Tendo já sido declarados os grandes vencidos e vencedores da noite de 9 de junho, tendo o Chega dado um grande trambolhão, o Livre rematado uma bola ao poste, o PS tido uma vitória marginal e a IL conseguido o feito de crescer em absoluto de umas legislativas para umas europeias, gostaria de acrescentar um vencedor a esta lista: o Ministério da Administração Interna do anterior governo.
Apesar das tribulações sentidas na preparação do voto em mobilidade com cadernos eleitorais desmaterializados, seja no próprio dia das eleições, seja nas sessões de formação dos membros de mesa e técnicos informáticos, as mesas de voto em mobilidade funcionaram em larga medida sem problemas. Em 241 freguesias deste país (que tem 3092), houve mais portugueses a deslocarem-se às respectivas assembleias de voto nestas europeias do que nas legislativas. Por exemplo, em Armação de Pêra, no Algarve, votaram mais 1300 pessoas. Se contabilizarmos a diferença de votos entre as duas eleições nessas freguesias chegamos à simpática quantia de 18361 eleitores. Quer isto dizer que podemos afirmar, com segurança, que pelo menos duas dezenas de milhar, e quiçá centenas de milhar de eleitores não tiveram de escolher entre o inconveniente de deixar de passar esse fim de semana como bem entenderam e a abstenção, que se reduziu de 69,3% em 2019 para 62,5% este Junho.
O governo e a CNE realizaram uma divulgação suficiente desta possibilidade. Também os partidos, em particular a Iniciativa Liberal, com um elevado sentido cívico, mobilizaram os seus aparelhos de comunicação para apelar ao voto antecipado (que contou com mais de 225.000 votos em urna) e para a sensibilização relativamente ao voto em mobilidade, com o slogan “Agora podes votar no Campo/Praia”. E foi mesmo isso que aconteceu, como mostrarei no final deste artigo.
Considero isto uma vitória do ponto de vista da maturidade da nossa jovem democracia. Tornar a votação o mais fácil possível, sem comprometer a sua integridade e sigilo, é o mínimo que se pode exigir a um país que lamenta inexoravelmente os valores da abstenção após cada ato eleitoral. Penso que estamos nas condições de consolidar este modelo de votação e de testar novos avanços, nomeadamente o boletim de voto eletrónico (que permitirá alargar a votação em mobilidade para eleições multicírculo como é o caso das legislativas, até mesmo votar para as autárquicas fora do próprio concelho) onde se votaria numa máquina e não inserindo o voto numa urna, como primeiro passo, até chegarmos ao voto remoto que já é prática comum, por exemplo, na muy digital Estónia. Alerto apenas para o quão fundamental é o gradualismo da transição e a formação da população para as alterações, pois mais do que viabilidade técnica, é necessário garantir a confiança coletiva no processo (cada um acredita não apenas na integridade e sigilo do seu próprio voto, mas também no de todos os outros), tornando-o hermético não apenas à fraude, como também à suspeita de fraude, que é uma ameaça à própria democracia.
A título de curiosidade, deixo o leitor com a lista das 21 freguesias onde se deslocaram mais eleitores para votar do que os eleitores recenseados nas mesmas, talvez por serem locais particularmente apetecíveis num fim de semana prolongado de junho. Baptizemo-la de seleção Boa Cama, Boa Mesa (de voto):
21º: Giões (Alcoutim, Faro) – 154 Votos / 153 Inscritos (100.65%)
20º: Santiago Maior (Castelo de Vide, Portalegre) – 256 V / 254 I (100.79%)
19º: São João do Peso (Vila de Rei, Castelo Branco) – 113 V / 112 I (100.89%)
18º: Santa Maria de Marvão (Marvão, Portalegre) – 315 V / 312 I (100.96%)
17º: Aldeia do Mato e Souto (Abrantes, Santarém) – 668 V / 660 I (101.21%)
16º: Cepos e Teixeira (Arganil, Coimbra) – 197 V / 193 I (102.07%)
15º: Malpica do Tejo (Castelo Branco, Castelo Branco) – 351 V / 342 I (102.63%)
14º: Santiago de Montalegre (Sardoal, Santarém) – 240 V / 233 I (103%)
13º: Pessegueiro (Pampilhosa da Serra, Coimbra) – 138 V / 132 I (104.55%)
12º: Medelim (Idanha-a-Nova, Castelo Branco) – 194 V / 180 I (107.78%)
11º: Altura (Castro Marim, Faro) – 2083 V / 1917 I (108.66%)
10º: São Cristóvão (Montemor-o-Novo, Évora) – 489 V / 443 I (110.38%)
9º: Cadafaz e Colmeal (Góis, Coimbra) – 310 V / 280 I (110.71%)
8º: Campo do Gerês/São João do Campo (Terras de Bouro, Braga) – 189 V / 169 I (111.83%)
7º: Fajão-Vidual (Pampilhosa da Serra, Coimbra) – 279 V / 229 I (121.83%)
6º: Monsaraz (Reguengos de Monsaraz, Évora) – 752 V / 582 I (129.21%)
5º: Arga (Caminha, Viana do Castelo) – 244 V / 184 I (132.61%)
4º: Porto Covo (Sines, Setúbal) – 1272 V / 941 I (135.18%)
3º: Alcongosta (Fundão, Castelo Branco) – 551 V / 383 I (143.86%)
2º: Comporta (Alcácer do Sal, Setúbal) – 1429 V / 973 I (146.87%)
1º: Piódão (Arganil, Coimbra) – 295 V / 134 I (220.15%)
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