Um texto do Segundo Livro de Reis, livro veterotestamentário histórico, reza assim:
“E, voltando Eliseu a Gilgal, havia fome naquela terra, e os filhos dos profetas estavam assentados na sua presença; e disse ao seu servo: Põe a panela grande ao lume, e faze um caldo de ervas para os filhos dos profetas. Então um deles saiu ao campo a apanhar ervas, e achou uma parra brava, e colheu dela enchendo a sua capa de colocíntidas; e veio, e as cortou na panela do caldo; porque não as conheciam. Assim deram de comer para os homens. E sucedeu que, comendo eles daquele caldo, clamaram e disseram: Homem de Deus, há morte na panela. Não puderam comer. Porém ele disse: Trazei farinha. E deitou-a na panela, e disse: Dai de comer ao povo. E já não havia mal nenhum na panela” (4:38-41).
Em época de fome, o profeta Eliseu voltou a Gilgal e mandou fazer uma sopa com as ervas que alguém colheu (colocíntidas), e todos acabaram intoxicados… A colocíntida é um fruto amargo e venenoso na forma de parra brava, nascido em trepadeira, encontrado nalgumas zonas do Médio Oriente, e não tem cheiro.
Este episódio do Antigo Testamento é muito elucidativo se considerarmos que a panela pode simbolizar a vida de cada pessoa, sendo a sopa o resultado daquilo que introduz e cozinha dentro de si.
Tal como havia fome naquele tempo, também existe hoje uma fome espiritual no mundo, que leva muita gente e colocar qualquer coisa na sua “panela”, mesmo “ervas” desconhecidas (“porque não as conheciam”). Se elas parecerem bem e não tiverem cheiro as pessoas arriscam a colhê-las para fazer sopa, mas depois percebem que o resultado é intragável, amargo e ficam doentes. Todos sabemos que as aparências iludem e o pior mal é aquele que parece bem.
Uma velha máxima do Islão diz que o crente que recita o Corão é como a laranja, porque cheira bem e sabe bem; o crente que não recita o Corão é como a tâmara, que não tem cheiro mas é doce; mas o hipócrita que não recita é como a colocíntida, que não tem cheiro mas é amarga e venenosa. No fundo, é tão perigosa como o gás inodoro que, uma vez libertado, não é detetado pelo olfato humano mas é altamente tóxico.
Afinal, que efeitos produz a “sopa” que se cozinha na vida? Por um lado pode destruir (“Homem de Deus, há morte na panela!”), e, por outro lado, produz esterilidade espiritual (na época a colocíntida era usada como anticoncecional no Egito). Portanto, a “sopa” que cada um cozinha dentro de si não só pode matá-lo espiritualmente como impedi-lo de se reproduzir na vida de outros.
Note-se que bastou apenas uma pessoa para fornecer as tais ervas venenosas para a sopa. Do mesmo modo não é necessário mais do que uma pessoa para intoxicar a vida de alguém com influências negativas. Acresce que a ignorância é uma coisa perigosa, e foi o que levou a uma colheita de plantas sem critério, pois o texto bíblico afirma que eles “não as conheciam”. Quantas vezes se introduz toxicidade na “panela”, isto é, na vida, por desconhecimento da natureza dessas “ervas”.
Mas, entretanto, algo sucedeu que mudou por completo aquela situação aflitiva. Foi a farinha lançada na panela. Do ponto de vista da fé, e sabendo-se que é deste ingrediente que se faz o pão, é inevitável associar a ideia de que Jesus é o “pão vivo que desceu do céu”, o verdadeiro antídoto para os males do homem. A toxicidade da “sopa” foi então neutralizada. Resolvido o problema era necessário “dar de comer ao povo” a fim de saciar a sua fome (“Dai de comer ao povo”), mas agora um alimento saudável e nutritivo.
Depois disso, o Deus do profeta Eliseu ainda providenciou grande abundância: “E um homem veio de Baal-Salisa, e trouxe ao homem de Deus pães das primícias, vinte pães de cevada, e espigas verdes na sua palha, e disse: Dá ao povo, para que coma. Porém seu servo disse: Como hei-de pôr isto diante de cem homens? E disse ele: Dá ao povo, para que coma; porque assim diz o Senhor: Comerão, e sobejará. Então lhos pôs diante, e comeram e ainda sobrou, conforme a palavra do Senhor” (42-44).
Cada um é que confeciona a “sopa” que há-de comer e dar aos outros a partir dos ingredientes que coloca na panela da sua vida. Por isso, fica a exortação paulina: “Quanto ao mais, irmãos, tudo o que é verdadeiro, tudo o que é honesto, tudo o que é justo, tudo o que é puro, tudo o que é amável, tudo o que é de boa fama, se há alguma virtude, e se há algum louvor, nisso pensai” (Filipenses 4:8). Eu sei que é cada vez mais difícil nos tempos que correm e com os exemplos públicos que se observam, mas o desafio mantém-se.
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