Em apenas um mês, desde a tomada de posse a 20 de janeiro, Donald Trump dinamitou a ordem mundial, ditou o fim da era de livre comércio global, fez implodir o que ainda restava do soft-power dos EUA pelos cinco continentes, virou ostensivamente as costas aos aliados tradicionais de Washington, acionou o botão para fazer evaporar a aliança transatlântica e, pelo caminho, ainda teve tempo para iniciar o processo de reabilitação de Vladimir Putin perante a comunidade internacional.

Nos seus primeiros 30 dias no regresso ao poder, Donald Trump conseguiu ainda retirar os EUA do lugar que ocuparam nas últimas décadas e mudar completamente as regras do jogo da política global. Não fez nada disto por impulso ou a reboque de instintos básicos. Tudo o que tem feito obedece a um plano, que pode parecer louco para quem queria acreditar que as promessas feitas na campanha eleitoral eram só um bluff para enganar incautos, mas que tem objetivos bem definidos: proteger os interesses norte-americanos, sem se preocupar com acordos em vigor ou alianças erguidas numa conjuntura que já desapareceu.

Desde o primeiro destes 30 dias, Donald Trump tem demonstrado que vê a União Europeia como um adversário, que precisa de dominar ou, simplesmente, abandonar à sua sorte. E, pela voz do seu vice-presidente J. D. Vance, o novo poder de Washington veio à Europa insurgir-se contra a “excessiva regulamentação” da UE em relação à Inteligência Artificial e, pior do que isso, procurar dar lições de democracia e de liberdade de expressão, como se fossem os donos absolutos da verdade.

E, se dúvidas ainda restassem acerca das suas intenções, o mesmo J. D. Vance fez questão de recusar um encontro com o chanceler alemão, preferindo antes reunir-se, em plena campanha eleitoral, com a líder dos neonazis da AfD, Alice Weidel. O que torna tudo ainda mais claro: depois da anunciada guerra comercial e das ameaças em relação aos mecanismos de defesa, os EUA de Trump estão também a declarar uma guerra ideológica aos princípios fundadores da União Europeia.

Perante tudo isto, custa a compreender como a Europa ainda não conseguiu insurgir-se, de forma clara e inequívoca, contra a ameaça que os EUA de Trump representam. Ao longo destes primeiros 30 dias, a administração norte-americana tem esticado a corda o mais possível, sem se importar com as consequências. E a Europa, como sempre, mesmo apesar das promessas de que vai responder “à altura”, continua a mostrar as suas divisões. E também uma postura permanente de prudência, que cada vez tem menos justificação. Até porque os sinais estão à vista, na atual conjunta internacional: num mundo cada vez mais dominado e entregue aos mais fortes, quem se remeter ao papel de fraco acabará, inevitavelmente, por perder.

É verdade que Donald Trump ainda só está há um mês no poder, mas, se a Europa não souber encontrar agora o tom de voz certo para o enfrentar, já sabe que, nos 47 meses que faltam até ao final do seu mandato, tudo tenderá a ficar pior.

“No fundo, somos todos reles, mas alguns de nós conseguem esconder melhor essa condição”, escreveu José Saramago no Ensaio Sobre a Cegueira. De facto, todos nós, num qualquer momento da vida, com justificação ou sem ela, já fomos reles, ou seja, já todos, por instinto de vingança ou de “cabeça perdida”, proferimos acusações injustas, grosseiras e ofensivas.

Há, no entanto, quem faça do insulto a sua forma de estar na política (ou, quem sabe, até na vida…).

Na Assembleia da República, como temos presenciado de forma repetida, há muitos deputados do Chega que são reles por convicção e não por descuido. Fazem-no por vontade própria, como se o insulto fosse a única arma de combate político que conhecem. E sempre com o mesmo objetivo de tentar arrastar a casa da democracia para o caos e a baixeza moral. Continuar a considerar que a permanente falta de educação ou as acusações reles estão dentro dos limites da liberdade de expressão só tem uma consequência: o enfraquecimento da democracia.

OUTROS ARTIGOS DESTE AUTOR

+ Baralhar problemas para confundir a prioridade

+ Quem quer conversar com Donald Trump?

+ Três interrogações e uma inquietação

Palavras-chave:

No inquérito Stresse na América 2024, promovido pela Associação Americana de Psicologia (APA), pouco antes da eleição de Donald Trump, mais de 7 em cada 10 adultos (77%) afirmaram que o futuro do país era a maior fonte de stresse nas suas vidas. A economia foi a segunda referida (73%), seguida pelas eleições presidenciais que se avizinhavam (69%). Muitos especificaram ainda estar preocupados com o facto de o resultado eleitoral poder levar à violência (72%) e mais de metade disse acreditar que ele poderia representar o fim da democracia nos Estados Unidos da América (56%).

Estas percentagens vieram dar novamente razão a Kevin B. Smith, professor de Ciência Política na Universidade do Nebraska-Lincoln, nos EUA, que estuda há décadas a maneira como a política afeta o bem-estar das pessoas. “Há uma quantidade considerável e crescente de provas de que a política está a ter um efeito negativo num vasto leque de resultados em matéria de saúde”, comentou, entrevistado pela Monitor on Psychology, a revista da APA. “Esta conclusão vem de diferentes académicos que usam dados, abordagens e medidas diferentes”, observava, “e todos chegam à mesma conclusão: a política não é muito boa para nós.”

Smith já lá chegara em 2019, ao realizar um estudo sobre os custos da política nas relações com a família e os amigos, na sanidade mental e na saúde. No inquérito que ele e a restante equipa levaram a cabo a nível nacional, cerca de 40% dos adultos responderam acreditar que a sua saúde física fora prejudicada pela exposição à política e um número ainda maior referiu prejuízos emocionais e perda de amizades. Cerca de 20% admitiram ter perdido o sono por causa das notícias políticas.

Note-se que a polarização partidária é um fator determinante neste efeito negativo da política na saúde mental. A mentalidade “nós contra eles”, que vem dos tempos pré-históricos (quando um grupo diferente podia ser sinónimo de luta pelo território), parece estar incrustada no nosso cérebro, podendo comprometer a estabilidade emocional por causa do stresse que provoca.

Os investigadores têm constatado isso mesmo nos EUA, desde que Trump foi eleito pela primeira vez. Num dos estudos, publicado em 2021 na revista Social Science & Medicine, mas com o trabalho de campo feito entre dezembro de 2019 e janeiro de 2020, uma equipa da Universidade de Northeastern, em Boston, concluiu que as pessoas que disseram que o estado onde moravam estava a tornar-se mais polarizado politicamente também tinham uma probabilidade maior de desenvolver ansiedade ou depressão.

