Diz-nos o 7 Margens que “há um grupo de mulheres judias e muçulmanas que se recusa a deixar que a guerra as separe”. Trata-se de uma rede criada em 2015 no Reino Unido, por um conjunto de mulheres judias e muçulmanas, denominada Nisa-Nashim (que significa “mulheres”, em árabe e hebraico). O objetivo desta rede é romper as “barreiras religiosas e culturais no seu país e em todo o mundo.”
Poder-se-ia pensar que o ataque terrorista do 7 de outubro, do qual resultaram milhares de mortos, feridos e reféns do Hamas, assim como a resposta desproporcional de Israel na Faixa de Gaza, que já conta mais de 40 mil mortos, 70% deles mulheres e crianças, a boa intenção da rede poderia ter ficado condenada ao fracasso, mas não. Estas mulheres terão ficado ainda mais unidas.
O ativismo da rede levou-as já a propor ao governo de Londres sugestões de melhores políticas governamentais, no sentido de potenciar o relacionamento entre as diferentes comunidades religiosas instaladas no país. A própria vice-primeira ministra Angela Rayner testemunhou, após o encontro com a Nisa-Nashim: “Recusaram-se a permitir que o aumento chocante do ódio e da intolerância em relação às suas comunidades se interpusesse entre elas e gerasse divisões. Em vez disso, voltaram-se para o que têm em comum e para os seus laços, mostrando que as comunidades podem viver em unidade e que são muito mais fortes dessa forma”. Rayner comprometeu-se: “Vou garantir que as suas vozes e experiências estejam no centro do nosso trabalho como governo para promover a coesão social e combater o ódio motivado pela religião em todas as suas formas”.
Por muito que o sistema patriarcal as remetesse para segundo plano ao longo da história, as mulheres sempre estiveram na linha da frente, na religião e na luta pela paz. Os homens deste mundo têm muito a aprender com elas.
Quem não se lembra do movimento pelos direitos humanos desencadeado pelas corajosas Mães da Praça de Maio, em Buenos Aires, com os seus lenços brancos na cabeça, que assim se dispuseram a enfrentar a ditadura militar (1976-1983) bem de frente para o palácio presidencial? Mães que desde 1977 procuravam saber dos seus inúmeros filhos sequestrados e desaparecidos durante a ditadura e em pleno estado de sítio. A polícia mandava-as dispersar mas elas caminhavam então repetidamente, de braço dado em redor da Pirâmide de Maio, no centro da praça, numa clara atitude de resistência.
Quem não sabe que as mulheres constituem a maioria dos fiéis nas comunidades de fé cristã e a sua verdadeira alma, quando em muitos casos ainda lhes é vedado o acesso a cargos de liderança eclesial em nome do machismo dominante, embora sejam chamadas a tudo quanto é “trabalho secundário”? A diabolização do elemento feminino ainda rivaliza em muitas geografias cristãs, devido a uma catequese descontextualizada e ultramontana. Noutros casos a discriminação acontece não tanto na teologia mas na praxis quotidiana das comunidades e sobretudo na mentalidade, mesmo na de parte das mulheres.
Quem não sabe que a 8 de março de 1857, em Nova Iorque, uma manifestação coletiva feminina desencadeou uma greve a fim de reivindicar melhores condições de trabalho, uma jornada de dez horas diárias e melhores salários? E que, em resultado, os patrões mandaram atear fogo ao prédio, assassinando-as a todas, pelo que, em sua memória, a Conferência Internacional da Mulher, reunida em 1910, declarou o dia 8 de Março “Dia Internacional da Mulher”?
O exemplo britânico da rede Nisa-Nashim é eloquente. Diz a muçulmana Julie Siddiqi, uma das fundadoras: “Não podemos permitir que as vozes extremas sejam as únicas vozes, as vozes altas que muitas vezes tentam dividir mais do que unir. Nenhuma de nós está a dizer que temos que concordar em tudo, mas é muito importante que nos oponhamos ao ódio juntas e não sejamos levadas a sentir que temos que escolher lados.”
Por seu lado, outra das fundadoras, a judia Laura Marks, afirma: “Um ano depois, aqui estamos: o mundo parece um lugar pior. A nossa responsabilidade é garantir que faremos tudo para acabar com o ódio nas nossas ruas, para que elas sejam seguras para os nossos filhos, para os nossos netos, para que o mundo possa realmente tornar-se um lugar mais seguro para eles. Isso só pode acontecer se fizermos isto juntas.”
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