Cada um é para o que nasce. Ele há feitios para tudo. Embora tenha por princípio questionar mitos e frases feitas, não subestimo a sua validade empírica. Uns sofrem da doença da pressa, mas que agora todos conhecem por stresse. Outros olham para o céu e creem que vai abater-se sobre eles ou que o Apocalipse está perto. A Bíblia das Doenças Mentais (DSM), inventada há quase um século, por um grupo de psiquiatras, para definir e uniformizar os critérios para melhor diagnosticar problemas (e comparticipar prescrições), tem vindo a aumentar substancialmente o leque de perturbações. À luz disto, não admira que haja em cada humano um transtorno ou uma qualquer espécie de defeito de fabrico, a que só falta colocar um código de barras.
Dito isto, falemos de coisas que dispensam nomes novos e já vêm da Antiguidade Clássica. Dos Narcisos aos Dorian Gray desta vida. Daqueles que circulam na estratosfera financeira, política e mediática e se apresentam ao mundo ao som de canções onde que referem “coração de pedra”. E que não percebem o significado da frase que lemos em certos retrovisores: “Os objetos no espelho estão mais próximos do que parecem”. Assumindo que o condutor sabe disto, ele trata de manter uma distância e uma condução seguras, enquanto circula na estrada com os demais automobilistas. Quem padece da Doença do Eu, como agora lhe chamam, pode muito bem cometer o erro de fazer manobras perigosas, presumindo que leva um avanço maior do que quem vai atrás de si, apenas porque, através do espelho, lhe parece mais pequeno (e mais distante). E a partir daqui, tudo, mas mesmo tudo, pode acontecer. Até mesmo o ficar tão focado no espelho que perde a noção do que está à sua frente.
Problemático? Depende do grau em que o “protagonista” for afetado. Ou, bem mais provável, do grau em que afetar os que estão à volta, pois a eles cabe a parte chata, dramática até, de apanhar os cacos e levar com culpas, insultos e outros impropérios. Já agora, é mesmo verdade que o narcisismo se converteu numa epidemia e que estamos na Era do Eu? Ou que os ilustres cavalheiros (na maioria homens, vá-se lá saber porquê) que se reuniram para rever os critérios do DSM se envolveram numa luta de egos quando alguns deles quiseram abolir a categoria? Quando se precisa de caçar admiradores como pão para a boca pensará, secretamente, “Isto não se faz”. Costuma dizer-se que nunca nos devemos meter no meio de um saco de gatos (que também me parece uma expressão infeliz, projetada sobre os pobres felinos). “Que se entendam, desde que eu não tenha de lidar com eles”. O problema é que eles “são mais que as mães”. Se calhar até foi por ser tão normal que alguém pensou não fazer sentido classificá-lo como um transtorno… Bom, “eles andam entre nós” (ou nós temos um pouco deles e não vimos).
5 maneiras de lidar com um narcisista
Como saber que está diante de um e pistas e proteger-se dos danos colaterais que o(a) esperam
Evitar – 1, Ignorar – 0
Estamos a falar de alguém que concentra todas as atenções em si e em provar uma coisa simples. “O meu é melhor que o teu”. E que não olha a meios para chegar aos fins, como no conto infantil: “Espelho mágico espelho meu, há alguém no mundo mais poderoso/belo/grandioso (…) que eu?”
O que pensar: “Claro que há, só tu é que não vês nem aprendes nada com isso. Tanta inflação do ego só revela que aí dentro está um buraco negro e eu não quero ser engolido(a) por ele.”
O que dizer: Idealmente, nada. Quem quer comprar guerras que sabe poder perder à partida? Um oponente sem escrúpulos tende a esmagar a concorrência só para mostrar quem manda ali…
O que fazer: Colocar água na fervura e responder ao repto com um “claro que não” impede que o visado sinta o horror da rejeição e se sinta importante, sem partir a loiça em cima de si
2 Expetativas – 0, Estratégia – 1
Quando perceber que está diante de alguém que tem “umbiguismo crónico” não espere que esse alguém compreenda, aconselhe, escute ou lhe dê atenção, reconhecimento. Do quarto para a rua e para o mundo (redes sociais incluídas), há pessoas que vivem mesmo – e só – de aparências
O que pensar: “Já vi que não és de parar, escutar e olhar, a não ser para as tuas cenas. Não culpes os outros por dizerem mal de ti, devias ter vergonha na cara” (a vergonha é um ponto fraco, sim!)
O que fazer: Em vez de zangar-se, respire fundo, esfrie as ideias e use as fraquezas do “bicho” a seu favor, dizendo-lhe o que pode ganhar com isso. “se fizeres isso vais ser bem visto(a)”. Funciona.
3 Neutralidade – 1, Crítica – 0
São precisos dois para dançar o tango e você não vai querer dançar, acredite. A empatia não é o forte dos nativos da Terra de Narciso. Além disso, eles desconhecem o que é sentir “pesos na consciência”. Podem parecer pessoas admiráveis, mas também são “vilões” incansáveis.
O que pensar: Nada. Limitar-se a deixar que se expressem à vontade sem esgrimir argumentos, o combustível dos “vampiros emocionais”, hábeis na arte de voltar tudo o que disser contra si.
O que fazer: Poupe-se à humilhação de criticar, de fazer queixas, de reivindicar direitos. A vida encarregar-se-á de mostrar como é preferível seguir o lema “pessoa honrada não tem ouvidos”.
4 Agradar – 0, Observar – 1
As fantasias omnipotentes (que revelam o seu oposto, ou seja, sentimentos de impotência) e o levar tudo a peito (por tudo depender de si mesmo, ser em função de si mesmo, etc) transformam um grande sedutor num pequeno ditador insaciável, que nunca se satisfaz nem se deixa satisfazer.
O que pensar: “Arranjar espaço para respirar”. “Mostrar interesse + manter distância”. “Saber o que quero, sem hesitações”. A menos que não se importe de estar no papel de refém.
O que fazer: Não se deixar controlar, apenas estar presente, observar, fazer que sim e seguir em frente; faça o que fizer para agradar, nunca vai chegar e na próxima, será cobrado em dobro.
5 Humor – 1, Frontalidade – 0
Esqueça a teoria “olho por olho, dente por dente” quando tiver de comunicar numa base regular com uma pessoa narcisista que recusa aceitar que precisa de ajuda. Pode até ser… o seu familiar, vizinho, colega, chefe ou parceiro (ou se eles estiverem consigo e não forem os narcisistas…)
O que pensar: “Releva, não caias na asneira de levar esta pessoa a sério como se ela fosse igual a ti; não é apenas infantil, é de quem tem baixo QE (quociente de inteligência emocional)”
O que fazer: “A brincar, a brincar…” A política de redução de danos é por aí. Se disser mesmo o que pensa, faça-o com graça e valorize o interlocutor e os seus troféus (objetos, feitos e… sim, pessoas)