Os resultados finais das eleições legislativas corroboraram o que já era esperado – André Ventura chegou para ficar. Temos que reconhecer – ele é um fenómeno, um furacão político. Com um partido criado apenas em 2019, e iniciando com um único deputado (o próprio), consolida-se hoje como a terceira força política do país. Portanto, enganaram-se aqueles que, com miopia política ou jornalística, pensaram que Ventura era como um cometa – chega, brilha e desaparece. Fica uma lição: foi um erro crasso subestimar politicamente André Ventura. Agora com um expressivo grupo parlamentar, com capacidade suficiente para dificultar (e muito) a governação da AD, o Chega adquiriu um enorme poder em Portugal e também na diáspora portuguesa.
É importante refletir sobre as razões desta meteórica ascensão da direita radical em Portugal. A pergunta central é: quais foram as razões que levaram as pessoas a votar no Chega?
Desde 1974, a sistémica e impune elevada corrupção económica, promovida ou protegida pelos sucessivos governos, como testemunham os antigos e recentes escândalos. Recordo ainda as seletivas isenções fiscais e os sempre suspeitos ajustes-diretos na contratação pública.
Quem exerce efetivamente o poder em Portugal? O poder político é controlado por uma manietada elite nacional, que defende os interesses dos grandes grupos económico-financeiros internacionais, em prejuízo dos interesses nacionais.
As características do próprio sistema de poder: os líderes partidários, ministros, secretários, deputados são (quase) sempre os mesmos. Neste contexto, predomina um forte clientelismo – ‘jobs for the boys’ -, que faz parte da cultura política portuguesa.
A criativa geringonça. A desastrosa e impopular governança do PS arrastou o (que ainda restava do) BE e o PCP para o fracasso político-eleitoral.
A forma às vezes sobranceira como o Parlamento (principalmente o seu ex-presidente, que pagou um elevado preço por isso) tratou o líder do Chega; daí para a retórica da vitimização foi um passo.
A maneira como o Partido Socialista exerceu o poder nos últimos oito anos (com a complacência do Presidente da República, diga-se): com os eternos e recorrentes problemas de corrupção; arrogância política; negligencia administrativa (‘despachos’ e decisões ministeriais através do WhatsApp); problemas na saúde, educação, habitação, sucateamento das forças armadas e de segurança, etc. Ou seja, o PS estendeu a passadeira vermelha para o Chega.
A eficiente estratégia de poder de André Ventura foi mostrar que ele é diferente, inovador, antissistema, que veio para ‘limpar Portugal’, para ‘varrer’ a sujeira da corrupção. Segundo ele, os portugueses estão cansados de eleger sempre os mesmos do bipartidarismo, com resultados desastrosos para o desenvolvimento económico e social do país. É óbvio que é uma crítica de carácter populista, mas funciona. Como comprovam os resultados eleitorais, o discurso do Chega encanta um enorme segmento da sociedade.
Considerando que o ‘mito sebastianista’ (à espera de um salvador para resolver os problemas do país) tem um papel marcante na construção do imaginário português, o André Ventura é a versão moderna de D. Sebastião. Por este motivo é que mais de um milhão de descontentes escolheram este ‘messias’ para ‘salvar’ Portugal.
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