“A rentrée política tem sido animada: inclui tensão institucional, silêncio fatal, estupefação, desvalorização e encenação. Assistimos nos últimos tempos a dois animais políticos, mestres em jogos florentinos, a medirem forças e a confrontarem-se na praça pública”, enquadra Mafalda Anjos no arranque do Olho Vivo.
“As placas tectónicas entre os dois palácios estão em ajustamento: cada um está a delimitar bem a sua esfera de competência e atuação. António Costa acredita que tem havido alguma usurpação institucional por parte de Marcelo Rebelo de Sousa, que entra em domínios da competência do Governo. A forma como usa o Conselho de Estado, onde o PS está em clara minoria, como instrumento de exercício de oposição, as suas intervenções públicas permanentes são prova disso. E o corolário foi o caso Galamba, quando o PR pediu publicamente a demissão do membro do Executivo. Este braço de força vai continuar, resta saber até onde, porque nenhum ganha com isso e é a imagem das instituições que sai prejudicada”, acrescenta a diretora da VISÃO. Daí a opção pelo silêncio, que”menoriza o Conselho de Estado”.
Filipe Luís, editor-executivo, concorda. “O Conselho de Estado é o VAR que Marcelo quer usar para confirmar as suas intervenções dentro de campo”, metaforiza. “Costa ficou em silêncio, mas não foi um amuo. Levava aquilo pensado e tinha dois objetivos. O primeiro, frustrar as intenções de Marcelo. Segundo, desvalorizar aquela reunião, desconfiado de que o PR está a usar o CE como arma de oposição. E decidiu: ‘Sou obrigado a estar aqui, mas não tenho que colaborar'”, afirma. “De facto, Marcelo parece querer usar o CE como se fosse uma Câmara Alta… Ora, é duvidoso que aquele órgão deva ser usado para fazer análise sobre as políticas públicas de um governo…”
Uma coisa parece certa: a relação entre os dois palácios mudou de forma expressiva. “O Filipe disse que a relação entre o Presidente e o primeiro-ministro deram uma volta de 180 graus. Mas acho que vão dando voltas de 360 graus. Temos estocadas e alívios de tensão constantes”, aponta o jornalista Nuno Aguiar. “Este teatro começa a ser ridículo. Não consigo sublinhar o suficiente quão desinteressante é tudo isto para a generalidade dos portugueses.”
Para o jornalista de economia, “o silêncio de António Costa não foi um amuo”. “Foi algo premeditado e com significado político. “Mas parece-me que ficou no limiar do desrespeito institucional pelo órgão do Conselho de Estado”, acrescenta.
Medidas fiscais
Em análise estiveram também as medidas apresentadas por António Costa na Academia Socialista, com foco nos impostos e nos jovens. Vêm aí alívios fiscais, conforme tem vindo a sinalizar Fernando Medina e o PSD veio propor.
“Desde abril que, mais do que uma vez por mês, um ministro faz declarações ou dá entrevistas em que anuncia uma descida de impostos. As medidas reveladas ontem por António Costa fazem parte desse ciclo, que ainda culminará com a apresentação do OE 2024, provavelmente com mais algumas novidades no IRS”, antecipa Nuno Aguiar.
“Há um equívoco no debate em Portugal, que é falar de classe média sobre estes alívios fiscais propostos. 70% das famílias portuguesas está no 1º e 2º escalão de IRS. Metade dos agregados não paga IRS. Algures aí está a classe média. Podemos achar que é justo aliviar segmentos da população que quase não tiveram alívio desde a troika, mas estamos a falar de classe média alta, os 25% mais ricos”, avalia Nuno Aguiar. “Para a classe média, teremos de pensar noutro tipo de medidas. Em Portugal não pagamos muitos impostos, o desequilíbrio está na qualidade de serviços públicos que recebemos.
Para Mafalda Anjos, as propostas do PSD foram um passo no sentido certo. “A oposição deve fazer-se assim, com menos bate-boca estéril e com mais propostas e ideias para cima da mesa, que marcam a agenda e o debate público. Mesmo que algumas não sejam exequíveis, como a ideia de baixar o IRS já em 2023, é importante trazer o tema para cima da mesa”, sublinha.
“Montenegro conseguiu marcar a rentrée com o tema dos impostos. A sua primeira ideia de os baixar já este ano está ligada a uma segunda: passar a ser o Parlamento a decidir o que se faz a um excedente orçamenta, o que torna possível a primeira. Os impostos serão o grande tema orçamental e político do ano, a partir de agora”, diz Filipe Luís.
Em análise neste Olho Vivo estiveram ainda a festa do Avante! e as declarações de Paulo Raimundo, a Universidade de verão da Comissão Europeia e o regresso às aulas com um elevador social avariado.
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