24 de fevereiro de 2022 vai entrar para a história como o início de uma guerra na Europa, uma agressão de larga escala, com invasão do território ucraniano que vai muito além das regiões do Dondass tomadas por forças separatistas, numa clara violação da lei internacional.
“Putin, o ex-espião imprevisível, já tinha mostrado antes sobejamente as suas ambições imperialistas. Esta semana, foi mais longe: invocou a alma russa e disse que a Ucrânia não tem legitimidade histórica para existir e que devia fazer parte do espaço russo. O mundo está agora em suspenso tentando perceber que outros planos que pode ter este homem sentado em cima de um arsenal nuclear. Podemos estar a assistir ao início de uma terceira guerra mundial? Putin é um homem com um desígnio, quer restaurar o Império russo”, afirma a diretora da VISÃO, Mafalda Anjos.
O avanço neste momento tem um timing preciso. “Putin decidiu atacar agora porque entende que esta é a sua melhor oportunidade, tendo em conta o atual equilíbrio de forças”, considera Rui Tavares Guedes, diretor-executivo da VISÃO e diretor do Courrier Internacional. “Os EUA ficaram enfraquecidos internacionalmente com a saída do Afeganistão e a Europa encontra-se dividida e dependente do gás russo. Ao mesmo tempo, a Rússia sente-se com força militar e poder económico para enfrentar sanções e o bloqueio internacional. Com a Ucrânia a crescer económica e militarmente, para Putin esta era a sua derradeira oportunidade para não perder a Ucrânia definitivamente – que é essencial para o seu desígnio pessoal de ressuscitar a grande Rússia imperial”, acrescentou.
Os paralelos possíveis com a Segunda Guerra Mundial são inevitáveis. “Desde 1938/39 que a Europa não vivia uma situação como a atual. E há paralelos: uma potência humilhada, depois de uma derrota – a Alemanha 20 anos depois de Versailles, a Rússia 30 anos depois da queda do Muro de Berlim – e uma ambição imperial que define aquilo a que quer então os alemães quer hoje os russos definem como espaço vital”, diz Filipe Luis, editor-executivo. “Temos vários paralelos com a segunda guerra mundial: a anexação da Áustria e a anexação da Crimeia. Os sudetas alemães na Checoslováquia, que Hitler dizia querer proteger, e as populações russófonas das repúblicas no leste da Ucrânia, que Putin quer proteger. A Ucrânia a fazer de Checoslováquia e a Polónia candidata a fazer… de Polónia. Mas aí, seria o tal conflito mundial – como aconteceu então”, sublinha.
Putin, que fez uma impressionante declaração de guerra, irá agora até onde o deixarem ir. “Pode tentar ocupar todo o sul da Ucrânia entre a Transnístria e as repúblicas que agora reconheceu como independentes, isolando a Ucrânia do mar. E nunca escondeu o desagrado pela adesão dos países bálticos à Aliança Atlântica: decerto ambicionaria ligar o enclave russo de Kaliningrado ao território da grande Rússia, o que implicaria a violação das fronteiras de países como a Lituânia e a Letónia, que pertencem à NATO. Seria um conflito mundial”, analisa Filipe Luís.
O jornalista Nuno Aguiar considera que “é uma ilusão achar que será possível alcançar uma vitória rápida pela via económica”. Putin teve bastante tempo para se preparar desde 2014, acumulou grandes reservas e tem uma dívida pública relativamente baixa. “É importante ter noção que não há sanções duras para a Rússia sem dor para o Ocidente. É esse o cálculo que os governos ocidentais estão a fazer”, acrescenta. Um exemplo disso mesmo é a possível exclusão da Rússia do sistema SWIFT de comunicação entre os bancos. Isso dificultaria muito as transações entre a Rússia e o resto do mundo, mas também deixaria os credores ocidentais possivelmente a terem de reconhecer perdas. “Quando um dos lados tem menos a perder, tem sempre mais vantagem”, nota Nuno Aguiar.
Para ouvir em podcast