Tudo é política

Precisamos de falar de liberdade. Crónica de Margarida Davim

Precisamos de falar de liberdade, da liberdade a sério, construída em luta e festa, feita com todos e para todos, mesmo para os que não gostam dela, para que até esses possam dizer o que querem e que não lhes falte a saúde, a educação e a habitação quando o azar lhes bater à porta e descobrirem que, afinal, a liberdade não é um substantivo individual, mas só é plena quando se escreve no coletivo.

Margarida Davim
Opinião

O que nos falta é "espanto político"

Paralisados pelas ideias da autoajuda, limitados pela crença de que só as nossas crenças nos limitam, anestesiados pela indignação amorfa das redes sociais, incapazes de interrogação e “espanto político”, deixamo-nos domar. Porque só “espanto político” nos pode fazer ver o mundo como ele é e ser capazes de exigir que ele seja como imaginamos que devia ser

Margarida Davim
jovens adolescentes smartphones
Tudo é política

A geração do fim da privacidade

Os que agora são adolescentes foram mostrados ao mundo na primeira ecografia, viram filmada cada uma das suas gracinhas de bebé, publicadas todas as fotos de férias e aniversários. Foram os próprios pais que os ensinaram a perder a fronteira entre o público e o privado

Margarida Davim
Tudo é política

"Vendemos personalidade, não vendemos pornografia"

As pessoas são a mercadoria. O seu tempo, os seus dados, a sua imagem. Somos explorados e exploradores, apanhados num scroll infinito, que nos deixa viciados, desligados do mundo e cada vez mais sozinhos. Tão sozinhos, que isso nos torna ainda mais dependentes desse mundo virtual e artificial

Margarida Davim
Tudo é política

Os metecos e os mercadores de sono

A vantagem de ter uma lei como esta não é só (embora também seja) punir os exploradores que lucram com o desespero dos outros. É que o Miguel perceba contra quem deve dirigir a sua justa raiva. E que a polícia passe a perseguir não os Metecos, mas quem os explora

Margarida Davim
Opinião

"Nós somos a maioria, eles são o 1%"

“Nós somos a maioria, eles são o 1%”, diz Sanders. Enquanto assisto à queda dos princípios de igualdade perante a lei, justiça e liberdades individuais no prometido oásis das democracias ocidentais, a ideia de Sanders parece a única esperança possível. “Nós somos a maioria, eles são o 1%”

Margarida Davim
Tudo é política

As portas para pobres e o teste da frigideira

Há muito quem ainda não tenha percebido em que classe está. Mas vi há tempos o humorista espanhol Miguel Maldonado propor um teste que me pareceu muito bem visto. “Se para usar uma frigideira tens de tirar outra de cima, é porque não és de classe alta”

Margarida Davim
Tudo é política

Tanto fez que agora tanto faz?

Nada é mais estável do que uma ditadura. Sob uma ditadura, não há crises políticas nem escândalos. Imaginem o sossego! Acabam-se as notícias sobre casos, casinhos e megaprocessos. Acabam-se mesmo as notícias. Ninguém faz perguntas e ninguém chateia

Margarida Davim
Tudo é política

O saber não ocupa lugar?

Uma vez, um amigo (que por sinal é engenheiro informático e trabalha numa empresa de IT) disse-me que um dia olharemos para as imagens de crianças com ecrãs nas mãos com o mesmo horror que hoje nos causam as fotografias de menores a fumar ou a trabalhar em fábricas. Se chegarmos a esse dia, ainda haverá alguma esperança

Margarida Davim
Tudo é política

Trabalhos de pobre

A ideia de que o trabalho nos define está, cada vez mais, fora de moda. E talvez haja um lado muito positivo nisso. Mas o desprezo por aquilo que se faz é também um sintoma de uma sociedade deslassada, que endeusa o ilusório mérito individual e perde de vista a força do que se produz num coletivo. Estamos cada vez mais pobres. E é de espírito

Margarida Davim
Tudo é política

A armadilha do senso comum

Quem acredita que a democracia se pode construir como o reino de um “senso comum” guiado pelo “puro bom senso” está, mesmo que não se aperceba disso, a abrir caminho para uma submissão aceite sem crítica

Margarida Davim
Tudo é política

Os filhos são um empecilho

O que é impensável é exigir um sistema justo, com salários dignos e horários regulados. Que o Senhor nos livre dessas utopias. Abençoadas Marias, é vossa toda a glória, mas por agora fiquem-se com a culpa que vos mói quando o relógio bate nas 16h30

Margarida Davim
Tudo é política

Quem não deve não teme?

