Se sofre de insónia, que afeta um em cada quatro portugueses, tem outras alterações do sono ou dorme com alguém que passa por isso, entre nesta viagem.
Cena 1: O protagonista e o terrorista
Um corpo às voltas na cama… a digladiar-se com o édredon, enquanto vai soltando sons esquisitos. “Nunca vens quando mais preciso de ti” (desabafo ou resmungar de saudade, do Adormecer que não vem). “Grrr, quero que morras!” (insulto proferido à companheira de cama, a Insónia). E logo vem a Fúria, essa grande rival do Sono e, quase sempre, a vencedora deste perverso jogo de forças.
Cena 2: Sede de vingança
Arranjem-se culpados, já, para este estado de sentinela involuntária. É o puto, que acorda a desoras. A pessoa que dorme ao lado e ressona à grande. O cão ou o gato, que saltam para cima da cama depois de retemperarem forças no sofá, ao serão. O camião do lixo. O alarme do carro do descuidado jovem, que chega da noitada à hora que lhe apetece e não tem de trabalhar amanhã. O imbecil do vizinho do lado que passa a noite a usar o autoclismo.
Cena 3: Purgatório
Já tentou os fones e os tampões nos ouvidos: “Não resulta, ou saem a meio da noite ou incomodam e nem isolam por completo o som ambiente.” Já se cansou de dar cotoveladas à pessoa que está ao lado, para mudar de posição e amainar o ronco: “Diz que lhe faço mal e manda-me ir ao psiquiatra.” Já lhe pediu para perder peso, deixar de fumar, de beber e até lhe comprou pensos para manter as narinas abertas. Também acabou mal: “Da greve do sono passei à do sexo, porque adormeci na sala com a TV ligada, que adotei como baby sitter.“
Nota: Já tentou o “sleep divorce”? Não se assuste. Um estudo canadiano da universidade de Ryerson mostrou dormir em camas separadas era uma prática admitida por 40% dos casais e podia, até, melhorar a sua relação conjugal. Outra pesquisa levada a cabo no Reino Unido com mais de mil casais teve resultados idênticos: uma em cada quatro pessoas adotava esta prática para dormir em paz.
Cena 4: Ponto de viragem
Dizem os entendidos que o problema não está nos outros, mas em nós. Até há quem faça hipnose para o queixoso, pela sua sensibilidade e estado de alerta excessivos. “Ah, então eu é que tenho a culpa?!”, deve estar a pensar, com perplexidade e ar de ‘zombie’ (sobretudo se ler esta prosa pela manhã, após outra noite de duelo e tentativas vãs para engrenar nas ondas delta).
Henrique IV da França dizia que se apanham moscas mel, não com vinagre. Para que a sua relação com o Sono não se converta numa lua de fel, comece a ensaiar uma abordagem mais branda e sedutora. Sim, consigo mesmo(a) e ao seu ritmo (se lhe disser “já hoje” só serve para aumentar a pressão e, convenhamos, só resulta se responder bem ao estilo autoritário).
Cena 5: O grande “Ah!”
Experimente tomar as rédeas do seu momento zen. “Então eu é que realizo o filme?” Claro. Eu mesma fui aprendendo a fazê-lo e estou à vontade para partilhar o que consegui – e ainda estou a tentar alcançar – sem ‘vitimas’ nem ‘culpados’ -, com este simples guião de bordo.
O que está a funcionar:
Rituais: Deixar de beber café nas oito horas que antecedem a hora de dormir (inclui a coca-cola e o chá preto, que substituí alegremente pela cevada e as tisanas, quentes ou frias).
Exercício: Alongamentos diários; semanalmente, duas caminhadas (sem hora fixa) e, pelo menos, uma ida ao ginásio (mais alguns exercícios em casa com a ajuda do You Tube).
Anti ressaca: Não ceder à tentação de comer doces e fast food quando a noite foi “aos bocados” (agrava o meu estado de desarrumação mental, os esquecimentos e a dispersão). Em vez disso, recorrer a uma das práticas respiratórias que aprendi nas aulas de yoga (o clássico inspirar, reter e expirar, na sequência 4-2-8 tempos), nos momentos de maior tensão e antes de dormir.
O que posso melhorar:
Tempo em modo ‘off’: A transgredir, que seja em tudo menos na hora de ir para a cama (meia hora antes das sete que preciso para funcionar bem no dia seguinte, em atenção e memória).
Autodisciplina: Ainda sem uma relação suficientemente firme com o móvel, na hora de ir para o quarto; ao ceder-lhe, vou ter de aceitar as consequências do sono profundo alterado.
Mini sestas ou pausas meditativas durante o dia (dentro do carro, por exemplo): Noto logo a diferença quando deixo de as fazer (sobretudo no trabalho criativo e na tomada de decisões).
Créditos Finais
Sinta-se à vontade para fazer o seu próprio guião e partilhar resultados. Pistas adicionais:
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Convide a Insónia para tomar um banho quente ou dar uma volta ao quarteirão consigo, em vez de enfurecer-se com ela (e aumentar os níveis de adrenalina e vigília).
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Reaprenda ficar no momento e a respirar pelo abdómen, como fazia em bebé; só isto é já um convite à entrada em ação do sistema nervoso parassimpático, que é um amigo do Sono.
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Divida tarefas com quem vive consigo, sobretudo na hora de por ordem aos menores lá em casa (com ritmos circadianos tão alterados como os seus e a precisar de orientação).
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Negoceie com quem dorme ao seu lado (“Fecha a persiana e não leias ou jogues no tablet na cama, que eu preciso de escuro; sossega, que eu coloco os tampões e não te chateio”).
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Estude-se e perceba o que funciona melhor para si. Há quem goste de monitorizar o tempo de sono (com ou sem apps) e registar os efeitos no corpo e na mente, até chegar à duração e horário ideal para o seu caso.
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Regule os seus ciclos de sono. Os suplementos de melatonina e valeriana podem ser muito úteis, particularmente se trabalhar por turnos ou fizer viagens de longo curso.
Boa sorte.