Em 1991, ao receber o apoio tácito do PSD e de Cavaco Silva, o Presidente-recandidato, Mário Soares, na comunicação em que anunciou a sua recandidatura, fez uma declaração de princípios, onde lembrou que era “republicano, socialista e laico”. Em 2021, os favores serão retibuídos: o apoio não declarado de António Costa e do (seu) PS ao candidato Marcelo Rebelo de Sousa que, embora embrulhando a frase noutros floreados, se acaba de reafirmar, na sua declaração de recandidatura, “republicano, social-democrata e católico”.
Não é surpresa nenhuma, mas o facto de Marcelo fazer questão de o dizer, não pode deixar de ter a ver com a invocação histórica das palavras de Mário Soares, que pré-anunciavam um segundo mandato mais ideológico e, quiçá, menos colaborante com um primeiro-ministro de uma área politica diferente. É verdade que Costa não se compromete com um apoio mais explícito e que a candidatura de Ana Gomes lhe poderá ser instrumental, caso o segundo mandato de Marcelo seja menos amigável para o Governo: é que Mário Soares obteve a legitimidade de mais de 70% dos votos, enquanto Marcelo, sem a indicação de voto do PS e confrontado com uma candidatura da área socialista no terreno, poderá ter um resultado bem mais modesto. No limite, e num quadro de confito institucional, é completamente diferente estar estribado por 70% ou por 54%, como Ramalho Eanes, em 1980.
Este era o segredo político menos bem guardado do ano. Já em janeiro de 2019, nas Jornadas Mundiais da Juventude, Marcelo se declarara muito feliz por poder receber o Papa Francisco no próximo evento, que se realizaria, em Portugal, em 2022 (devido à pandemia, foi adiado para 2023). Este ano, no célebre episódio da Autoeuropa, o Presidente foi dado como reeleito pelo próprio António Costa, quando este fez votos para que, daí a um ano, ambos voltassem à fábrica de Palmela… para almoçar. Só em outubro de 2017 tinha havido um momento de dúvida, quando o PR, depois dos incêndios do dia 15, disse que não se recandidataria, caso a catástrofe se repetisse, no futuro.
Curiosamente, a dramatização da próxima campanha eleitoral, protagonizada pelo “populismo hard” de Ventura e pelo “populismo soft” de Ana Gomes, pode favorecer alguma mobilização em torno do Presidente-candidato, revalorizando o seu papel como fator de equilíbrio. E, com isso, mobilizar eleitores que, de outra forma, poderiam desvalorizar as eleições e ficar em casa. Ao longo do mandato, montando o escritório na rua, ele fez da selfie um poderoso instrumento político, que lhe permitiu chegar aos portugueses, passando por cima dos partidos e da mediação mediática. O Presidente teve o mérito de descrispar o País e de reconciliar muitos portugueses com a política, voltando a tornar relevante o órgão Presidência da República, até pela forma colaborante mas vigilante como estabeleceu a coabitação com o Governo. Desse ponto de vista, foi um Presidente marcante, presente e interventivo. Mas o “segundo turno” é uma incógnita. Ou não fosse Marcelo… Marcelo.