Em primeiro lugar, são necessários dois esclarecimentos: a) este artigo foi escrito em parceria com a Débora Chaimovitch, minha colega na Ben-Gurion University of Negev, Israel; b) devido às emoções envolvidas, falar deste tema tão complexo de forma isenta não é tarefa fácil.
Como nos ensina a história e a teologia, o atual território da antiga Palestina é o berço das três religiões monoteístas, todas elas diretamente relacionadas com Abraão, da linha genealógica de Noé e Sem. Este patriarca teve primeiro um filho com a sua escrava Agar, de nome Ismael (que está ligado à criação do Islamismo entre os árabes, através de Maomé, no século VII). Depois, com a sua mulher legítima Sara, teve Isaac, ‘pai’ do judaísmo, religião com cerca de 3 mil anos de história e criada através da aliança de Moisés com Deus. Posteriormente, nasceu o judeu Jesus (que marca a nossa era), que se tornou Cristo. Portanto, judeus, cristãos e mulçumanos são, digamos assim, meios-irmãos e Jerusalém é uma cidade sagrada para essas três religiões.
No Estado de Israel – criado pela resolução da ONU, em 1948 – segundo dados do Central Bureau of Statistics, atualmente, a população é composta por 71% de judeus, 21% de árabes (sendo 7% árabes cristãos), 1.5% drusos e outros grupos minoritários, incluindo os cristãos. É, portanto, uma sociedade multi-étnica-cultural-religiosa.
Sendo Israel um país maioritariamente de judeus, é importante analisar a situação dos árabes. Os árabes frequentam escolas, universidades, estão no mercado de trabalho (qualificado e não qualificado) e têm representação política no Parlamento israelita (Knesset). Podemos assim dizer que eles estão bem integrados na sociedade israelense? Nem por isso e estes atuais conflitos testemunham isso.
Uma pergunta que neste momento todos colocam: quais são as causas dos eternos conflitos em Israel? Resumidamente, podemos dizer que é uma luta entre judeus e muçulmanos pelo território (sagrado e não sagrado), poder religioso, político-ideológico, geopolítica e militar – todos esses fatores estão inter-relacionados.
Como tem sido destaque nos meios de comunicação social do mundo inteiro, recentemente eclodiu mais um conflito sangrento entre Israel e Hamas, localizado na Faixa de Gaza. Paralelamente a isto, ocorreu também um caos interno, onde grupos extremistas de árabes e judeus saíram às ruas provocando atos de violência em Lod, Bat Yam, Jerusalém e outras localidades, provocando linchamento, mortes, destruição de casas, templos religiosos, cemitérios, restaurantes e lojas. Estes acontecimentos geraram medo e frustação. É importante admitir que neste conflito e vandalismo urbano ninguém é santo e todos, árabes e judeus, têm as mãos sujas de sangue.
Mas nem tudo está perdido. No dia 21 de maio, na comemoração do ‘Dia de Jerusalém’ (Yom Yerushalayim), por exemplo, na passeata das flores, árabes e judeus saíram juntos pelas ruas de Jerusalém e Haifa, mostrando a todos e ao mundo que, sim, é possível viverem juntos e em paz.

Com o aumento da violência nas ruas do país, grupos voluntários, principalmente organizados por mulheres, começaram a promover encontros e atos de solidariedade para com as vítimas, de ambos os lados, mas com muito mais vítimas do lado dos árabes, como sempre.
Através das redes sociais (principalmente grupos de WhatsApp), várias mensagens foram enviadas, gerando uma rede de solidariedade entre judeus, árabes, cristãos, drusos e outras minorias religiosas que não querem ser inimigos. Grupos espalhados em vários locais de Israel, como em Tel Aviv, Naalel, Hemed e outros lugares, protestaram contra a violência e a exigirem as condições necessárias para poderem (com)viverem juntos novamente e em paz.
A força das palavras. As manifestações são a favor da coexistência pacífica entre todas as pessoas, independentemente da pertença ética e religiosa. As pessoas não querem a guerra, usam uma linguagem de não violência e não buscam culpados (o são dos dois lados da barricada). Entre esses grupos está o movimento Women Wage Peace, que procura encontrar uma solução para o conflito, uma maneira de acabar com esta situação de (histórica) violência em Israel.
Mas quem são as Women Wage Peace? Este movimento nasceu em 2014, durante a Operação Margem Protetora – campanha militar lançada pelas poderosas forças militares israelenses contra o Hamas, na Faixa de Gaza, sob controle político da organização palestiniana. Neste ano, as mulheres judias, árabes e palestinianas marcharam em cidades de Israel e no território da Cisjordânia ocupada. Esse grupo de mulheres realizam inúmeras manifestações com o objetivo de promover o diálogo e a paz entre todos os povos e religiões.
Poderia ser diferente? Ou seja, é possível acabar com este eterno conflito entre religiões tão próximas? Em primeiro lugar, é preciso aceitar que este território sagrado pertence a todos – judeus, cristãos e muçulmanos. É necessário desenvolver um intenso trabalho de cooperação e tolerância entre todos. O atual cessar-fogo entre as forças militares israelenses e o Hamas (Movimento de Resistência Islâmica) é uma esperança; mas, infelizmente, não é suficiente para resolver este histórico e sangrento conflito. Sem diálogo e compreensão de ambos os lados não haverá paz (shalom, salaam).