Há quem não faça ideia de que se pode temer sem dever. E que esse é o verdadeiro perigo e a maior de todas as inseguranças. Talvez hoje nos pareça que não devemos nada a ninguém e que, por isso, estamos a salvo. Mas quando as garantias dos cidadãos se esboroam, ninguém sabe ao certo se deve ou não e todos (ou quase todos) passam a temer

Margarida Davim
Videovigilância | Reconhecimento facial
Tudo é política

Nas nossas costas, enquanto escolhermos não olhar

O sonho de controlo de qualquer ditador passa agora a estar disponível às forças de segurança num dos maiores blocos da democracia ocidental. Alguém se lembra de um debate sobre o tema? Quantos sabiam que estas novas regras estavam a ser cerzidas nas nossas costas? Andamos certamente distraídos. Ou deixámos simplesmente de nos importar?

Margarida Davim
Tudo é política

Nós não comemos gelados com a testa

O que importa a verdade? Nada, porque ela não nos sossega. Se o que nos inquieta é o salário que não estica, o médico que não nos atende, a escola onde falta o professor, a casa que não temos como pagar, a indignação tapa-nos o buraco da alma, o ódio dá-nos o conforto da explicação

Margarida Davim
Tudo é política

Repitam comigo: Não somos bilionários e nunca seremos

A obsessão pelas marcas e pelos sinais de luxo faz parte desta ideologia que nos distancia da nossa própria condição social. No caso dos mais pobres pode ser um IPhone, para os remediados uma viagem a Punta Cana, para alguém um pouco mais desafogado uma refeição num restaurante com estrelas Michelin

Margarida Davim
Carta aos jornalistas
Tudo é política

Para que serve o jornalismo?

Escrevo este texto em dias de grande perturbação para a redação da VISÃO. Vivemos numa enorme incerteza. E haverá quem culpe o mercado, quem nos diga que é o futuro inexorável que aí vem, com os seus algoritmos e inteligências artificiais, quem ache que não faremos falta e quem se regozije com a possibilidade de ver desaparecer quem interroga, quem incomoda, quem escrutina e expõe. A todos gostaria de pedir que parassem para pensar e imaginassem esse futuro sem jornalismo

Margarida Davim
Opinião

Endireita as costas!

“Caladinha é que tu estás bem”, “havias de ser violada por um indiano”, “quando fores raptada logo vês”, “calada, és uma puta”, “tem vergonha”, “tem juízo”. “És bonita, é pena seres tendenciosa”, “deves ter a mania que és inteligente”. As mensagens são constantes, quase sempre acompanhadas de comentários ao aspeto físico, sempre que falo em público para denunciar o racismo, a xenofobia, o ódio e a manipulação. Quando as leio, endireito um pouco mais as costas.

Margarida Davim
Tudo é política

A moral é obrigatória para os pobres

Não é difícil imaginar que Lor Neves tenha de ouvir muitas vezes um “vai para a tua terra”. O que exige muito mais imaginação é pensar que um dos 50 estrangeiros a quem o Estado português deu em 2023 uma borla fiscal de 262 milhões de euros tenha alguma vez ouvido coisa semelhante. Ao todo, estes imigrantes ricos receberam do Estado benefícios fiscais que nos custaram 1,3 mil milhões de euros no ano passado. Mas isso não causa sobressalto

Margarida Davim
Tudo é política

O poder voltou às catedrais

Mesmo que muitas vezes de forma limitada e imperfeita, a democracia é o sistema em que o princípio do voto universal dá poder aos que o não têm. Durante quanto tempo poderemos continuar a usar essa palavra para descrever um sistema em que o poder está nas mãos de um grupo restrito de pessoas que age em seu próprio benefício?

Margarida Davim
Granadas de mão e munições roubadas nos Paióis de Tancos
Opinião

O Presidente Rei era o futuro de um passado que desfizemos

Este país parece órfão, sempre à espera de um pai. Olho para trás cem anos. A História já quase lhe apagou o nome, que resiste em avenidas, cravado na pedra, escrito em moradas, já sem emoção. Sidónio Pais. Alguém sabe quem é? Era um homem numa farda, alto, bonito, de olhos doces

Margarida Davim