
Marcos Borga
Um dos mais saudados momentos do discurso de António Costa, no encerramento do Congresso do PS, foi quando o líder socialista, por «respeito ao direito ao almoço» dos congressistas, anunciou que só falaria de «mais um pilar». Um terceiro pilar, dos seis que compõem o Plano Nacional de Reformas. Com a sua proverbial lucidez, Costa deve ter reparado que seria uma seca falar dos seis, num momento em que já completava uma hora de discurso. Um bom discurso, diga-se, do ponto de vista global e do ponto de vista do Governo. Se a ideia era legitimar a solução governativa encontrada depois das eleições de 4 de outubro, foi o discurso correto. Se a ideia era transmitir uma mensagem de esperança aos portugueses, foi o discruso possível.
O momento menos conseguido da sessão de encerramento, foi o da transmissão das imagens, nos écrãs gigantes, dos banhos de multidão no Porto e na descida do Chiado, em Lisboa, durante a última campanha eleitoral. Para quem não ganhou as eleições, parecia uma ironia preparada pela direita… As imagens fizeram-me recordar, sem querer – e sem necessidade… – os resultados eleitorais… Mas vamos por partes:
Rui Moreira, sempre!
O longo relambório sobre as autárquicas, no discurso final de Costa, serviu para chegar ao essencial: acabar com as confusões no Porto, mostrar quem manda, e conferir apoio a Rui Moreira – não sem lhe enviar o recado de que esse apoio lhe vai custar a inclusão de alguns militantes do PS na sua lista. O resto foi palha.
Europa connosco
Um dos pontos mais fortes – e, talvez, mais irrebatíveis, do ponto de vista argumentativo, do Governo. Recados para a esquerda – «não entramos em bravatas contra a União Europeia» – e para a direita -«não seremos subservientes». Costa pôs os pontos no ii, acompanhados de uma intenção temerária: a de que «a família soaialista euriopeia» tem de dar, por dentro, a volta «à deriva neo-liberal». Na equação de Costa não entra, portanto, o fator dos esgoísmos nacionais… Mas ficam desde já Bloco de Esquerda e PCP a saber: para o PS, a integração europeia e a participação no euro não são negociáveis… (O recado também procura descansar os que ficaram com caraminholas na cabeça, depois do discurso de Assis…)
Sanções é que não!
Costa lança o desafio para que o Parlamento aprove, por unanimidade, um voto contra as sanções europeias. Ora, precisamente, se houver sanções, o diálogo político em Portugal pode mudar radicalmente e aproximar a direita da geringonça, pelo menos no que diz respeito ao relacionamento com a Europa. Porque as sanções também penalizariam o governo anterior que, «sendo filho de boa gente», não deixaria de se sentir. Talvez fosse o clique para que todos os partidos se reunissem em torno de um desígnio nacional. Do ponto de vista da tal «deriva neo-liberal» europeia, não sei se seria bom…
Tiago, amigo, o congresso está contigo
A mehor coisa que podia ter acontecido ao ministro da Educação, Tiago Brandão Rodrigues, era a manifestação ruidosa dos representantes dos colégios privados,
à porta do congresso. O protesto contra a suspensão de alguns contratos de associação provocou um momento emocional que teve o seu climax na defesa firme de António Costa do seu ministro. Foi um dos momentos mais vibrantes da sessão de encerramento e um dos aplausos mais prolongados, quando Costa elogiou a capacidade do ministro em «enfrentar os lóbis». Ainda por cima, aproveitando a ovação a António Arnaut momentos antes, Costa comparou-o, abusiva mas habilmente, ao histórico socialista que, quando fundou o SNS, teria passado por agruras parecidas com as que enfrenta Tiago. (A verdade histórica revela que o único lóbi que Arnaut teve de enfrentar, quando, nas Funções de Ministro dos Assuntos Sociais, fundou o Serviço Nacional de Saúde, foi o do seu colega ministro das Finanças de então, que tentava convencer o primeiro-ministro Mário Soares de que o Estado nunca teria dinheiro para pagar a fatura do SNS…) De qualquer forma, se Tiago Brandão Rodrigues era o elo mais fraco do Governo – e um elemento de quem o PS profundo, por isso mesmo, desconfiava – passou a ser um dos elos mais fortes. Perante a máquina socialista, acaba por sair reforçado. São os tais momentos de coração que, nas palavras de Pascal, «a razão desconhece». Obrigado, manifestantes.
O grilo falante
Francisco Assis entrou vaiado e saiu aplaudido. A sua frontal discordância perante a geringonça foi exposta com civilidade e sem quebra dos laços com o partido. Isso foi apreciado pelos militantes. Assis conseguiu duas coisas que não são de somenos: a de ser ouvido atentamente e a de se constituir como reserva. A não hostilização da sua pessoa – passados os apupos iniciais – indica que o PS vai recorrer à sua liderança se a coisa correr mal. E, mesmo que não corra, o partido aprendeu a respeitá-lo a e a vê-lo como o próximo líder possível, noutro contexto e noutro ciclo político.
O patriarca
António Arnaut, eleito presidente honorário, trouxe-nos um discurso de outra época e fez-nos viajar no tempo. No estilo, na temática, na ênfase. Já ninguém fala assim. E, concorde-se ou não com o conteúdo… que saudades!
O epifenómeno
Daniel Adrião, 48 anos, um antigo rival de António José Seguro na JS, militante da concelhia de Alcobaça e antigo candidato (em 2009) a essa câmara (sem muito sucesso…), resolveu aproveitar o espaço vazio para conquistar tempo de antena, apresentando a única moção global alternativa. Teve esse espaço e desperdiçou-o. A sua guerra é a de modernizar o PS, modificar a lógica da partidarite, abrir a política aos cidadãos não militantes e generalizar as primárias, para todos os cargos políticos. Conseguiu eleger 18 dos 251 lugares da comissão nacional – mas ficou fora da fotografia quando disse às televisões que a sua moção não era de oposição, nem sequer «crítica, mas de massa crítica». Então o que está aqui a fazer? Do ponto de vista mediático, a excessiva cautela em não afrontar o poder constituído fez com que perdesse o interesse. Será que ainda ouviremos falar dele?…