Movimentos estudantis, elites liberais, católicos progressistas, movimentos sindicais e operários, oposições no exílio e na clandestinidade, a podridão de um regime abjeto e falido, a pressão internacional contra a Guerra Colonial e, sobretudo, a coragem mobilizadora do Movimento dos Capitães definiram os termos do fim da longa ditadura portuguesa e a reconstrução do sistema político democrático. Todos esses grupos e movimentos, civis e militares, mais orgânicos ou inorgânicos, convergiam num ponto que, embora de profundas implicações internas, tinha uma dimensão internacional óbvia: o fim de uma longa guerra, numa geografia dispersa e complexa, enquadrada progressivamente no quadro das tensões bipolares da Guerra Fria, mobilizadora de movimentos independentistas, que legitimamente aspiravam ao controlo dos destinos soberanos dos seus países. A primeira conclusão sobre o 25 de Abril é precisamente esta: a sua intensa dimensão internacional como fator de desagregação da ditadura.
A descolonização, iniciada nos territórios indianos quase uma década e meia antes, mas fortemente acelerada pela declaração unilateral de independência da Guiné-Bissau, em 1973, encerrou cinco séculos de História imperial e abriu portas a um duplo caminho, também ele disputado pelas várias correntes do calor revolucionário: uma plena adesão às Comunidades Europeias e um novo modus vivendi com os países de língua portuguesa.
O primeiro normalizaria a democracia portuguesa num pleno quadro constitucional de matriz ocidental, reorganizando as relações civis-militares, a natureza do modelo económico e aproximando o Estado Social dos padrões médios europeus. Hoje, apesar de geograficamente periférico, Portugal está no centro de todas as políticas da União Europeia, participando ativamente em todos os processos de decisão que a moldam, cumprindo quase 40 anos de uma adesão que transformou radicalmente o País para muito melhor. Qualquer intenção de reverter este caminho só prejudicará os portugueses, e é sobre isso que também iremos decidir quando formos chamados a votar, a 9 de junho, para o Parlamento Europeu.
O segundo, mais sinuoso mas igualmente importante, traria à dimensão externa portuguesa um arco de relações privilegiadas e diferenciadoras fora da Europa, que, já na década de 90, facilitaria o fecho de tantas feridas abertas, ao institucionalizar uma comunidade de países iguais em redor de uma língua, uma História e um futuro comuns. Hoje, com altos e baixos, a CPLP é um exemplo de normalização das relações entre antigos beligerantes, num roteiro de partilhas constitucionais, cooperações militares, ajuda ao desenvolvimento e mobilidade social. Receber, neste dia em que comemoramos os 50 anos do 25 de Abril, os Presidentes da Guiné-Bissau, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, Angola, Moçambique e Timor-Leste tem um significado político de singular relevância.
Mas, além da Guerra Colonial como motivo maior para o derrube do regime e dos eixos externos que a descolonização abriu, há ainda uma terceira linha que releva sobremaneira a dimensão internacional que Abril também acabou por acionar: a inspiração para uma nova vaga de democratização mundial, desde logo a transição em Espanha, passando pelas que se seguiram na América Latina e no Leste Europeu. Autores como Samuel Huntington, Lawrence Whitehead e Geoffrey Pridham exploraram com rigor a importância da dimensão internacional nas transições para a democracia, particularizando o 25 de Abril como o gatilho dessas transformações globais, num progressivo consenso sobre a ampliação dos valores democráticos e dos direitos humanos nas aspirações dos povos, ou das alterações no interior da Igreja Católica como fator de deslegitimação de ditaduras com essa raiz. O contágio, a disseminação, o exemplo e a aspiração passaram a ser dinâmicas também elas inseridas nas sucessivas vagas da globalização política, económica e até comunicacional, para as quais não devemos menosprezar o contributo dado pela Revolução portuguesa e por muitos dos seus protagonistas. Em última análise, isso significa que não só o 25 de Abril foi resultado de uma dimensão internacional como também influenciou o rumo da História mundial dos últimos 50 anos. Talvez seja esta a visão que nos falta trabalhar e projetar – para que o mundo que Abril abriu não volte para trás e o 25 de Abril não deixe de continuar a ser cumprido.
25 de Abril, sempre.
Norte
A Lituânia foi anfitriã de duas importantes cimeiras dedicadas à Ucrânia, uma para a reconstrução das suas redes de transportes, e outra, a Iniciativa 3 Mares, ligando interesses de treze países entre os mares Báltico, Negro e Adriático.
Sul
A África Subsariana tem na União Europeia o seu maior parceiro comercial (China é o segundo), correspondendo em volume de negócios ao que é feito com a Índia, EUA, Emirados Árabes Unidos e Reino Unido em conjunto.
Este
Milhares de georgianos saíram às ruas de Tbilissi em protesto contra uma lei, que acusam de ter inspiração russa e de abrir o caminho à repressão da dissidência. A revolta popular está alinhada com as aspirações de adesão à UE, que já criticou a lei.
Oeste
A aprovação do pacote de ajuda financeira à Ucrânia na Câmara dos Representantes, ao fim de longos meses, não só não está alinhada com Trump, como encarrila, em paralelo, com as decisões do último Conselho Europeu.
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