Tenho um familiar que reside num apartamento de um 18.º andar, com vista para o Tejo. De manhã, quando toma o pequeno-almoço na sua cozinha soalheira, virada ao nascente, costuma comentar: “Ah! Isto é melhor que ser rico!”
Pois. O fisco pensou o mesmo. E quando o Governo alega que a subida do IMI devido à maior valorização da vista e exposição à luz não se prende com razões orçamentais, nem tem por fito um agravamento fiscal – alegadamente, pode acontecer que casas sem esse atributo até vejam reduzir a taxa de IMI… – está a atirar poeira para os olhos. Nenhum Governo vai mexer no IMI para baixar a receita, sobretudo se estiver apertado de trocos. Nem mesmo Mário Centeno é assim tão tótó.
O que se passa aqui, é que o Governo toma uma opção ideológica. Por isso é que é de esquerda, e não de direita. E a esquerda continua a penalizar o património. Afinal, como disse Proudhon, “a propriedade é um roubo”. Mas terá isto a ver com “justiça social”, como justifica o Governo? Nas linhas seguintes, espero demonstrar que não.
Comecemos pela demagogia argumentativa dos contestatários da medida. Então, se alguém tem o “azar” de possuir uma casa com vista ou um bom terraço é agora penalizado por isso? “A que título?”, reclamam. E eu respondo: é penalizado, porque o fisco faz a cobrança tendo em conta o valor patrimonial. E as vistas costumam ser um argumento, usado no setor imobiliário, para valorizar um imóvel. Até na hotelaria há preços diferentes para os quartos com vista de mar e com vista para o saguão. Até aqui, percebe-se.
Mas será que taxar o património (em vez do rendimento, por exemplo) corrige injustiças sociais? Ou, pelo contrário tem potencial para as agravar? Vou pela segunda hipótese. É que pode ter-se muito património e ser pobre, ao ponto de ter de o alienar para poder pagar o imposto. (A lógica que preside ao regresso do imposto sucessório, por exemplo, anunciado no programa do PS, é exatamente a mesma). Ter património não significa que se retire dele rendimento, muito menos ao ponto de colocar em causa o equilíbrio social e a distribuição de riqueza, como parece pensar a esquerda. No limite, um herdeiro pode ver-se incapacitado de receber a sua herança por não ter meios de pagar o imposto que é calculado sobre ela. Terá de a vender, ou parte dela, isto se, e quando, há comprador.
Repare-se bem como os impostos cegos se distinguem dos progressivos, pela sua injustiça: se eu possuir um imóvel que vale mil e o vender, pagando, por hipótese, 10% ao Estado, pago 100 e recebo uma mais valia de 900. Se o imóvel do meu vizinho valer 100 e ele o vender, paga 10 ao Estado e recebe uma mais valia de 90. A taxa continuaria a ser de 10% para ambos – mas o mais rico enriquecia ainda mais e o mais pobre ficava quase na mesma. Uma solução criativa para o IMI seria mantê-lo cativo: o património que não produz rendimento não teria de pagar mais por valer mais – a não ser no momento em que o seu valor se consumasse. No momento da venda, caso houvesse venda, o IMI cativo seria então cobrado. E eu, ao alienar o meu imóvel de mil, talvez tivesse de dar 300 ao Estado. Pelo menos, e voltando ao tal herdeiro, já teria dinheiro para pagar o imposto…
Com a lógica conservadora que a esquerda continua a ter quando trata o património, o que acontecerá, no limite, é que eu, por não poder sustentar, fiscalmente, os meus bens – por exemplo, se não tiver dinheiro para pagar o IMI – terei de me desfazer deles. Vender. E vender a quem? A quem tenha dinheiro. Quem agradecerá esta medida ao Governo socialista, apoiado pelo resto da esquerda parlamentar? Alguém mais rico do que eu. Ainda sempre no limite (mas seguindo um raciocínio que não ficará longe da realidade), com medidas deste calibre, serão sempre os mais ricos a deter cada vez mais património. É com isto que o Governo pretende promover “justiça social” e distribuir riqueza. Pode limpar as mãos à parede.
O meu familiar, esse, terá de mudar o seu estribilho. Morar no seu apartamento, com aquela vista, não “é melhor que ser rico”: o melhor mesmo é ser rico.