Polarizada e crescentemente beligerante, a política americana está a ameaçar a saúde mental dos eleitores – e, naturalmente, a acender sinais de alerta noutros países que também estão cada vez mais “nós contra eles”.

LEIA TAMBÉM:
Ansiedade: Quando o mundo é um lugar estranho

Pessoas de direita e de esquerda têm cérebros diferentes?

Pedro Morgado: “É tudo tão rápido e tão pouco profundo que nem chegamos a perceber o impacto que temos nos outros”


Palavras-chave:

A amígdala (do grego amygdále, “amêndoa”, pelo latim amygdala) é a parte do cérebro responsável por orquestrar emoções. Para simplificar, costuma-se usar a palavra no singular, embora na realidade sejam duas pequenas estruturas de neurónios (em forma de amêndoa, pois), localizadas no interior dos lobos temporais do cérebro, que estão ativas durante os estados de medo e de ansiedade. É graças a elas que nos apercebemos das ameaças à nossa sobrevivência e ficamos alerta para fugir ou lutar. São, por isso, associadas a comportamentos relacionados com a segurança e a cautela.

Em 2011, foi a partir desse pressuposto que investigadores da University College London, no Reino Unido, decidiram comparar os cérebros de 90 estudantes conservadores e progressistas, através de exames de ressonância magnética. O estudo, então publicado na revista Current Biology e amplamente partilhado um pouco por todo o mundo, demonstrou que os jovens universitários que se diziam conservadores apresentavam um aumento do volume da amígdala direita.

Recentemente, uma equipa de cientistas do Colégio Americano da Grécia, em Atenas, e da Universidade de Amesterdão, nos Países Baixos, quis comprovar essa ideia de que os eleitores têm diferenças identificáveis na anatomia cerebral. Recorrendo a uma amostra dez vezes maior e mais diversificada do que a do estudo original, confirmaram que a ideologia política está relacionada com o tamanho da amígdala – embora, desta vez, com uma ligação mais matizava do que se pensava.

Nesse novo estudo, publicado em outubro de 2024, na revista iScience, os investigadores utilizaram exames preexistentes de 928 indivíduos, com idades compreendidas entre os 19 e os 26 anos, cujos níveis de educação e identidades políticas eram representativos da população holandesa. Descobriram, então, que a relação entre o tamanho da amígdala e o conservadorismo era três vezes mais fraca do que a relatada no estudo original.

Ainda assim, tratou-se de um resultado importante, sublinhou o seu autor principal, que sugere estudos futuros integrando as ligações funcionais entre a amígdala e diferentes partes do cérebro.

“Foi realmente uma surpresa termos replicado a descoberta da amígdala”, disse o investigador em psicologia política e neurociências Diamantis Petropoulos Petalas, em comunicado. “Sinceramente, não estávamos à espera de replicar nenhum destes resultados, mas a amígdala controla a perceção e a compreensão das ameaças e da incerteza do risco, pelo que faz todo o sentido que os indivíduos mais sensíveis a estas questões tenham maiores necessidades de segurança, algo que normalmente se alinha com ideias mais conservadoras na política.”

LEIA TAMBÉM:
Ansiedade: Quando o mundo é um lugar estranho


“É tudo tão rápido e tão pouco profundo que nem chegamos a perceber o impacto que temos nos outros. Entrevista ao psiquiatra Pedro Morgado

Quando as eleições ameaçam a saúde mental

Palavras-chave:


Por que razão tememos tanto a ansiedade se ela é um mecanismo natural?
A ansiedade é um mecanismo fisiológico que tem como objetivo final proteger a integridade das pessoas e garantir a sua sobrevivência do ponto de vista físico e psicológico. Falamos de uma integridade, de as pessoas sentirem-se “parte de”, seguras, tranquilas. Quando isto está em causa, os mecanismos são ativados com uma função imediata e também futura, para ajudar a aprender a gerir a ansiedade e a decidir melhor o que fazer. Mas a ansiedade pode ter comprometimentos fisiológicos e cognitivos.

E parece que nunca se viu tanta gente ansiosa. O que mudou?
Houve um aumento muito significativo dos estímulos a que estamos sujeitos. Numa hora, há mais estímulos do que num dia no passado. Em menos de um século, isto cresceu exponencialmente. E cresceu nos estímulos imediatos e nos factos de que temos conhecimento. Há cem anos, sabíamos o que acontecia na nossa freguesia e à volta. Hoje, dá-se um acontecimento insólito na Índia e nós ficamos a saber no momento seguinte.

É natural, uma vez que agora trazemos o mundo no bolso, no telemóvel.
E com isso também aumentou o número de conexões com outras pessoas, virtualmente. Elas são muito importantes para a nossa sensação de pertença e para o nosso bem-estar, mas não são verdadeiramente relações. São meras conexões e, portanto, não são gratificantes como as verdadeiras, o que também gera alguma ansiedade, porque é tudo tão rápido e tão pouco profundo que nem chegamos a perceber o impacto que temos nos outros. As relações são mais automáticas e não são construídas com bases sólidas. Em suma, há um excesso de estímulos ansiogénicos negativos e um défice daquilo que poderia ser ansiolítico, como são as relações próximas que nos dão paz para vivermos melhor.

É esse desequilíbrio que contribui para esta sociedade mais ansiosa?
Há mais um fator: as redes sociais, muito eficazes a disseminar conteúdos curtos que geram perceções longe da realidade. É um fenómeno novo que está a ser intencionalmente usado por pessoas com fins políticos, e nós somos uma sociedade que ainda está a aprender com isto. Na minha perspetiva, temos mais pessoas com medo de coisas que não são tão sérias nem assustadoras como elas as percecionam.

A escolaridade e a literacia têm peso nisso, não?
Têm, claro, sendo que em Portugal elas estão abaixo da média europeia. Mas eu ainda destacaria uma outra questão, que é mais permanente na nossa cultura: a passividade, o “podia ser pior” e aceitar o destino como algo que não se pode mudar. E é todo este caldo cultural, levando em cima com as redes sociais a disseminarem ideias que não são verdadeiras, que está a potenciar a ansiedade.

