Ia eu, logo pela manhã, a pensar em como dizer aos meus prestáveis amigos que parem de enviar-me pelo Whatsapp os mais de vinte megas do Orçamento do Estado, quando descobri que era o Dia Internacional do Café, essa beberagem que, numa das versões, terá tido origem no místico sufi de nome Ghothul Akbar Nooruddin Abu al-Hasan al-Shadhili. Os sufis, mesmo com nomes longuíssimos, são exímios nos micro-contos. Um deles conta-nos do sábio que num mercado provocou a multidão:
– Ó povo deste lugar! Quereis adquirir conhecimento sem dificuldades, ouvir verdades sem falsidades, obter realização sem esforço e progressos sem sacrifícios?
– Oh, sim! Queremos, queremos!
– Excelente! Era só para saber. Podem confiar em mim para vos dizer tudo a esse respeito, logo que descubra um dia como tal é possível.
A história não nos conta se o orador foi apedrejado, mas podemos especular sem grande risco que a sua carreira política terá sido tão curta como o seu discurso. Hoje, continuamos a achar que já nos sacrificámos quanto baste e a preferir as palavras de quem nos promete, para voltarmos aos Orçamento do Estado, “apoios” que são na verdade linhas de crédito que pagaremos um dia, cidadãos e empresas. Veja-se, por exemplo, a Agricultura; O “apoio global” anunciado é no valor de 570 milhões. Desses, 458,5 milhões correspondem a empréstimos. E assim por diante. Podemos, como os gauleses, achar que amanhã não será a véspera desse dia, mas o céu cair-nos-á inevitavelmente em cima da cabeça e ninguém terá a poção mágica. Chamem-me pessimista, mas como dizia Mark Twain: “O homem que é pessimista antes dos 50 anos sabe demasiado e o que é otimista depois não sabe o suficiente”.
Em breve, o principal partido da oposição irá a eleições, entre Luís Montenegro e Jorge Moreira da Silva. O segundo fala em “reconquistar para os portugueses o Direito ao Futuro”, assim em maiúsculas. É um bom mote, mesmo que o futuro venha tenhamos ou não direito a ele. Porque o que fizermos agora na sequência desta espiral de dias assombrados por espectros vários determinará se outros melhores virão. Se o ouvirão ou não dentro do seu partido são outros quinhentos.
Ao beber o meu abatanado, que noutra versão da lenda nasceu graças a um pastor da Etiópia que via as suas cabras frenéticas depois de comerem umas bagas, penso no Comendador Rui Nabeiro que, com mais de 90 anos, fez da sua atribulada vida depois de ter sido pregoeiro e vendedor de peixe, entre outros biscates, um exemplo na atenção dada aos outros e na partilha da sua riqueza. Quando partir desta vida, terá feito mais para mudar as vidas de muitos e dar-lhes futuro do que inúmeros políticos. Disse ele uma vez que uma coisa que falta aos portugueses é saberem sorrir. Mas lembrando Guerra Junqueiro, o poeta que também foi político: “O sorriso que ofereceres, a ti voltará outra vez”. Pay it forward é o mote do patrão da Delta. E também deveria ser o daqueles que fazem os Orçamentos do Estado, só Deus sabe depois de quantas bicas.
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