Conforme nos ensinaram os teóricos fundadores da Sociologia, a religião, como fenómeno social, como subsistema cultural/social, na lógica estrutural-funcionalista, é de primordial importância na análise de todas as sociedades humanas, pois todas elas foram (e são) moldadas pelo pensamento religioso.
No entanto, é importante alertar que, talvez pelo facto de ser um fenómeno extremamente complexo e multidimensional, não há na literatura especializada um consenso sobre a definição de religião. De acordo com os sociólogos clássicos (Weber, Simmel, Durkheim), ninguém é capaz de definir religião de uma forma que seja, ao mesmo tempo, totalizante, precisa e compreensiva. Na verdade, a definição de religião depende sempre do contexto
sociocultural e histórico em que é elaborada e da perspetiva teórica que lhe dá sustentação.
Com base no Estruturalismo antropológico de Lévi-Strauss, enquanto teoria, modelo explicativo e método de pesquisa, a proposta aqui é construir uma visão geral sobre o que é religião, a partir de outros (sub)conceitos associados. Para isso, utilizarei mitemas. Nesta altura, é legítimo o leitor (que resistiu ler o texto até aqui) confuso perguntar: mas afinal o que são mitemas? Eu explico: são categorias conceptuais compreendidas como unidades mínimas, partes fundamentais de uma estrutura narrativa (oral e escrita), que pode ser imaginária ou real, de natureza mitológica ou histórica. Neste contexto, cada mitema, para além do seu significado próprio, específico, deve ser considerado como um fragmento, uma parte, um elemento de um conjunto articulado de significantes, adquirindo um sentido mais completo somente dentro das inter-relações estabelecidas com os outros elementos/partes constituintes de um sistema mais amplo. Por isso, é fundamental estudar a função de cada parte/elemento dentro da totalidade, a relação e o papel que cada um desempenha dentro do sistema cultural-religioso analisado. Os mitemas, quando articulados e inter-relacionados, revelam, exprimem uma ideia, um conceito mais amplo e complexo. Para concluir, podemos dizer que os mitemas são fios que, interligados, emaranhados, tecem uma teia de significados (na lógica de Clifford Geertz), formando um complexo ‘tecido’ cultural e simbólico-religioso.
Vamos então fazer o exercício de tentar esgotar os mitemas, as subcategorias conceptuais que, de forma articulada e aleatória (sem uma ordem pré-definida), formam uma ideia mais elaborada do que é a religião:
Cultura; antropologia; (sub)sistema; contexto social; diversidade; animismo; xamanismo; pajelança; sagrado; profano; totem/totemismo; alma; espírito(s); dualidade bem-mal; energia; invisível; mitos; mitologia; perspetivismo; unidade; coletivo; festividade; música; dança; ritos; rituais; transe; êxtase; imanência; transcendência; cerimónia(s); magia; sobrenatural; espiritual(idade); sincretismo; hibridismo; paralelismo religioso; secreto/secretismo; mistério; misticismo; misterioso; natureza (água, vento, fogo, animais, plantas, minerais, montanhas); encante; espaço sagrado/espacialidade; objetos; símbolos; representações/expressões simbólicas; adoração; invocações; alimento; vida; morte; luto; funeral; sepultamento; túmulos; (in)pureza; mana; maná; poder; encantamento; encantado; sonhos; corpo; corporeidade; sacrifício; universo; cosmos; cosmologia; cosmogonia; mundo; concepção-visão do/de mundo; entendimento; conhecimento; função; representação; incompreensão/incompreensível; inexplicável; sentimento(s); ordem/desordem social; universal(idade); irracional(idade); comportamento(s); ações; infinito/infinitude; finitude; transformação; transubstanciação; sacramento; padrão; dom; carisma; carismático; experiência(s); manifestações; visões; visagem; oferenda(s); temor; medo; terror; superstição; seres/criaturas; existência; emoção; sentidos; orientação; incertezas; impotência