Em primeiro lugar, uma nota explicativa: este artigo foi escrito em parceria com o cientista social brasileiro Marcos de Araújo Silva, investigador da Universität Heidelberg, colega com quem tenho partilhado inúmeras experiências de pesquisa e publicação de trabalhos científicos.
De que (ou de quem) estamos a falar quando falamos de LGBTQIA+? Neste artigo, divididos em duas partes, vamos explicar esses diferentes grupos sexuais e de género.
No início da década passada, a sigla era somente “LGBT”. Com o passar do tempo, transformou-se em “LGBTI”, “LGBTIQ+” e, finalmente, a partir de 2020, LGBTQIA+. Quais as razões destas mudanças? Uma breve contextualização poderá ajudar-nos a compreender os seus significados e justificativas de mudança.
As denominações LGBTQIA+ representam lésbicas, gays, bissexuais, trans, queer, intersexuais e assexuais; o sinal de adição refere-se às variações e combinações das anteriores. A formulação desta sigla é fruto do cruzamento de três dimensões específicas: orientações sexuais, identidades de género e expressões de género. Ou seja, diferentemente do que muitos acreditam, LGBTQIA+ remete não apenas às dimensões “privadas” da sexualidade, mas incorpora estas três dimensões mais amplas da vida e dos direitos humanos, que não poderiam ser limitadas ao espectro da heterossexualidade, feminilidade ou masculinidade.
Vejamos cada uma delas. As orientações sexuais referem-se aos sentimentos e atrações sexuais de cada pessoa. Já as identidades de género dizem respeito às dinâmicas perceções que cada pessoa possui de si em relação aos géneros masculino, feminino ou ambos. É importante esclarecer que estes géneros são construídos socialmente e não estão vinculados ao sexo biológico de nascimento. As expressões de género, por sua vez, referem-se à forma como as identidades de género são externalizadas socialmente; isto é, como cada pessoa transmite quem é ou em quem gostaria de se transformar, através de suas expressões corporais, modos de se vestir, falar, comunicar, etc. Para algumas ativistas LGBTQIA+, uma drag queen, por exemplo, não deveria ser considerada uma expressão de género, pois refere-se a performances momentâneas que uma pessoa (artisticamente) faz, sem vínculos com a sua orientação sexual ou identidade de género: ou seja, uma drag queen pode ser hetero, gay, bisessual ou assexual, pode identificar-se como homem, mulher, as duas coisas, nenhuma delas e pode ter uma identidade (ou apresentar uma expressão de género) fluída – que varia e transita pelos diferentes géneros.
Nesse ponto, vale a pena lembrar que as sociedades são marcadas, predominantemente, pela hétero-normatividade, machismo, misoginia e outras formas de preconceitos. Estes fatores dificultam ou impedem inúmeras pessoas de externalizar as suas identidades de género como gostariam. Por exemplo, na maior parte dos países, muitas mulheres trans trabalham como prostitutas e, por conta disso, apresentam-se socialmente como “travestis”. No mercado do sexo, muitos clientes preferem fazer programas sexuais com “travestis”, porque supõem que elas/eles não fizeram nenhuma cirurgia de redesignação sexual e que mantiveram os órgãos sexuais masculinos.
Retomemos ao significado da sigla LGBTQIA+. As três primeiras letras são “fáceis” de entender, pois restringem-se às orientações sexuais: mulheres que se sentem atraídas sexualmente por outras mulheres, homens que se sentem atraídos por outros homens e pessoas que se sentem atraídas, simultaneamente, por homens e mulheres. A partir da quarta letra, a sigla adquire uma conotação mais abrangente, pois o “T” refere-se ao heterogéneo universo das pessoas trans ou, como alguns ativistas preferem, ao universo da “transgeneridade”.
Para a Antropologia/Sociologia do género, cisgénero (cis) são as pessoas que possuem uma identidade de género que corresponde ao sexo com o qual nasceram; ou seja, mulheres que nasceram com o órgão biológico-genital feminino e que se identificam como mulheres. Já as pessoas que possuem uma identidade de género que não corresponde ao órgão genital de nascimento são transgénero (trans). Além disso, existem pessoas trans-binárias – que se identificam como homens ou como mulheres – e pessoas trans não-binárias, que rejeitam os binarismos de género e não se identificam nem como homens nem como mulheres. A diferença entre pessoas transgéneros e transexuais é que estas últimas realizaram as cirurgias de redesignação sexual.
Com relação às letras restantes, “QIA”: ‘queer’ são as identidades de género não-binárias e fluidas; isto é, pessoas que rejeitam os rótulos, não se identificam como homens nem como mulheres e que preferem “transitar” entre os géneros, sem se deter a nenhum deles. Intersexuais são pessoas que nasceram com características sexuais biológicas indefinidas ou que não se encaixam nas definições típicas de homem ou mulher: por exemplo, pessoas que nasceram com vagina e pénis, com algum destes dois órgãos (ou ambos) biologicamente indefinidos. Assexuais são as pessoas, de ambos os sexos, que não sentem nenhuma atração sexual, nem por homens nem por mulheres. Por fim, o sinal de adição ao final da sigla envolve variações, como, por exemplo, os pansexuais: pessoas que se sentem atraídas não apenas por homens e mulheres (como os bisexuais), mas que estão abertas a se envolver com qualquer outra pessoa adulta, independente das suas identidades e expressões de género; isto é, a pansexualidade é mais abrangente que a bissexualidade e inclui a atração por pessoas cis, trans, binárias, não-binárias, intersexuais, etc.
(continua…)
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