E é uma ansiedade patológica? Ela deve preocupar-nos?
Não quer dizer que as pessoas estejam com perturbações do seu aparelho ansioso, mas estão a ativá-lo mais e isso tem implicações. As pessoas têm mais medo do que pode vir aí do que o risco efetivo – porque a ansiedade é uma antecipação daquilo que pode correr mal, não é só uma resposta. Na clínica, vemos que, em Portugal, há muitas perturbações mentais. Claro que nem todos os que experienciam a ansiedade ficam doentes, mas existe um maior risco de isso acontecer. Num país onde as narrativas são permanentemente negativas e pessimistas, em que tudo está mal e vai correr mal, as pessoas têm uma perceção distorcida que não permite que usufruam o momento que estão a viver. Esta perceção toma conta das suas vivências, e, por isso, há mais pessoas em risco de virem a desenvolver ansiedade patológica.

Narrativas permanentemente negativas por parte de quem?
Os próprios políticos, nos seus discursos, ao selecionarem alguns temas que são episódicos, como o tema da insegurança ou a relação entre a imigração e a criminalidade (que os números demonstram não existir), estão a contribuir para esta ansiedade generalizada que tem consequências no que as pessoas pensam e no que fazem em relação a outras pessoas. Às vezes, com isto compromete-se o futuro da sociedade.

Já vimos no último Barómetro da Imigração que existe uma perceção errada de insegurança ligada aos naturais do chamado subcontinente indiano.
Fico zangadíssimo com estas coisas, porque se há uma comunidade que é pacífica, que não traz problemas nenhuns para nós, é a indostânica. É mesmo absurdo.

É absurdo, mas sabemos que é um tipo de perceção que vem dos tempos pré-históricos: o grupo diferente era potencialmente inimigo, porque viria tentar roubar território.
Claro que é básico, primitivo. Há vinte séculos, um ser humano contactava com vinte ou trinta pessoas. Essa realidade mudou, mas o nosso cérebro ainda está programado para estarmos apenas com essas vinte ou trinta pessoas. A sociedade evoluiu, toda a gente veio para as cidades (porque se viverá melhor aqui na cidade, temos de deixar de romantizar a vida no campo…), mas o nosso cérebro ainda precisa de tempo para se adaptar. Por isso, precisamos de humanismo, de pensamento, para mediar e controlar as nossas reações fisiológicas.

LEIA TAMBÉM:
Ansiedade: uando o mundo é um lugar estranho

Pessoas de direita e de esquerda têm cérebros diferentes?

Quando as eleições ameaçam a saúde mental

Palavras-chave:

Há situações e frases que nunca esquecemos, e nem precisam de ser maravilhosas ou traumáticas. Talvez isso aconteça por nos terem marcado particularmente ou porque as memórias estão cheias de conexões em diferentes regiões do cérebro, tornando-se, por isso, difícil de serem apagadas. O certo é que elas por vezes parecem indeléveis.

No final de janeiro de 2002, o último mês de vida da minha avó Germana, lembro-me de que os portugueses andavam aflitos a fazer contas. O euro acabara de substituir o escudo, muitos preços haviam duplicado de um dia para o outro e o País atravessava uma crise política por causa da hecatombe do PS nas autárquicas de dezembro anterior. A recente invasão do Afeganistão, por parte dos Estados Unidos da América, na sequência do 11 de Setembro, fomentara um clima de incerteza no mundo.

Hoje, nem preciso de fechar os olhos para voltar a ver a minha avó de comando da televisão na mão, a carregar no botão off, invariavelmente num desabafo: “É só desgraças nas notícias, que aflição.” Ao longo dos seus 92 anos, passara por duas guerras mundiais, uma revolução e mudanças sociais gigantes. Era uma mulher extraordinariamente jovial para a idade, que se fora adaptando e evoluindo, mas o mundo parecia-lhe cada vez mais um lugar estranho e perigoso.

“ANSIEDADE IRRACIONAL”

Essa imagem surgiu-me agora como um flash ao ler o historiador Felipe Fernández-Armesto, numa entrevista ao El País, falar sobre os receios que a vida em permanente mudança, cada vez mais acelerada, desperta. E ensinando a ultrapassar aquilo que chama de “ansiedade irracional”.

“Estamos a mudar a um ritmo sem precedentes na História do mundo. Isso preocupa as pessoas, que sentem que podem perder o fio da sua identidade, as suas tradições, a sua cultura… Para alguns, a chegada dos imigrantes é uma ameaça. Esta é uma época de ansiedade irracional. Devemos adaptar-nos mentalmente à nova situação”, aconselhava o conhecido ensaísta britânico, nascido em Londres e filho de dois jornalistas espanhóis.

Receios Ficamos mais calmos se compreendermos que a vida em permanente mudança, e cada vez mais acelerada, se deve, em grande parte, às trocas culturais provocadas pela globalização

Para Felipe Fernández-Armesto, essa adaptação passa por compreender que a mudança e as causas da sua aceleração se devem, em grande parte, às trocas culturais provocadas pela globalização. “Quando tivermos compreendido isso, talvez possamos acalmar-nos. Quando compreendemos algo, não ficamos tão assustados. As pessoas ficam mais descontraídas”, lembrava.

A ideia de ansiedade irracional apresentada pelo historiador britânico é mais atual do que nunca. No entanto, esta entrevista ao El País foi feita em junho de 2016, por altura da publicação em Espanha do seu livro A Foot in the River: Why Our Lives Change – and the Limits of Evolution (à letra, Um Pé no Rio: Porque é que as nossas vidas mudam – e os Limites da Evolução). Dali a cinco meses, os americanos iriam escolher Donald Trump para Presidente – tal como o fizeram agora.

Será a História a repetir-se? Ou estaremos a viver num continuum? E por que razão se mantém a sensação de que os imigrantes constituem uma ameaça? Por fim, ou antes de mais nada, o que tem isto que ver com a ansiedade?

Tem tudo – e em várias camadas.

ALERTA PARA FUGIR OU LUTAR

Para começar, devemos perceber que a ansiedade é uma resposta natural à incerteza e que todos nós a experimentamos na vida. Estamos quase que programados para isso – para reagir e para aumentar o foco. É uma espécie de preparação do cérebro para o desconhecido.

Tudo começa na amígdala, a parte do cérebro onde se processam as emoções, que está especialmente ativa durante os estados de medo e de ansiedade. É graças a ela que nos apercebemos das ameaças à nossa sobrevivência e ficamos alerta para fugir ou lutar.

A ansiedade pode ser adaptativa, empurrando-nos para a ação, para reagir a situações adversas. Ou pode levar a um evitamento de situações, uma espécie de precipitação, em que tomamos decisões precipitadas, de fuga para a frente.

