Discutimos por estes dias o Orçamento do Estado (OE) para 2023. Numa altura de inflação, este é um Orçamento que protege e apoia as famílias e as empresas. Tal acontece não só atualizando as pensões em linha com a inflação, entre a meia-pensão antecipada já para outubro e os aumentos mensais a decorrer no próximo ano, como também pelo aumento acima da inflação do indexante de apoios sociais e mais de 8 mil milhões de euros em medidas para combater a escalada dos preços da energia, sobretudo junto das empresas.
Para além destas medidas conjunturais, de “penso rápido”, o mais importante ângulo de análise é, porém, se este é um Orçamento reformista e que responde, assim, aos desafios estruturais que o nosso País enfrenta.
Naquele que é o combate das nossas vidas, contra as alterações climáticas, os preceitos de orçamentação verde da Lei de Bases do Clima são implementados já neste primeiro OE desde que ela foi aprovada. Tendo apenas metade das entidades respondido, pode-se já identificar 616 medidas e programas relacionados com política climática, numa dotação total de 2519,5 milhões de euros, sendo 72% dedicado à mitigação e 28% à adaptação.
A pobreza é também uma chaga que tanto fere o nosso conceito de sociedade decente como atrasa o desenvolvimento da nossa economia. Entre 2015 e 2019, 700 mil pessoas saíram da pobreza. Todavia, a pandemia fez recrudescer a pobreza em outras 270 mil pessoas em 2020, esperando-se para breve os números de 2021. Esta é uma clara aposta do Governo neste Orçamento, com destaque para o combate à pobreza infantil, onde 480 mil famílias terão mais abono de família e 150 mil famílias verão a Garantia Infância subir de 70 para 100€ por mês. Também a ação social é reforçada, para que as IPSS possam melhor socorrer as necessidades sociais do nosso país.
Esse investimento social tem como gémeo indispensável o investimento no Serviço Nacional de Saúde, que é reforçado em 117 milhões, permitindo acabar com a crónica suborçamentação desse Ministério. Bem sabemos que “atirar dinheiro” ao SNS não resolve todos os problemas na saúde, mas sem esse reforço dificilmente outras medidas de gestão os conseguiriam resolver sozinhas. Outros reforços orçamentais poderiam ser referidos, como o que se verifica na Cultura, com um reforço de 23%, o que equivale a 141 milhões de euros.
A oposição costuma criticar o Governo socialista afirmando que é preciso criar riqueza antes de a distribuir. Finge ignorar que o crescimento entre 2015 e 2019 foi sete vezes maior do que nos 15 anos anteriores. Omite que Portugal é o país da UE que mais cresce em 2022, permitindo-lhe alcançar uma recuperação maior do que a Zona Euro. Todavia, não nos podemos dar por satisfeitos. É preciso crescer mais e, para isso, precisamos de empresas com mais investimento e maior capitalização.
Este é também um Governo reformista nos incentivos ao investimento nas empresas. É duplicado o montante de lucros abrangidos pela taxa reduzida do IRC, de 25 para 50 mil euros e, no interior, essa taxa reduzida de IRC baixa de 17 para 12,5%. Às 110 mil empresas apoiadas por estas medidas, somam-se aquelas que vão beneficiar do novo incentivo à capitalização das empresas, que deduz 4,5% dos aumentos de capital, e do reforço do regime fiscal de apoio ao investimento, que permitirá deduzir mais 5 pontos percentuais dos investimentos que as empresas fizerem. Estando nós, pela primeira vez em muitos anos, perante um investimento que se prevê crescer menos do que o PIB, este é um estímulo importante para que as empresas continuem a semear o seu futuro.
Todavia, a melhor garantia do futuro da nossa economia é, mesmo, a aposta decisiva deste Orçamento nos jovens – desde a escola ao trabalho, sem esquecer os desafios da habitação e da parentalidade.
No ensino superior, ao congelamento das propinas somam-se um avanço muito significativo à ação social, com as bolsas a crescerem em número e montante (10%), com especial prioridade ao alojamento estudantil – não só com o arranque das obras do PRR como também, o aumento do complemento de alojamento, de 13 para 48 mil estudantes deslocados e de 221 para 263€. Este avanço dá inicio a uma legislatura onde nos comprometemos em baixar as propinas e duplicar o número de camas disponíveis em residências estudantis.
A situação da habitação para estudantes e jovens não tem solução rápida e fácil devido ao tempo que demoram as obras habitacionais (ainda para mais, e por bons motivos, as públicas). Estamos, porém, a dar passos concretos para a resolver o mais depressa possível. Este ano prosseguem os investimentos para a construção do parque habitacional público mas há uma tentativa de conseguir responder no imediato, com o Porta 65 Jovem a ter um reforço de 30% da sua dotação orçamental, no mesmo ano em que os seus valores de renda máxima se compatibilizam com aquelas que são praticadas no mercado.
Também na parentalidade, o Governo optou por uma resposta a duas velocidades – a criação de mais vagas em creches, no médio prazo, mas o alargamento da gratuitidade das creches, que passará de 37 para 70 mil crianças este ano, não só pelo alargamento do universo abrangido como também pela inclusão do setor privado no âmbito dessa gratuitidade sempre que não houver vagas no setor público.
Se a democratização do ensino, da habitação e do acesso a creches não fossem reformas bastantes, é absolutamente decisivo o contexto deste Orçamento a nível salarial. O Governo, afinal, conseguiu celebrar 2 acordos em matéria salarial – com os funcionários públicos, o primeiro em 23 anos, e com a concertação social, num caso único tanto na história de Portugal como na atual conjuntura europeia.
Muitos quiseram desvalorizar o acordo – que prevê a subida dos salários em 20%, quando a inflação para o mesmo período se estima em 10%. Muitos quiseram mesmo dizer que era trocar receitas fiscais garantidas por valorizações salariais incertas – como se numa economia de mercado fosse normal impor aumentos dos salários por decreto. Mas o mais curioso é que ninguém critica a substância das medidas acordadas – seja o incentivo que cobre metade dos custos das empresas com os aumentos salariais, seja a atualização de escalões, a reforma do mínimo de existências, o reforço do subsídio de alimentação, a reversão dos cortes no pagamento das horas extraordinárias, a menor carga fiscal sobre o trabalho ou, mesmo, o instrumento para apoiar a contratação de jovens por salários superiores a 1320€.
A ausência de críticas na substância é, mesmo, uma ausência de alternativas. Se isto não é uma reforma, o que é? Se isto vai deixar tudo na mesma, o que faria a diferença? O reconhecimento do avanço não é a antevisão de que estas solucionarão tudo. Antes pelo contrário, é a obrigação que temos perante os milhares de Anas dos Olivais. Mais do que uma rábula sobre os protagonistas políticos da sua vida ou um resumo dos seus problemas, as Anas de todas as gerações e localidades podem encontrar neste Orçamento reformas concretas para que este seja um país não de baixos salários mas de futuro e oportunidades.
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