O dia 8 de Março, como data que assinala as conquistas políticas da luta feminista, foi oficializado pela Organização das Nações Unidas em 1975. No entanto, a sua história é mais longa e está intrinsecamente ligada à luta das mulheres operárias. Nas vésperas da Revolução Russa, tanto nesse país como no resto da Europa, milhares de mulheres se agitavam nas ruas, manifestando-se contra as longas horas de trabalho, as condições laborais perigosas e os salários desproporcionais face ao dos homens e, ao mesmo tempo, contra a miséria e a guerra que assolavam a Europa. Neste contexto, Clara Zetkin, marxista e revolucionária, será uma das principais proponentes da criação de um dia dedicado à luta das mulheres, salientando as especificidades da mesma, indissociáveis da luta por um mundo mais digno. O dia das mulheres não é – e nunca foi – dia de receber flores e presentes cor de rosa ou uma celebração apolítica de supostas virtudes femininas. Pelo contrário, é – e sempre foi – uma jornada de luta das mulheres subalternizadas, violentadas, vítimas de preconceito e de discriminações múltiplas.
Olhemos, então, para Portugal. Percorremos um longo caminho para aqui chegar: podemos traçar as origens da luta feminista até às mulheres sufragistas e republicanas do fim do século XIX e início do século XX, passámos por uma longa ditadura fascista durante a qual as mulheres participaram ativamente na resistência, integrando os mais diversos movimentos políticos. Depois de 1974, a força das mulheres foi determinante para garantir a consolidação de direitos políticos e sociais e no combate ao preconceito e à violência numa sociedade persistentemente patriarcal. Já quase no século XXI, contando com o contributo fundamental do Bloco de Esquerda, a violência doméstica torna-se crime público em Portugal, garantindo
que a violência entre um casal se tornaria num assunto de toda a sociedade e não seria mais matéria remetida somente para a esfera pessoal. Anos mais tarde, já em 2007, no segundo referendo relativo à Interrupção Voluntária da Gravidez, o sim triunfa de forma definitiva. As mulheres portuguesas tornaram-se finalmente donas dos seus próprios corpos.
Hoje, chegadas a 2023 e conscientes do longo caminho trilhado, sabemos igualmente que ainda há muito por fazer. O feminicídio persiste sendo o crime que mais mata no nosso país. No ano de 2022, segundo a Comissão para a Igualdade de Género, Portugal registou 28 mortes por violência doméstica (24 mulheres e 4 crianças). Um número que, ano após ano, teima em não baixar. Já a desigualdade salarial, mantém-se à volta dos 13%, o que corresponde a quase cinquenta dias de trabalho não remunerado. Se estas são algumas das
faces mais palpáveis da desigualdade de género, conhecemos e vivemos muitas outras. O assédio, a violência e importunação sexual, a desvalorização das nossas capacidades e trabalhos, o mansplaining ou mesmo o medo de andar sozinhas à noite na nossa cidade. São estas algumas das faces que tão bem conhecemos de uma sociedade patriarcal.
Dia 8 é, assim, dia da luta das mulheres, no plural. Pensamos o feminismo como representação da pluralidade das mulheres, da soma de diferentes resistências e opressões. Se queremos libertar todas as mulheres, precisamos de combater todas as desigualdades de que são vítimas: o machismo, o capitalismo, o racismo ou a LGBTfobia. Por isso, o nosso feminismo só pode ser interseccional, porque pensar questões de género é necessariamente traçar uma análise também que considere questões de classe, raça, orientação sexual e identidade de género. Assinalando mais um Dia das Mulheres, terminamos com um velho
slogan, que não perdeu a sua atualidade: Não queremos flores, queremos direitos!
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