“Essa é a ansiedade normal, que faz parte do ser humano, dos desafios do dia a dia, e que desaparece a seguir a esse momento”, nota Ana Carina Valente, psicóloga e professora no ISPA – Instituto Universitário, em Lisboa. “Mas se hoje se fala cada vez mais de ansiedade é porque, desde a pandemia, os níveis têm estado a aumentar e muitas vezes há uma passagem para uma ansiedade patológica, ou seja, uma ansiedade persistente, intensa, que nos faz sofrer por antecipação e tem impacto negativo no nosso dia a dia. Com alterações do sono, do apetite, fobias associadas.”

Desproporcional Uma amígdala maior pode criar mais sensibilidade e levar a que o indivíduo exagere tudo o que parece uma potencial ameaça – seja ela real ou não

Passámos por uma pandemia e, a seguir, o mundo não tem sido simpático para nós (uma guerra, depois outra…). Vivemos numa época de incerteza e incógnita e sentimos que não temos controlo. “Como não tenho controlo, tenho níveis de ansiedade muito elevados e, quanto mais tempo eu estiver com níveis elevados de ansiedade, maior probabilidade de ela se tornar patológica – e, aí, estamos a falar de doença. Claro que temos mecanismos de adaptação, mas nem sempre são suficientes”, lembra a mesma especialista.

Enquanto professora, Ana Valente sabe que os estudantes universitários andam particularmente ansiosos – e cada vez mais. “Quando temos a vida virada ao contrário, sofremos. As guerras não estão aqui mesmo ao lado, mas os jovens não sabem se vão ter trabalho, se vão poder ter filhos, comprar casa. A falta de confiança diminui a saúde psicológica de um modo geral, e, quanto mais esta conjuntura é prolongada no tempo, mais probabilidade de se desenvolver uma patologia.”

Este ano letivo, o ISPA criou, por isso, o UNI.R, um projeto que tenta pegar em todos os dispositivos da universidade. “O poder político lançou o cheque de saúde mental para os estudantes universitários, mas o Serviço Nacional de Saúde não tem uma resposta eficaz”, alerta a psicóloga. “Uma ansiedade grave tem uma espera de um ano e meio. Ou vai para o privado e paga ou… o SNS não ajuda.”

RAIVA E VIOLÊNCIA

A incerteza é um dos gatilhos, como já se viu. E para Sofia Ramalho, bastonária da Ordem dos Psicólogos Portugueses, o facto de hoje termos acesso a muita informação significa mais incerteza. “A ansiedade é intensificada pelas crises, mas também pela sobrecarga de informação a que estamos sujeitos e a muito mais desinformação”, sublinha. “As pessoas ficam expostas a mensagens mais alarmistas e têm dificuldade em perceber o que é ou não verdade, e isso gera ansiedade e incapacidade de tomar decisões. A ideia de que os políticos não dão respostas ao que sentem como insegurança leva a que deixem acreditar neles e nas instituições.”

Entra-se, então, num círculo vicioso e cai-se facilmente na polarização, porque a ansiedade coletiva amplifica as divisões e leva a mecanismos mais extremistas, de raiva e de violência. “As pessoas tomam decisões muito mais irracionais e baseadas no medo. Isto significa que a desinformação é ela própria um problema de saúde mental, porque aumenta a ansiedade. A luta pela saúde mental está ligada a uma luta por uma informação mais responsável, clara, informativa. Caso contrário, a informação adoece”, alerta Sofia Ramalho.

Como gerir a ansiedade financeira

Algumas estratégias aconselhadas pela Ordem dos Psicólogos Portugueses

Aceitar as emoções
Ficarmos tristes, com medo, frustrados ou zangados faz parte do processo de lidar com uma situação financeira frágil

Sentir gratidão
Ajuda olhar para aquilo que já conquistámos e que mantemos, e no apoio que temos para ultrapassar os momentos mais difíceis

Redefinir necessidades
Podemos pensar numa outra altura em que tivemos menos dinheiro – o que nos dava prazer então? Qual era o sentido da nossa vida?

Comparar com outros
Pode ser útil compararmo-nos com alguém que tem menos do que nós e perguntarmo-nos como farão essas pessoas para lidar com as dificuldades

Pensar no pior cenário
Parece contraintuitivo, mas planear e prever as nossas respostas a situações difíceis pode ajudar-nos a sentir mais controlo

Enfrentar medos
Se lidarmos com o facto de nos estarmos a endividar, podemos pedir ajuda e analisar a melhor forma de gerir as nossas dívidas

Banir a vergonha
É importante lembrarmo-nos de que não estamos sozinhos – há muitas outras pessoas a passar por dificuldades financeiras

“Isto significa que é muito urgente que se coloque a saúde psicológica no topo do debate político e social. Ela tem de ser uma prioridade na agenda política, mas na prática. Não apenas na teoria”, ressalva a bastonária. “O Estado tem responsabilidades para cumprir nesta área e também as instituições e os media – para criar contextos de estabilidade e mais promotores da saúde mental.”

“Precisamos de políticas para proteger as pessoas quando estão em situação de mais vulnerabilidade, porque a ansiedade é muitas vezes um sintoma das desigualdades e de falta de oportunidades. Precisamos de promover a resiliência da população portuguesa – e não é ignorando a ansiedade, mas sim ensinar a viver com ela. Recorrendo a uma metáfora: temos ajudar as pessoas a surfar nas ondas na vida, em vez de elas serem arrastadas numa onda.”

Hoje, já toda a gente consegue identificar sintomas de ansiedade, até as crianças. As que nunca lhe tinham posto nome, riram-se e interiorizaram a informação passada no filme Divertida-Mente 2 (estreado no verão passado), em que Riley, agora uma adolescente de aparelho nos dentes, fica tão dominada pela ansiedade que chega a ter um ataque de pânico durante um jogo de hóquei no gelo.

Mais impositiva do que as também novíssimas Vergonha, Inveja e Tédio, a Ansiedade rapidamente assume o controlo da mente de Riley, reprimindo as boas emoções (num frasco). A miúda é, então, inundada por cenários hipotéticos negativos e todos nós sofremos juntos até ela conseguir deixar de acordar a dizer “Sou horrível!”, ideia alimentada por aquela espécie de duende cor de laranja maníaco, de cabelo em pé.

