“Não vale a pena o PCP tentar tirar o cavalinho da chuva. Todos, nesta maioria, PS, PCP e Bloco, são responsáveis por este Programa de Estabilidade, por este Programa Nacional de Reformas e por todas as consequências que terão para o País”, disse a deputada Maria Luís Albuquerque, no Parlamento. Aproveitando a metáfora equestre, João Oliveira, do PCP, acusou o PSD de ser o “cavalo de Tróia” que quer introduzir, em Portugal, as malfeitorias congeminadas em Bruxelas. E, à noite, na RTP, Mário Centeno injetava uma dose cavalar de dissimulação ao afirmar que existe “um plano de contingência” para aplicar, caso seja necessário.
Isto é importante: todos os responsáveis do Governo disseram, até agora, que não existe um “plano B” com medidas adicionais. O próprio Mário Centeno dizia, na supracitada entrevista, que o plano B “é cumprir com rigor o plano A” – presumindo-se que o plano A não seria, só por si, razão suficiente para o seu próprio cumprimento… E onde está a dissimulação, ou o gato escondido com rabo de fora? Na semântica! Não há um plano B, mas há um plano de contingência! Ou seja, um plano B com outro nome. Deve haver uma grande diferença entre o plano B e o plano de contingência. Pois, pois. Os Lusíadas também nunca foram escritos por Camões, mas por um anónimo que se chamava Camões…
Nas ruas do País estão distribuídos cartazes do PS, e do Bloco, com dizeres próprios de uma permanente campanha eleitoral. Os do PS dizem “mata”: “Acabar com a sobretaxa do IRS” ou ” redução das taxas moderadoras” e, por baixo, “prometemos e cumprimos”. O do BE diz “esfola”, lembrando a criação da “tarifa social da eletricidade”. E, supostamente, faltam quase quatro anos para as eleições!… Ou não faltam e eles sabem alguma coisa que nós não sabemos?…
Falando de promessas, vale a pena citar um estudo da insuspeita DECO-Proteste sobre a reposição das pensões mínimas. O Governo atualizou o valor das pensões mais baixas, entre as quais as pensões mínimas, bem como dos complementos por dependência e de solidariedade. Repare-se nos novos valores no regime geral de Segurança Social:
Menos de 15 anos de contribuições: € 263 (mais € 1,05); de 15 a 20 anos: € 275,89 (mais € 1,10); de 21 a 30 anos: € 304,44 (mais € 1,21); mais de 30 anos: € 380,56 (mais € 1,52).
Ficamos a conhecer, no mesmo estudo, outros espetaculares aumentos de 81, 7 e 14 cêntimos, respetivamente. Diz a DECO:
“O valor da pensão social do regime não contributivo, a que tem direito quem não descontou para a Segurança Social, atingiu a idade da reforma (66 anos e 2 meses, em 2016) e faz parte de um agregado familiar com baixos rendimentos, passou a ter o valor de € 202,34, mais € 0,81 do que no final de 2015. Esta pensão é complementada com o complemento extraordinário de solidariedade, cujo valor fica em € 17,61 (mais 7 cêntimos), para quem tem menos de 70 anos, e em € 35,20 (um acréscimo de 14 cêntimos), para quem já completou sete décadas de vida.”
Noutros casos analisados, encontramos aumentos de 40 cêntimos, de 73 cêntimos, de 36 cêntimos, de 69 cêntimos e de 98 cêntimos. (A repetição da palavra “cêntimos” em tão poucas linhas pode não ser muito estética, mas fazêmo-la, propositadamente, para parecerem mais cêntimos).
Mais abaixo, o estudo analisa aumentos, esses sim, mirabolantes, de 1,02, 1,09 e, segurem-se nas cadeiras, 1,22 euros! Se o escarcéu todo à volta das pensões era para isto, vou ali, já venho.
Entretanto, o CDS, ufano, obriga o parlamento a votar a sua resolução de rejeição do Programa de Estabilidade (PE), na tentativa de atrapalhar a geringonça governativa. António Costa esfrega as mãos. O CDS está a fazer-lhe um grande favor e a contribuir para a solidez governativa. Costa não se atreveria a pedir aos seus parceiros do BE e do PCP que votassem favoravelmente um documento contra o qual reagem, por respeitar “diktats” de Bruxelas. Mas que lhe dava jeito ter esse compromisso, preto no branco, lá isso dava. Ora, eis que, pressurosamente, o CDS faz o trabalhinho por ele. Como é a direita a forçar a votação, BE e PCP não terão outro remédio senão comprometerem-se com o PE, votando contra o CDS e caucionando, assim, esse mesmo programa. Algo que António Costa agradece. Sim, porque o voto contra a resolução do CDS é um voto a favor do Programa, digam o que disserem Catarina Martins ou Jerónimo de Sousa. E, assim, o Governo consegue um “agrément” que jamais se atreveria a pedir diretamente. “Obrigadinho, Assunção Cristas, fico a dever-te uma!”, é o que bem pode dizer Costa.
As próximas horas, e a votação, podem desmentir estas linhas. Até porque a rejeição do PE não é vinculativa e não obriga o Governo a retirar o documento. Mas qualquer fissura, a este propósito, na “coligação” que mantém o Executivo, expô-lo-á, e à esquerda, ao seu primeiro grande rombo, dando uma vitória inequívoca à direita. Há pouco tempo, Augusto Santos Silva, o n.º 2 do Governo, lembrava, em entrevista à VISÃO, e sobre este tema, que “todos aprendemos com o que se passou em março de 2011”. Queria ele dizer, quando a esquerda votou, ao lado da direita, contra o PEC IV do Governo Sócrates, conduzindo ao derrube do mesmo. Se PCP ou Bloco acompanhassem o CDS nesta votação, a História, não se repetindo, pelo menos imitava-se. E o ministro dos Negócios Estrangeiros estaria enganado. Na prática, a resolução do CDS enfraquece os partidos à esquerda e fortalece o Executivo de Costa. Ora, lá vamos outra vez: como dizia Inês Pereira na farsa de Gil Vicente, e pode repetir o Governo neste caso concreto, “mais vale burro que me carregue do que cavalo que me derrube”.