As últimas semanas foram palco de acontecimentos insólitos no campo da saúde, que nos devem preocupar. A sistemática imaturidade dos nossos dirigentes de saúde em lidar com problemas e a incapacidade do sistema de saúde se reformar a si próprio não auguram um bom futuro para um SNS com filas de espera intermináveis e danos escondidos da pandemia que ainda estão por levantar.
O mais recente foram as inenarráveis declarações do presidente da Sociedade Portuguesa de Virologia, Vitor Duque, entre outros, sobre o novo surto da varíola dos macacos, que se apressou mais em atribuir risco e causas de infecção à comunidade homossexual masculina, só porque alguns dos primeiros casos foram de facto em elementos desta comunidade, do que em alertar para os comportamentos de risco e para a prevenção do contágio. Já vão longe os anos 80 onde este nível de incompreensão vertia para cartazes que diziam “AIDS cures homossexuality”, mas infelizmente continuamos, por vezes, a ser transportados para o século XX.
O segundo caso que importa assinalar foi a tentativa de introdução do IVG no painel de indicadores dos médicos de família. Entre os muitos indicadores disfuncionais que já vigoram em vários pontos do nosso sistema de saúde, este KPI passaria a descontar ao prémio de cada médico cada vez que uma utente sua realizasse uma interrupção da gravidez. Queremos que o aborto seja o mais raro possível? Óbvio que sim. Queremos penalizar os médicos que trabalham em zonas que têm taxas base naturalmente superiores? Queremos introduzir um incentivo pernicioso para que o médico condicione a decisão da utente? Certamente que não.
No rescaldo da pandemia, importa preparar o ordenamento jurídico para que a reação pública a um evento desta natureza seja previsível e tenha sustento legal. Tal motivação resultou, para já, e bem, num anteprojeto de Lei de Proteção em Emergência de Saúde Pública. Os conteúdos deste anteprojeto, no entanto, devem ser fonte de preocupação a qualquer pessoa que preze a sua liberdade. Não fomos capazes de compreender que medidas foram eficazes durante a pandemia e todas as medidas foram liquefeitas num cocktail que se afigura agora neste documento. Este anteprojeto concede ao Governo o poder de, sozinho, determinar a permanência de pessoas em suas casas, fechar estabelecimentos, limitar circulação de pessoas, requisitar bens e serviços para uso discricionário e condicionar o acesso a estabelecimentos. Não deve ser possível que liberdades e direitos sejam alterados sem um consenso muito mais alargado das instituições políticas, nomeadamente o Presidente da República e da Assembleia da República.
A pandemia deixou consequências indeléveis no sistema de saúde português, mas não parece ser prioridade deste governo mitigá-las. Quando prevemos recuperar as filas de espera, fazer os diagnósticos que ficaram por fazer? E a saúde mental? Quando praticamente suspendemos um sistema de diagnóstico e tratamento de doenças crónicas para nos dedicarmos com grande enfoque no COVID, estamos a adiar e a encarecer problemas de saúde. É urgente endereçar esta pandemia silenciosa e mobilizar o sistema de saúde como um todo, o que inclui o setor privado e social, para recuperar o que ficou por fazer.
A Iniciativa Liberal fez o seu papel em sede de Orçamento de Estado, com o combate ao regime de dedicação exclusiva, o acelerar da implementação das unidades de Saúde Familiar tipo C, a criação da possibilidade de cada Português procurar o seu próprio médico de família, e a abertura dum concurso público internacional de prestadores de saúde para responder ao atraso em consultas e cirurgias no SNS.
Quando vamos reconhecer o verdadeiro papel do Estado em garantir, por um lado, a soberania, através da Justiça, Defesa e Segurança, e por outro, a dignidade e liberdade dos cidadãos, pela Educação e Saúde, independentemente do prestador dos mesmos? Para quando uma Saúde do século XXI?
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