O filme mostra que a ansiedade é uma emoção natural, que tem muitas vezes um objetivo positivo, desde que não tome conta da nossa vida – de uma maneira negativa, claro. Porque uma coisa é sentir ansiedade, outra completamente diferente e preocupante é ela ser patológica, vale a pena frisar.

ANSIEDADE E LIBERDADE

O problema parece ser global. “Ansiedade” foi a palavra de 2024 eleita por 22% dos brasileiros, de acordo com um estudo realizado pela consultora Cause, em parceria com o Instituto de Pesquisa Ideia e a app PiniOn. Segundo o mesmo levantamento, logo a seguir foram mencionadas “Resiliência” (21%), “Inteligência Artificial” (20%), “Incerteza” (20%) e “Extremismo” (4%).”

O facto de “resiliência” e “incerteza” estarem no pódio é sintomático destes tempos, acredita o cientista político brasileiro Leandro Machado, sócio-fundador da Cause. A escolha da palavra “ansiedade” reflete o “espírito de uma era de transformações rápidas e, muitas vezes, desorientadoras”, disse, na apresentação dos resultados do estudo, em dezembro.

“No Brasil, assim como no mundo, as pessoas deparam-se com uma necessidade urgente de adaptação. A pressão da economia, a presença crescente da Inteligência Artificial e as ameaças ambientais formam um cenário em que a população sente que está sempre um passo atrás, procurando equilíbrio num futuro cada vez mais incerto”, analisou.

Conservadores A amígdala controla a perceção e a compreensão das ameaças e da incerteza do risco. E, perante a incerteza, as pessoas procuram a segurança, agarrando-se àquilo que conhecem

Em Portugal, a palavra de 2024 foi “liberdade” – tinha de ser, pois celebraram-se os 50 anos do 25 de Abril. Na eleição online promovida pela Porto Editora e a Infopédia, ela recebeu 22% dos votos, seguida de perto por “conflitos” (21,3%) e “imigração” (21,2%), o que ninguém estranhou. A imagem de dezenas de homens imigrantes encostados à parede por agentes da PSP, na Rua do Benformoso, em Lisboa, estaria bem fresca na memória de quem votou ao longo de dezembro.

Em 2024, não se terá falado abundantemente de ansiedade nos meios de comunicação social nem nas redes sociais; nem a palavra foi muito consultada nos dicionários online daquela editora. Mas poderia ter sido, porque Portugal é um país ansioso sabem os especialistas na sua experiência clínica – e confirmam-no as estatísticas.

MULHERES NA FRENTE

De acordo com o último Inquérito às Condições de Vida e Rendimento, do Instituto Nacional de Estatística, em 2023 mais de um terço da população (34,2%), com 16 ou mais anos, revelava sintomas de ansiedade generalizada, o que corresponde a um resultado de 3 ou mais pontos, no modelo adotado (Generalized Anxiety Disorder 2-item ou GAD-2). E, desses, 11,1% apresentavam níveis de ansiedade mais graves, ou seja, correspondentes a 6 pontos (que é o resultado máximo do GAD-2).

Os dados do inquérito sugerem ainda que as mulheres e os mais velhos têm maior probabilidade de apresentar sintomas de ansiedade generalizada, assim como os menos escolarizados e os desempregados. Ela foi referida em proporções superiores pelas mulheres (40,1% contra 27,4% dos homens) e na população com 65 ou mais anos (38,4% contra 32,3% entre os 16 e os 64 anos).

Olhando para o nível de escolaridade, a proporção de pessoas com 16 ou mais anos com sintomas de ansiedade generalizada era menor para as que haviam completado o Ensino Superior (28,0%) ou o Ensino Secundário (29,2%), comparando com as que não tinham qualquer nível de escolaridade (49,3%) ou que se tinham ficado pelo Ensino Básico (38,7%).

Uma nação ansiosa

Um terço da população tem sintomas de ansiedade

34,3% Pessoas de 16 ou mais anos
Com ansiedade generalizada

11,1%
Têm níveis de ansiedade graves

40,1% Mulheres
Com ansiedade generalizada

27,4% Homens
Com ansiedade generalizada

30,1% População empregada
Com algum transtorno de ansiedade

Fonte: INE, Inquérito às Condições de Vida e Rendimento (2023)

Quase metade dos desempregados (45,1%) sentia ansiedade generalizada, bem como quase um terço dos empregados (30,1%). E os reformados não escapavam a esta “pandemia” (37,4%), nem a restante população inativa (44%).

“Situações de insuficiência alimentar, de doença crónica ou prolongada e a existência de limitações por motivos de saúde contribuem para o aumento da probabilidade de ocorrência de sintomas de ansiedade generalizada”, sublinha-se, ainda, no relatório do INE.

A prevalência da ansiedade entre as mulheres não surpreende ninguém – é um facto, já bem interiorizado, que ela afeta particularmente um dos géneros. Mas porque há tantas mulheres à beira de um ataque de nervos, para parafrasear Pedro Almodóvar?

“As mulheres têm mais stresse que se torna em ansiedade e eu acredito que as razões têm que ver com o estilo de vida e os papéis que assumem no dia a dia”, simplifica a psicóloga Ana Carina Valente. “Muitas vezes, nós, mulheres, precisamos de antecipar toda uma série de acontecimentos – e é nessa antecipação que surge a ansiedade”, resume.

Talvez a solução seja embarcar numa egoterapia, defende a psicanalista francesa Corinne Maier, autora de #MeFirst! Manifeste pour un Égoïsme au Féminin (#EuPrimeiro! Manifesto para um Egoísmo Feminino), uma reflexão sobre o sacrifício altruísta das mulheres, publicado em 2024. “O egoísmo é um traço de caráter muito bem aceite nos homens, tolerado e até valorizado, mas, quando as mulheres vivem para si próprias, são suspeitas de trair a sua natureza supostamente maternal e protetora”, escreve a também economista e historiadora.

Num tom de ensaio bem-disposto, Maier vira de pernas para o ar o estigma de que é mau alguém ser egoísta – e sobretudo se for mulher. Com o objetivo de conseguir, assim, reequilibrar as relações entre homens e mulheres, e, de caminho, preservar a saúde mental destas últimas.

“Tentei reabilitar o egoísmo para as mulheres: cuidar dos outros consome muito tempo e pode implicar sacrifício pessoal. É preciso fazer tudo o que for possível para o evitar”, explica a autora deste manifesto feminista, considerada um “ícone da contracultura” pelo The New York Times.

