Faz hoje exatamente um ano que o Orçamento do Estado foi chumbado no Parlamento, determinando a queda do governo e a convocação das eleições antecipadas. No mesmo dia em que o novo Orçamento do Estado foi discutido na generalidade na Assembleia da República, onde será confortavelmente aprovado, com um acordo prévio conseguido em sede de concertação social.
“O OE promete ‘estabilidade, confiança e compromisso’ para as famílias e as empresas e assenta sobretudo no mantra das contas certas, mas não convence a oposição: uns querem mais apoios, outros querem mais reformas, outros não se percebe bem o que é que querem”, resume Mafalda Anjos. “É essencialmente um orçamento de equilíbrios periclitantes, com muita filigrana, onde se procura manter as contas certas e reduzir a dívida e ao mesmo tempo compensar as famílias de parte do impacto da subida da inflação e dos juros. É como um copo com água pela metade, que uns veem como meio cheio e outros meio vazio.” Para a diretora da VISÃO, o debate foi fraco, “uma revisão da matéria dada com argumentos batidos de um lado e de outro”.
“Critica-se o líder da bancada parlamentar do PSD, mas não há milagres. Este é um orçamento que, tirando alguns detalhes, o PSD subscreveria. Há muita dificuldade à direita em criticar o documento”, refere Nuno Aguiar.
Para Filipe Luís, editor-executivo da VISÃO, “perante a imprevisibilidade do quadro macroeconómico, o mais certo é o Governo ter de apresentar um Orçamento retificativo, em 2023”. E acrescenta: “seria uma estreia, nos governos de António Costa. Pelo menos, de forma assumida: as cativações já tinham sido pequenos retificativos encapotados… E isto também ajuda a explicar as cautelas e a grande folga neste Orçamento.”
Sobre a importância da redução da dívida, Fernando Medina foi claro. “Anunciou à esquerda que não está disposto a vender ilusões. Traduzindo: é impossível ao Governo repor o poder de compra. Há apenas formas de mitigar os efeitos dessa perda, e talvez pudesse ter ido mais longe”, sublinha Filipe Luís.
Uma nota final sobre o tom das sessões no hemiciclo. “António Costa tem descido muito o nível do debate. Já tinha comentado a vida interna da IL com expressões como lamaçal. Agora, tenta colá-los ao Chega”, aponta Nuno Aguiar.
Outro tema em análise neste Olho Vivo foram as semanas horribilis da Iniciativa Liberal.
O momento é inequivocamente difícil para o partido. Foi a saída mal explicada de João Cotrim de Figueiredo, com uma explicação duvidosa – a necessidade de uma atitude “mais combativa” e “popular” – , foi a sucessão anunciada pelo ainda Presidente e as lutas internas que se seguirão, com Rui Rocha e Carla Castro já na corrida, e por último, foi o facto de a principal medida económica bandeira da IL que é a descida drástica de impostos ter sido descredibilizada pelos mercados no Reino Unido com Liz Truss”, elenca Mafalda Anjos. “Tudo isto deixa mossas no partido, e a saída de João Cotrim de Figueiredo, que é um quadro competente e com boa capacidade de comunicação, vai-se fazer sentir”.
“Fica a imagem de um golpe palaciano. Anunciar uma saída surpreendente e, poucas horas depois, estar a apoiar uma candidatura. Rui Rocha sabia mais do que Carla Castro?”, questiona Nuno Aguiar. “A prioridade parece ser evitar que uma corrente mais libertária e conservadora não domine o partido.”
“A história da saída de Cotrim de Figueiredo está muito mal contada. Mas agora, a IL vai ter de fazer uma escolha. E existe a curiosidade de saber se os temas fraturantes também fazem parte dessa escolha. Questões como o casamento, gay, aborto, a eutanásia, nunca foram problemas para a IL e não é por aí que se distingue do Bloco de Esquerda. Vamos ver se, nesta campanha interna, a IL não vai ter de escolher entre ser mais CDS ou mais BE…”, sublinha Filipe Luís.
“A argumentação da IL, a propósito do fracasso da liberal Liz Truss, faz lembrar a argumentação do PCP em 1989: não foi o comunismo que fracassou na União Soviética, o que houve foi desvios…”, destaca Filipe Luís.
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