Conectividade e aplicação

Os utilizadores da nova série KQi300 podem ligar as trotinetes à aplicação oficial da NIU via Bluetooth. A partir da aplicação, é possível monitorizar o estado da trotinete, consultar o histórico de percursos, definir modos de condução (E-Save, Sport, Custom, Pedestrian), ajustar o nível de travagem regenerativa e configurar o limite de carga da bateria para prolongar a vida útil. Outra funcionalidade importante é a possibilidade de bloquear e desbloquear a trotinete diretamente pela aplicação.

Os novos modelos já estão disponíveis no mercado português. A KQi300P tem um preço de 649 euros, enquanto a KQi300X pode ser adquirida por 749 euros.

À saída de uma audiência com Marcelo Rebelo de Sousa, o secretário-geral do PS defendeu que as eleições legislativas antecipadas não eram o cenário “desejável para ninguém”, mas que são a “única forma” de clarificar a situação política do País. Pedro Nuno Santos referiu ainda que a realização de eleições legislativas deve ocorrer “o mais depressa possível”. 

“Não devemos olhar para os atos eleitorais como momentos que sejam um estorvo na nossa vida política democrática, muito pelo contrário”, referiu, sublinhado que esta é “uma oportunidade para nós desbloquearmos a situação de crise política” e iniciar “uma nova fase da vida política em Portugal, com estabilidade, com confiança nas instituições, com confiança no Governo, com confiança no primeiro-ministro”.

O Presidente da República recebe hoje, no Palácio de Belém, todos os partidos com assento parlamentar, na sequência da queda do atual Governo.

Amadeu Guerra, procurador-geral da República, anunciou esta quarta-feira a abertura de uma averiguação preventiva pelo Ministério Público, relacionada com a empresa familiar de Luís Montenegro, Spinumviva, e com o próprio primeiro-ministro.

Em declarações aos jornalistas à saída do Supremo Tribunal de Justiça, em Lisboa, Guerra explicou que foram recebidas três queixas relacionadas com a empresa. A averiguação preventiva tem por objetivo verificar se existem elementos que justifiquem a abertura de um inquérito.

A Procuradoria-Geral da República já tinha anunciado ter recebido uma denúncia anónima na semana passada.

A notícia surge um dia depois da queda do Executivo, na sequência do chumbo da moção de confiança.

Terminar a refeição com um pão e um copo de tinto Enxarrama 2014, o vinho mais antigo de que há registo escrito em Portugal, de finais do século XIII, não acontece em muitos lugares. É preciso ser uma casa especial, como é a partir de agora A Cozinha do Paço, para idealizar um momento como este. É no gabinete do morgado, com lareira acesa e janelas a toda a volta, que se molha o pão quente no azeite A Galega. À mesa, predomina o aroma do feno que Afonso Dantas reconheceu quando chegou a Évora, no verão passado, diretamente da ilha da Madeira, onde nasceu há 25 anos.

Sala do Morgado. Foto: Ranieri Faraoni

Agora, com o apoio do chefe Manuel Maldonado (100 Maneiras), aqui como consultor, Afonso, que já trabalhou em restaurantes em França e no Audax (uma Estrela Michelin), no Funchal, quer honrar o lugar onde está e a sua história, redescobrindo o que aqui se comeu. “Vou trabalhar o Alentejo com finesse”, resume o jovem obstinado.

Essa delicadeza surge em vários momentos dos quatro menus de degustação, como as tradicionais “migas de assobio”, pão e toucinho elevados a espuma de migas, papada curada crocante, rebentos de coentro, alho negro e espargos.

Chefe Afonso Dantas. Foto: Ranieri Faraoni

Na primavera, os menus pensados para serem exclusivos – com acesso à biblioteca do produtor, ou seja, a vinhos que já não se vendem em loja – terão ainda mais produtos da horta, como as ervilhas e as favas que o senhor António gosta de plantar. O chefe, entretanto, também já explicou ao responsável pela sementeira que as alcachofras afinal não são uma praga e as curgetes e os rabanetes não precisam de pesar três quilos.

“O que define o terroir é o que lhe falta”

Até nos sentarmos na sala da garrafeira, passamos pelo pátio do recebimento, onde as gentes pagavam ao morgado, antes de assistirem à missa na capela, onde foi descoberto um fresco de São Cristóvão, junto à adega, localização comum à época. A decoração de Ana Trancoso, desde a cozinha e a sala no piso intermédio até ao salão nobre, prima pela baixa intervenção, mas com objetos de muita precisão – tal qual o conceito de António Maçanita para as suas vinhas de sequeiro.