“Aqueles que gostam do mundo como ele é – que dizem ‘sim’ às bombas lançadas em nome da democracia, aos oceanos poluídos com bocados de plástico, às crianças deslocadas num mundo sobrepovoado – passem à frente e vão ler as palavras dos outros”, incita na sua página pessoal. “Infelizmente, há cada vez menos riso por cá; e o planeta não está muito bem”, escreve a psicanalista.

O MEDO NA AMÉRICA

As alterações climáticas são tão graves que justificam a existência de ecoansiedade – e, neste caso, dificilmente se pode falar de “ansiedade irracional”. Mas como se justifica a “ameaça imigrante”?

Voltemos atrás, à origem primitiva da ansiedade – o medo – e ao exemplo americano.

Em oito anos e meio, vimos o “fenómeno Trump” resultar na eleição do famoso multimilionário. Após um interregno protagonizado por Joe Biden, ei-lo de novo como inquilino da Casa Branca, agora numa versão 2.0 de “grande conquistador”.

De caminho, a polarização partidária, que se tornou evidente desde a sua primeira campanha presidencial, não tem parado de aumentar. Os EUA nunca estiveram tão partidos em dois como hoje, sentem na pele os americanos (sobretudo os Democratas, que não viram Kamala Harris ser eleita) e alertam analistas e investigadores.

Os efeitos negativos da política no bem-estar da população também não têm parado de aumentar. Nos últimos anos, os resultados dos inquéritos promovidos pela Associação Americana de Psiquiatria (APA) em vésperas das idas às urnas permitem fazer uma ligação direta entre política e ansiedade, sobretudo num cenário “nós contra eles” (Ver caixa Quando as eleições ameaçam a saúde mental).

A diferença é aquilo que está na base de grande parte dos nossos medos e consequentes ódios. Desde tempos imemoriais que o Homem associa o diferente a uma ameaça. De um ponto de vista evolutivo, a pertença a um grupo foi necessária à sobrevivência humana – e o ódio não é senão uma distorção da tendência de o Homem distinguir “nós” de “eles”.

O preço “De certa forma, a ansiedade é apenas o custo de uma vida mais fácil fisicamente”, diz Mark Manson, autor do livro A Arte Subtil de Saber Dizer que se F*da

“Qualquer espécie sabe que precisa de espaço e de meios de subsistência para sobreviver, e o ódio tem que ver com a luta pelos meios escassos, tão escassos que não é possível dividir com os outros”, lembrou a antropóloga Clara Saraiva, investigadora do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, entrevistada para um artigo sobre gratidão e ódio publicado há um ano na VISÃO.

Hoje, também se sabe que a amígdala evoluiu há centenas de milhares de anos e serve para nos manter seguros. E que, embora ninguém nasça com o cérebro carregado de ódio e preconceitos, “nascemos com um cérebro que revela a predisposição para distinguir entre ‘nós’ e ‘eles’”, escreve o criminologista britânico Matthew Williams, no seu best-seller A Ciência do Ódio – Como o preconceito se transforma em ódio e o que podemos fazer para travá-lo. “Mas quem somos ‘nós’ e quem são ‘eles’ é algo que se aprende, não vem de origem.” Está provado que o preconceito aprende-se ou inculca-se. E que também se contraria e trava, lembrou Williams nesse livro que a Contraponto editou em português, em 2022.

“A sociedade evoluiu, mas o nosso cérebro ainda precisa de tempo para se adaptar”, lembra, por sua vez, o psiquiatra Pedro Morgado (ver entrevista). “Por isso, precisamos de humanismo, de pensamento, para mediar e controlar as nossas reações fisiológicas.”

Hoje, a comunidade científica também já sabe de cor que o medo e a ansiedade levam ao conservadorismo. São vários os estudos a apontar nesse sentido e sustentados em evidências físicas. Em 2011, numa primeira investigação realizada com o auxílio de imagens cerebrais de ressonância magnética, verificou-se que os alunos universitários que se identificavam como politicamente conservadores tinham uma amígdala maior.

A PROTEÇÃO DO CONSERVADORISMO

Faz sentido porque a amígdala controla a perceção e a compreensão das ameaças e da incerteza do risco. E, perante a incerteza, as pessoas procuram a segurança, agarrando-se àquilo que conhecem (ver caixa Pessoas de direita e de esquerda têm cérebros diferentes?).

“O conservadorismo aparentemente ajuda a proteger as pessoas contra algumas dificuldades naturais da vida”, já escreveu Paul Nail, psicólogo social da Universidade de Arkansas Central, nos EUA, e autor de vários estudos sobre o tema. “O facto é que não vivemos num mundo completamente seguro. As coisas podem correr mal e correm. Mas se eu conseguir impor esta ordem através da minha visão do mundo, consigo manter a minha ansiedade a um nível controlável.”

Virando as coisas ao contrário, uma amígdala maior pode criar mais sensibilidade e levar a que os indivíduos exagerem tudo o que parece uma potencial ameaça – seja ela real ou não. E, sabendo isso, torna-se fácil manipular o medo desproporcional.

As “políticas do medo” não são de hoje. Elas “são resultado de múltiplos fatores históricos, entre os quais o crescente encontro da diferença”, lembraram os investigadores e historiadores José Pedro Monteiro e Miguel Bandeira Jerónimo, num ensaio sobre “os mundos da ansiedade”, publicado a 1 abril de 2018 no jornal Público.

Por essa altura, Trump levava mais de um ano à frente dos destinos dos EUA. Já vendera milhares de milhões de armas à Arábia Saudita, reconhecera Jerusalém como capital de Israel, acirrando o conflito na região, e dera uma ordem executiva de construção de um muro na fronteira México-EUA. Não admira, por isso, que os dois investigadores portugueses tivessem como objetivo “sinalizar como as políticas do medo podem ser, hoje, facilmente reavivadas”.

“O exagero desproporcionado da ameaça, o estereótipo e unificação do ‘inimigo’ enquanto forma absoluta do mal, as imagens de civilizações decadentes ou emasculadas permanentemente acossadas, a ligeireza no recurso a sentenças apocalípticas são algumas das suas manifestações mais comuns. E elas abundam, um pouco por todo o lado”, alertavam José Pedro Monteiro e Miguel Bandeira Jerónimo.

HOJE COMO HÁ CEM ANOS

As chamadas políticas do medo “nascem do estereótipo e do rumor”, lembravam ainda os dois investigadores. “Decorrem de simplificações de vária ordem, da redução de problemas a explicações monocausais ou da sua claríssima manipulação interesseira. Promovem ‘soluções’ que frequentemente ampliam o problema que declaram resolver.”

