Uma das utilizações mais frequentes do pavilhão nacional tem lugar nas competições desportivas internacionais, como forma de identificação e afirmação do país perante o mundo, como sucede nos jogos olímpicos, provas europeias e mundiais de futebol e muitas outras modalidades. Por vezes, acontece também em provas internacionais onde Portugal está representado por equipas de clubes ou atletas individuais. Não vem mal daí ao mundo.
Porém, nos últimos anos tem vindo a verificar-se uma tendência da extrema-direita para assumir a bandeira nacional como símbolo próprio contra o restante espectro político, abrindo assim caminho a uma perversão do próprio símbolo, o qual representa a totalidade do país. A captura da simbologia nacional por uma fação política não deixa de ser uma agressão contra o país que se diz defender, mas também contra a sua história e todos quantos não se enquadram nesse campo ideológico específico.
Este fenómeno está presente em várias partes do mundo, incluindo Portugal. Veja-se o caso paradigmático do Brasil, onde não apenas o pavilhão nacional mas até a camisola da seleção nacional de futebol foi elevada à condição de estandarte político.
No fundo, tal expediente parece ser uma forma de sublinhar um certo nacionalismo, talvez em oposição a um determinado internacionalismo que lhe está nos antípodas. Precisamos de patriotismo e não de nacionalismo. O amor à pátria não é o mesmo do que a defesa de uma etnia ou nacionalidade. Amar a pátria é identificar-se com a sua totalidade, todos os seus filhos e mesmo aqueles que, sendo de outras origens, nela vivem e trabalham contribuindo assim para a sua prosperidade.
O patriotismo assenta numa lógica de inclusão; já o nacionalismo é estruturalmente excludente, não apenas dos estrangeiros, dos migrantes e refugiados, mas até dos nacionais que não pensam da mesma forma e se sintonizam noutros quadrantes ideológicos. A pátria é uma mãe com muitos filhos e a todos recolhe debaixo das suas asas, e, quando não é assim, o país fica ferido por uma ideia de superioridade em que uns desconsideram os outros.
Se atendermos a que a Constituição portuguesa estabelece a bandeira nacional como “símbolo da soberania da República, da independência, unidade e integridade de Portugal” (art. 11º), não se pode aceitar que seja utilizada justamente para dividir os portugueses entre bons e maus. Aliás, a própria expressão “portugueses de bem” é uma aberração em si mesma.
Como símbolo do país todo, a bandeira nacional não deve ser utilizada de qualquer maneira. Isabel Amaral, presidente emérita da Associação Portuguesa de Estudos de Protocolo, diz que “a bandeira nacional não é um adereço”, mas também não deve ser usada apenas para conferir credibilidade a um evento.
A verdade é que existe repetida má utilização do pavilhão nacional, por exemplo quando é utilizado para “para revestir placas comemorativas, apesar de esta ser uma prática comum”, o que contraria o decreto-lei nº150/87 de 30 de Março.
Mas quando um agrupamento político-partidário usa a bandeira nacional como sua marca distintiva, apesar de ter uma bandeira própria, está a reduzi-la a um instrumento de fação e destrói-lhe o sentido.
Se a bandeira das quinas representa a unidade e integridade do País, reduzi-la a símbolo de um grupo é retalhar Portugal. Afinal, tal prática é anti-nacionalista e anti-patriótica.
PS – Moisés Espírito Santo faleceu há dias, aos 90 anos, depois de doença prolongada. O professor catedrático jubilado da Universidade Nova de Lisboa era um grande sociólogo das religiões que introduziu esse ramo científico em Portugal, e com quem convivi. Já jubilado, lecionou na universidade sénior de que fui reitor, a meu convite. Deixou imensa obra escrita decorrente da sua profícua atividade como investigador, enriquecendo assim muitíssimo a área científica da Ciência das Religiões e o estudo do fenómeno religioso em Portugal.
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