Duas audições, duas versões da mesma história. Totalmente incompatíveis, mas internamente coerentes. Frederico Pinheiro e Eugénia Correia apresentaram a sua visão dos acontecimentos das últimas semanas no Ministério das Infraestruturas, com acusações graves de parte a parte, mas que são difíceis de comprovar. Resta uma degradação da imagem das instituições, colocando a nu a falta de profissionalismo no Governo.
“O que as últimas audições na CPI sobre a TAP revelaram foi um striptease moral e administrativo do Ministério das Infraestruturas, mas, ao contrário do que é suposto acontecer nos stripteases comuns, o que está debaixo da roupa não é nada atraente”, refere Filipe Luís, editor-executivo da Visão.
À sucessão de factos que vão sendo relatados pelos dois intervenientes corresponde uma divisão do tema em bancadas, cada um delas aceitando uma das narrativas. “O que assistimos foi a um espetáculo decadente que corrói a democracia. Vimos e ouvimos coisas que destroem a imagem das instituições, do Estado e do Governo. E a futebolização da CPI agrava as coisas: há claques de um lado e do outro, e cada um acredita apenas na versão contada pelo seu lado da barricada. Tudo isto é desolador”, enquadra Mafalda Anjos.
“Há mentiras, contradições, denúncias, mistérios. Histórias que não batem certo, outras que são diametralmente opostas. Já factos confirmados e apurados há ainda poucos… Entre os mistérios, há coisas extraordinárias: apagões de mensagens, câmaras que não funcionam logo por azar no andar em que se passam os factos, telefonemas que se fazem sozinhos, comunicados do gabinete que a chefe de gabinete não sabe nem assinou. E depois há contradições mais ou menos relevantes, como quem bateu em quem naquela noite fatídica; a alegada ameaça com socos do Ministro a um funcionário ao exonerá-lo pelo telefone; a questão sobre se Frederico Pinheiro foi sequestrado ou foi evitado um crime; a vontade firme do ministério em recuperar o computador, sem querer saber do telemóvel; a entrega das notas sem se entregar o documento que serve de prova; o telefonema de Eugénia Correia para o SIRP em que, convenientemente não fala nem de furto nem de roubo do computador…”, elenca a diretora da VISÃO. “Mas o mais grave politicamente está nestas três questões: 1. houve ou não uma tentativa de omissão de informação à CPI; 2. mentiu o Ministro à CPI sobre a reunião preparatória da Comissão Parlamentar com a CEO da TAP; 3. quem contactou o SIS e como é que este interveio neste caso”, conclui.
Para o jornalista Nuno Aguiar, o tema deve ser analisado com cautela, tendo em conta que todos os envolvidos têm interesse na versão à prova de bala que apresentam. “Nós não sabemos o que aconteceu. A história de Frederico Pinheiro é plausível – porque raio é que ele haveria de esconder as notas? -, mas a chefe de gabinete de João Galamba parece ter mais provas, incluindo várias testemunhas”, sublinha. “Faz-me confusão a capacidade de brincar ou desvalorizar o relato de quatro mulheres que podem ter sido agredidas, assim como a total desvalorização da versão de Frederico Pinheiro por causa do que potencialmente aconteceu no Ministério naquela noite.”
De parte a parte há coisas por explicar e atuações inexplicáveis. “Frederico Pinheiro foi homem de confiança durante anos, sucessivamente de três ministros diferentes. Em cinco minutos, passou a ser um perigoso terrorista que ia vender segredos de Estado a potências estrangeiras?”, questiona Filipe Luís. “Não faz sentido. Houve uma obsessão por aquele computador que só é justificada pela existência das notas tiradas durante as polémicas reuniões, e que o Ministério queria ocultar.”
Há muito que ainda não sabemos e talvez nem no final da CPI todos os factos serão conhecidos. Mas isso não significa que não haja já conclusões importantes a tirar. “Sabemos que no mínimo dos mínimos, João Galamba não cumpriu o seu dever de transparência para com a CPI, em relação à reunião com a CEO da TAP. Sobre a existência das reuniões, a natureza das reuniões e quem as promoveu”, nota Nuno Aguiar. “Sabemos que a gestão de informação no ministério das infraestruturas é uma brincadeira. E sabemos que, no mínimo dos mínimos, era um ministério onde o profissionalismo ficava à porta, o sentido de Estado é um conceito vazio e o interesse dos portugueses uma preocupação distante.”
Filipe Luís também considera que já há factos que podemos tomar como garantidos. “Houve omissão, senão mentira, por parte do ministro João Galamba, relativamente às reuniões de 16 e 17 de janeiro, com a CEO da TAP. Houve amadorismo no tratamento de informação classificada que, afinal, estava num único portátil, de um adjunto, sem qualquer proteção especial. E houve prepotência e abuso de poder na forma como o SIS foi ativado”, critica.
A questão da atuação do SIS é especialmente grave para a diretora da VISÃO. “A descrição que Frederico Pinheiro faz da forma como o computador foi entregue, que a VISÃO relatou há duas semanas e que ontem o ex-assessor confirmou, é tenebrosa. A intervenção do SIS deve fazer soar todos os alarme”, refere Mafalda Anjos. “Tem de existir uma Comissão de Inquérito sobre este tema, porque os portugueses têm de saber o que se passou e ser tranquilizados. Num estado de direito nos moldes do nosso, com uma legislação restritiva para as secretas, estas coisas não podem acontecer.”
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