Regressando ao presente, o historiador Luís Trindade relaciona o período que estamos a viver com o período de há cem anos, no pós-I Guerra Mundial. “Na maior parte dos casos, os paralelismos são um pouco abusivos, mas [neste] é possível pensar como há diversas questões sociais que justificam a emergência do fascismo”, defende.

“Em relação à ansiedade e aos medos, hoje em dia vivemos num mundo completamente diferente. Seguramente, há cem anos as pessoas tinham muito mais medo da doença, da dor e da morte. E, certamente, tinham muito mais medo do poder – que era mais arbitrário e violento”, analisa o investigador do Instituto de História Contemporânea e do IN2PAST (laboratório associado que se dedica à memória e património).

Grupos sociais As mulheres e os mais velhos têm maior probabilidade de apresentar sintomas de ansiedade generalizada, assim como os menos escolarizados e os desempregados

“Isso pode levar a pensar que as pessoas não têm razão para ter medos agora – mas têm”, sublinha. “Estamos num mundo muito diferente, assumimos os nossos direitos políticos, temos o SNS e a Segurança Social. Já temos direito ao nosso bem-estar – e é o que muda. As expetativas são muito mais elevadas e isso cria novos medos.”

As pessoas acreditavam que esses direitos estavam garantidos e agora veem que estão ameaçados. “Há um slogan que aparece muito nas manifestações, nos Estados Unidos e pela Europa fora: I can’t believe I still have to protest this shit [Não acredito que ainda tenho de protestar contra esta merda]”, lembra Luís Trindade. “O facto de esses direitos estarem em causa provoca ansiedade, claro.”

RICOS E ANSIOSOS

Para Mark Manson, autor do livro A Arte Subtil de Saber Dizer que se F*da (ed. Desassossego), é tudo uma questão de “gestão de expetativas”. E serão as expetativas que explicam por que razão está hoje o mundo tão ansioso.

“De certa forma, a ansiedade é apenas o custo de uma vida mais fácil fisicamente”, afirmou Manson à CNN, numa passagem por Portugal, em julho do ano passado, para realizar um documentário sobre “o País mais ansioso do mundo”, titulou ele, que já está disponível no YouTube.

“À medida que as pessoas são expostas a mais informação e à medida que a situação da sua vida pessoal melhora, começam a cuidar de si e aumentam as suas expetativas”, lembrou, então, o mesmo autor. “Quando se é pobre, só se quer comida e dinheiro e um lugar seguro, mas quando se tem riqueza e oportunidades, surge de repente esta questão de saber o que devo fazer, se isto é melhor do que aquilo, se estas pessoas são melhores do que aquelas. E uma coisa que vemos na nossa vida é que, à medida que os países se tornam mais ricos, tornam-se mais ansiosos.”

A ansiedade será, então, o preço a pagar pela evolução? Se fosse tudo tão simples e a preto-e-branco, bastar-nos-ia respirar fundo e acreditar que nem tudo está a arder.

10 técnicas para reduzir a ansiedade

Aprenda a acalmar-se rapidamente

1. Respiração profunda
Inspire 4 segundos, prenda a respiração 7 segundos e expire 8 segundos. Repita até começar a sentir calma

2. Nomear o que se está a sentir
Reconheça a ansiedade pelo que ela é – um estado temporário que nem sempre reflete a realidade

3. O método 5-4-3-2-1
Diga 5 coisas que vê à sua volta, 4 coisas em que pode tocar, 3 coisas que ouve, 2 coisas que cheira e 1 coisa que saboreia dentro da sua boca

4. Experimentar “arquivar”
Imagine um armário e atribua cada pensamento a um ficheiro. Reconheça a sua importância e coloque-o de lado para ser tratado mais tarde

5. Exercício físico
Uma caminhada de 5 minutos ou um treino no ginásio pode ajudar a reduzir a ansiedade, libertando endorfinas (que ajudam a relaxar)

6. Pensar em algo engraçado
Ao desencadear emoções positivas e reduzindo as hormonas do stresse, o humor pode influenciar o seu bem-estar físico e mental

7. Procurar distrair-se
Uma distração temporária pode ajudar a quebrar o ciclo de pensamentos ansiosos e a recuperar a sensação de controlo

8. Salpicar água fria
Água na cara desencadeia o reflexo de mergulho dos mamíferos, que pode ajudar a abrandar o ritmo cardíaco e a promover uma sensação de calma

9. Identificar os gatilhos
Mantenha um diário para identificar situações ou experiências que desencadeiam a sua ansiedade. E incorpore rotinas de autocuidado

10. Considerar o apoio profissional
Muitos tipos de terapia podem ajudar a gerir a ansiedade e a ocorrência de ataques de pânico, que resultam de sintomas avassaladores

Fonte: Psych Central, site fundado pelo psicólogo clínico John M. Grohol, pioneiro da saúde mental online

A guerra das tarifas

Trump ameaça eliminar as diferenças entre as taxas alfandegárias com a União Europeia – mais um foco de ansiedade na nossa vida

A espada já pende sobre as nossas cabeças desde 14 de janeiro, mas não estava tão afiada. Nesse dia, Donald Trump escreveu na sua rede social, Truth Social: “Vamos começar a cobrar àqueles que lucram às nossas custas com o comércio. Eles começarão a pagar, FINALMENTE, a parte que lhes cabe.” A sua tomada de posse seria só dali a uma semana, mas o Presidente eleito tinha pressa de lembrar quem queria, podia e mandava nas relações comerciais entre os Estados Unidos da América e o resto do mundo. E parecia que estava a tomar uma decisão justa. Puro engano. Trump apressou-se a impor tarifas (taxas alfandegárias) de 10% sobre a China e de 25% sobre o Canadá e o México. Pouco depois, assinou uma ordem executiva para impor tarifas de 25% sobre as importações de aço e alumínio, com efeitos a partir de 4 de março, e as ações caíram imediatamente, o ouro atingiu um novo máximo e o euro deslizou em relação ao dólar. Como se ainda não bastasse, já anunciou um memorando para impor, a partir de 2 de abril, um regime de “reciprocidade” das tarifas a todos os países fornecedores. A União Europeia hesita entre retaliar ou negociar, de maneira a evitar um aumento dos preços. Reina a incerteza na relação EUA-UE.

