Trump transformou-se no grande profeta da nova religião. Alguns dos seus fiéis tratam-no mesmo como o filho de Deus. O presidente-eleito é muito mais do que um líder político carismático pois tornou-se ele mesmo num novo culto para milhões de americanos.
Trump cometeu a proeza de conseguir afastar a direita religiosa evangélica do evangelho, das suas comunidades de fé e da Bíblia, tudo princípios até agora inegociáveis neste segmento religioso e que seria impensável deixar cair.
Só que este abandono tem um preço. Ao afastar os evangélicos da moralidade bíblica e fazer com que o sigam religiosamente, Trump toma o lugar da figura central da fé cristã, Jesus de Nazaré. Ao abandonarem o evangelho e a ética cristã os evangélicos substituíram o amor ao próximo, ao estrangeiro, ao necessitado e ao enfermo pelo ressentimento e sentimentos negativos aos quais ele apela constantemente.
Mas também substituíram a alegria da comunhão cristã pela liturgia MAGA (Make America Great Again), pelo que, em vez se continuarem a ser cristãos, ou seja, centrados em Cristo, agora serão magãos, isto é, centrados na ilusão de recuperar milagrosamente a grandeza perdida dos EUA. Além do mais deixaram de ir à igreja por que o seu messias também nunca vai, o que lhe interessa pois assim pode manipulá-los à vontade, distantes que ficam do capital espiritual e comunitário daí decorrente.
Por outro lado, as igrejas evangélicas nos EUA têm vindo a reduzir a sua assistência devido ao secularismo e outros fenómenos sociais a ele associados, por que as novas gerações já não aceitam a politização das suas lideranças nem o conservadorismo de algumas das suas posições, mas também pelo movimento geral de maior individualismo presente na sociedade americana.
Uma apoiante envergava recentemente uma T-shirt num evento da campanha republicana em Wildwood, Nova Jersey, que dizia: “Deus, armas & Trump”. “Deus fez Trump” declara a sua rede social, a Truth Social. O político é assim elevado à condição de profeta e ungido de Deus que está a edificar a sua igreja. Daí resulta que os fiéis já não necessitam de se manter nas suas comunidades de fé e muito menos precisam dos seus pastores, até por que eles já tinham dado a sua bênção ao novo profeta de forma explícita e entusiástica, iludidos que foram pelas promessas de conquista do poder político e judicial, bastando para isso apenas apoiar o novo profeta.
Não só não ganharam nada com isso, como quando se quiserem arrepender será tarde demais. Mesmo em relação ao aborto, com a revogação de Roe, as coisas ainda terão piorado devido ao aumento no número de interrupções voluntárias de gravidez devido à presente insegurança.
Os líderes religiosos quiseram ganhar vantagem política mas não esperavam que Trump se apresentasse aos fiéis como o novo Cristo, o ungido de Deus. Uma coisa era ser uma espécie de Ciro moderno, o imperador pagão que facilitou a vida aos judeus exilados na Babilónia para que regressassem e reconstruíssem os muros de Jerusalém, as suas casas e o templo, coisa diferente seria ele próprio se auto-erigir em messias, ele que é uma espécie de anticristo santificado pela direita religiosa.
É que ao pisar, pelo seu discurso e exemplo de vida, a ética e os valores cristãos, Trump concede aos fiéis o direito de também eles passarem a desprezá-los. De facto, agora já não é mais necessário seguir Jesus, uma personagem que a lógica trumpiana classificaria imediatamente como falhado (loser). Em vez disso os seus discípulos são atraídos pela lógica ilusória e o discurso inconsequente de vencedor que ele protagoniza.
O Maganismo tornou-se assim a mais recente religião americana, em linha com a tradição dos Estados Unidos como alfobre de inúmeras propostas religiosas sob a capa do cristianismo.
Receia-se que se repita agora nos EUA um fenómeno semelhante ao da velha Europa do pós-guerra, quando a fé cristã sofreu duramente as consequências do apoio de vastos sectores religiosos aos extremismos emergentes no período entre guerras, incluindo o nazismo alemão e o fascismo italiano. Desde aí nunca mais a fé cristã voltou a erguer-se ao nível anterior, embora devido também a outros factores.
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