humana; motivações; integração/agregação; solidariedade; regulação; intervenção sobrenatural; súplicas; proteção; regras sociais; revelação; performance; mente; saúde; doença/enfermidade; cura; linguagem; oralidade; normas; proibição; tabu-interdito-proibido; antepassados; ancestralidade; transmigração; feitiços; feitiçaria; força; maravilhoso; eficácia; veneração; agentes; entidades; possessão; exorcismo; sentidos; explicação/explanação; sublime; destino; condenação; perigo(so); convicções; atitudes; obrigações; punição; recompensa; sofrimento; intermediação; mediação; iniciação; catarse; desejos; submissão; purificação; profanação; liminaridade (transição); imortalidade; consubstanciação; imaginário; contextualização; incorporação; associação cognitiva; iluminação; consumação; história; tempo(ralidade); civilização; politeísmo; céu; inferno; panteão; deuses(as); divindade(s); númem (poder divino); hierofania (revelação do sagrado); proselitismo; meta-empírico; oráculo; místico/a; dharma; karma; mantra; tântrico; nirvana; monoteísmo; Deus; Bíblia; sapienciais (Sagrada Escritura); decálogo (Mandamentos); profecia; religiosidades; bruxarias; cruz; encruzilhada; arte/estética; património; memória; identidade; referências; reverência; (inter)relações/interações; instituição; hierarquia; estrutura; clero; leigos; seita; denominação; igreja; autoridade; liderança/líderes; filosofia; fenomenologia; livros sagrados; teologia(s); doutrina; ortodoxia; dogmas; ideologia; pensamento; reflexão; comunidade; união; comunhão; re-ligare; ecumênico; comunitarismo; controle social; santos/as; personagens; demónio(s); demonologia; imagens; ícones; vestimenta; indumentária; alegorias; adereços; altar(es); liturgia; conversão; baptismo; reversão; tradição; prática; procissão; culto; missa; peregrinação; templos; santuários; membresia; crente; fiéis; seguidores; devotos; crença; crendices; fé; altruísmo; virtude(s); princípios; valores; moral; ética; respeito; obediência; devoção; pecado; confissão; promessa; metanoia (arrependimento); penitência; epifania (aparição, manifestação); doxologia (manifestação gloriosa); provérbios; louvor; preces; orações; rezas; bênção; benzedura; perdão; paz; conforto; gratidão; aflição; alteridade; benevolência; ideias; alienação; conflitos; numinoso; fascinação; reconciliação; celebração; comemoração; profetas; mestres; guia; ensinamentos; escritura; literatura; textos; sermões; pregação; homília; operadores rituais (sacerdote, padre, pastor, babalorixá, ialorixá, rabino, xamã/pajé, imam, zelador de santo, pai e mãe-de-santo, mestre brâmane, monge, presidente/mediador/facilitador espiritual (ras)tafare, guia, mentor, reverendo, benzedeira); cantos; genuflexão/xório; fundamentos; fundamentalismo; interpretação; esperança; taumaturgia (milagre); manipulação; consolo; esotérico; esoterismo; cânone; leis; exegese; hermenêutica; homilética (arte de pregar através da palavra/retórica); (in)tolerância; introspeção; poética; hagiografia (descrição, história dos santos); anjos; angiologia; médium; mediunidade; mariologia; parusia (advento, segunda vinda de Cristo); escatologia (fim do mundo); teândrico (Deus feito homem); arcano (mistério); soteriologia (salvação); kenosis (esvaziamento espiritual); egrégora (força espiritual formada pela junção das energias geradas pelos elementos de um coletivo); sinergia (cooperação); sinestesia (sensações, perceções simultâneas); descarrego (limpeza espiritual); johrei (religião japonesa, purificação do espírito); sagrado feminino; orixás; voduns; caboclo; candomblé; umbanda; circularidade; tambor-de-mina; batuque…
Para finalizar, deixo aqui um desafio aos leitores (os que resistiram ler o artigo até o fim): através da partilha do artigo no facebook da VISÃO, poderão deixar escritos mitemas, contribuindo, desta forma, na construção de uma mais completa definição de religião.