Adega Fita Preta no Paço do Morgado de Oliveira. Foto: Ranieri Faraoni

São mais de 60 hectares de vinha em agrofloresta, em harmonia com a horta, as ovelhas, as vacas e as galinhas. “A agricultura é o Homem a intervir no meio natural, pode ser a conviver ou a arrumar”, diz Maçanita, enquanto nos guia até à mesa. “O que define o terroir é o que lhe falta, não a abundância”, elucida.

O entusiasmo de António Maçanita, 45 anos, é contagiante. Seja a relembrar quando há dez anos quis comprar a D. João Saldanha o Paço do Morgado de Oliveira, fundado em 1304, casa fortificada agrícola com vista para Évora, seja a dar a provar o mais recente lote branco Fita Preta 2024. Defensor do “respeito pela memória coletiva”, na agricultura, nas castas e no património arquitetónico, o enólogo prefere inventar de novo em vez de copiar. É isso que também acontece n’A Cozinha do Paço.

Com cerca de 30 lugares disponíveis, sempre com reserva, aqui as refeições requerem vagar, disponibilidade para se estar, saborear, apreciar e criar novas lembranças. Virados para o altar, comemos o primeiro snack, um peixe de rio curado em vinho tinto e caviar com o espumante Blanc de Blancs Fita Preta. Já na cozinha, Afonso Dantas tem preparado o tártaro de lúcio-perca, lagostim do rio e crocante de grão, para depois dar uma colher de café com ovas de pimpão curadas a cada pessoa. 

Coscorão de borrego Foto: Ranieri Faraoni

No copo, o Tinta Carvalha 2022, tinto da vinha Chão dos Ermitas, acompanha o torricado de veado e cogumelo, segue-se um estaladiço coscorão de borrego, tomatada, salsa e gema de ovo (com Fina Flor, um branco ao jeito dos vinhos de Jerez envelhecidos em solera); cogumelos salteados, castanha fermentada, espuma de abóbora e rebento de borragem (com Palpite 2008, a segunda colheita de um branco emblemático da adega).

O próximo momento, saberemos no fim que foi um dos preferidos do almoço: enguia fumada (numa conserva de escabeche), ervas, pinhão, manteiga de pinhão e dashi de enguia (com Rosé da Fita Preta Non-Millésime Cuvée n.º 2 2016). Completamente fora do convencional, o vinho e a sua combinação com a eiró.

É no prato de peixe que Afonso abre a mala trazida da Madeira: pregado grelhado e funcho (aroma doce a que lhe cheirou a terra nos dias quentes do verão) e molho beurre blanc com manteiga de ovelha (branco Morgado de Oliveira, o primeiro vinho da propriedade, 100% Arinto, plantado em sequeiro, em modo biológico).

Pregado grelhado e funcho. Foto: Ranieri Faraoni

Momento esperado, o da carne; escolha inusitada, a da proteína, num tributo ao frango do campo com avelãs e praliné de couve-flor (Preta Homenagem David Booth 2021).

Lentamente, em direção ao fim, houve surpresas nas sobremesas: pera fermentada com queijo azul, pérolas de iogurte, jus de maçã fermentada; e laranja, mel e açafrão (na vez do tradicional azeite), uma referência à “memória coletiva”. No copo, um dourado Laranja Mecânica (“como se fosse um bisque de camarão, cheio de sabor”, feito de películas prensadas, maceradas e reprensadas). É preciso processar a informação e arrumá-la na pasta certa, para quando a memória for à gaveta dos pequenos grandes prazeres.

A Cozinha do Paço > Adega Fita Preta, Paço do Morgado de Oliveira, Estrada M527, km10, Évora > T. 91 588 0095 > seg-sex almoço 12h, 14h, qui-sex jantar 19h  > Menus Clássicos 6 momentos, 5 vinhos €135, Clássicos e Colheitas Antigas 6 momentos, 5 vinhos €180, Aquém e Além-Mar 9 momentos, 7 vinhos de Portugal continental e ilhas €255, O Enxarrama 9 momentos, 7 vinhos €285, todos com água, café e chá