Palavras-chave:

Na passada segunda-feira Portugal voltou a registar um tremor de terra de maior intensidade – 4,7 na escala de Richter -, o segundo em apenas 175 dias. O sismo, com epicentro a 14 quilómetros a sudoeste do Seixal, segundo o IPMA, foi sobretudo sentido em Lisboa, Almada e Sintra mas também em concelhos como  Odemira (Beja), Coimbra (Coimbra) ou Albufeira. Já a de 26 agosto do ano passado, a capital portuguesa acordava sobressaltada por um sismo, de magnitude de 5,3, que foi sentido de norte a sul do País.

Com eventos sísmicos a ocorrerem a uma distância temporal tão curta – 175 dias – levanta-se a questão: existem motivos para preocupação? Para procurar responder a esta e outras questões, a VISÃO falou com José Carlos Kullberg, professor geólogo da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa.

Para o especialista, até ao momento, nada parece indicar que estes dois eventos sísmicos estejam relacionados, uma vez que as “falhas que os produziram não são as mesmas nem, em princípio, fazem parte de um mesmo sistema de falhas ativas”, explica. No caso do tremor de terra registado em agosto de 2024, ao largo de Sines, o seu epicentro aponta para um sistema de falhas que existe ao largo da margem sudoeste portuguesa. Já o registado no dia 17 de fevereiro – e réplicas que se seguiram – “parecem apontar para um certo alinhamento geométrico (…) que, a uma escala um pouco mais regional, não se afastará muito da Falha do Vale Inferior do Tejo [a mesma falha responsável pelo sismo sentido em 1909 ]”, contou.

Para Kullberg, não existe, assim, motivo para alarme. “Quando se pergunta se a ocorrência destes sismos é motivo para alarme, diria que alarme não, porque não é possível vivermos permanentemente alarmados. (…) O risco de ocorrerem outros sismos é sempre real, vão continuar a acontecer, mesmo num país com atividade sísmica moderada como é o nosso, o que não existe é forma de saber onde exatamente é que se vão localizar e que quantidade de energia se vai libertar, ou seja, quais os efeitos, em pormenor, é que vão produzir”, refere.

Podem esperar-se novas réplicas nos próximos dias?

Segundo Kullberg, apesar de o sismo principal já ter, ao que tudo indica, ocorrido no dia 17, podem vir a ocorrer algumas réplicas até cerca de 10 dias após o abalo. Na terça-feira, foram registadas duas réplicas – com uma intensidade de 2,4 e 1,8 na escala de Richter – com uma hora de diferença entre si. Já esta quarta-feira, foram sentidos dois novos sismos – 2.7 e 2.9 respetivamente – a nordeste de Silves, no Algarve.

Para o professor geólogo, é necessário investir mais na preparação para este tipo de ocorrências bem como na educação da população. “É preciso é estarmos conscientes, a todos os níveis – pessoas e entidades de decisão – sobre o que tem de ser feito antes, durante e depois destas ocorrências: primeiro, a título preventivo, tem de haver um planeamento e ordenamento do território e das áreas de grande concentração populacional no sentido de mitigar estas ocorrências, depois cada um de nós tem de estar preparado para como reagir durante estas ocorrências e isso, tem de ser inerente à nossa formação como cidadãos e, finalmente, as estruturas de apoio após estas ocorrências têm de ter uma capacidade e grau de prontidão compatíveis com estas ocorrências que poderão ser muito mais graves, no caso de haver sismos com maiores magnitudes e localizados próximos das áreas mais populosas”, conclui.

Numa das minhas primeiras idas ao Estádio do Dragão, já com o jogo a terminar, lembro-me de ouvir todo o estádio a cantar “Pinto da Costa, olé! Pinto da Costa, olé olé!”

Era miúdo e juntei-me aos cânticos. Pela primeira vez cantei o seu nome, sem perceber bem o porquê de toda a gente cantar aquela música com um sorriso de orelha a orelha, uma energia contagiante e cachecol no ar a abanar de um lado para o outro.

Com o passar do tempo, pude testemunhar o significado daquele cântico tão recorrente e marcante para os adeptos portistas. Era bem mais do que só o nome do presidente. Era o agradecimento por tudo o que ele já tinha feito pelo FC Porto e ainda viria a fazer. E hoje é fácil de se ver isso.

Foi o homem que assumiu o cargo em 1982, prometeu “tornar o FC Porto forte em Portugal e na Europa” e assim o fez – passados 5 anos, em 1987, conquistou a Taça dos Campeões Europeus (atual Liga dos Campeões), o primeiro título europeu da história do clube.

Com uma Supertaça Europeia e uma Taça UEFA pelo meio, voltaria a repetir o feito, em 2004, trazendo mais uma Champions League para a cidade invicta, esta com José Mourinho ao leme, que descreveu esta semana Pinto da Costa como “o seu presidente”.

Em 2011, com o atual presidente, André Villas-Boas, como treinador, conquistava a Liga Europa, o último troféu europeu do seu currículo.

O seu percurso no futebol internacional foi marcante, mas e internamente? 23 campeonatos, 16 taças de Portugal e 22 supertaças (entre outros títulos). Sem igual durante o período em que foi o líder do Futebol Clube do Porto.

No total, foram 69 conquistas no desporto rei. Mas fica por aqui? Nem pensar.

Nas modalidades, onde começou o seu percurso no clube, junta “só” mais 2591 títulos ao seu palmarés.

O presidente mais titulado do mundo. O presidente dos presidentes.

Além dos títulos, fica na memória de todos os traços da sua personalidade: a inteligência, a dedicação, o sarcasmo e a ousadia de um homem que quase ganhou tudo o que havia para ganhar.

Um homem que impulsionou o crescimento da cidade do Porto e do Norte de Portugal como poucos o fizeram e fez tremer os rivais do Sul durante 42 anos.

O legado que deixa é, provavelmente, inigualável. Independentemente do clube que se apoie, é impossível negar o impacto deste homem no desporto em Portugal e no mundo. É eterno.

Há muitas palavras para descrever o seu caráter e muitas formas de reconhecer tudo o que Jorge Nuno Pinto da Costa fez pelo futebol português. A minha vai ao encontro da primeira vez que cantei o seu nome: à sua vida, Pinto da Costa, olé. Pinto da Costa, olé olé.

MAIS ARTIGOS DESTE AUTOR

+ Show de (ande)bola português no Mundial

+ Mundial de 2030: teremos s(i)uuurpresa?

+ E para o Rafa não vai Nada(L) Nada(L) Nada(L)? Tudoooo!

Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.

Palavras-chave: