Em março de 1962, as ruas, alamedas e praças da cidade de Lisboa encheram-se de milhares e milhares de jovens que não aceitavam mais um Ensino Superior repressivo, acorrentado pelo fascismo e com medo dos seus próprios estudantes. Como rios, os e as estudantes levaram o curso da história nos seus braços e fizeram tremer o bolorento Estado Novo. Desta feita, o regime soube que os jovens não aceitavam mais cargas policiais, prisões de colegas e eleições roubadas para as associações de estudantes. Os e as estudantes são e foram sempre insubmissos. Sessenta anos depois, ainda há tanto por fazer.
Tudo começou com a proibição das comemorações do Dia do Estudante por parte do regime. A esta afronta, os e as estudantes responderam com uma enorme manifestação para assinalar este dia, seguida de uma greve geral às aulas – o luto académico -, greves da fome e um grande número de manifestações que ocuparam a Alameda da Cidade Universitária e cujas fotografias marcam, até hoje, o nosso imaginário da resistência antifascista. Durante estes três meses de profundas convulsões políticas nas universidades, foram milhares os estudantes agredidos e detidos. Só a 11 de maio, naquela que pode ser considerada uma das maiores operações policiais realizadas durante o Estado Novo, estimam-se que tenham sido 1200 os jovens presos.
Em 1969, as massas estudantis, particularmente em Coimbra, voltam a fazer tremer o podre regime salazarista. Após verem o direito de intervir numa cerimónia de inauguração em Coimbra negado, os e as estudantes mobilizaram-se em massa. A esta expressão da justa indignação, o regime respondeu com prisões de estudantes pela PIDE e a incorporação militar e envio para a Guerra Colonial de diversos dirigentes académicos. A contestação seguiu-se com o luto académico, intensos debates, ocupações e manifestações. O regime responde com polícia e violência, percebendo que a força da luta dos estudantes era tão perigosa como imparável.
Neste ano de 2022, a data redonda do Dia dos Estudantes coincide igualmente com os cinquenta anos do dia 12 de Outubro de 1972, que ficará para sempre marcado pelo cobarde assassinato de José António Ribeiro Santos. Nesse dia, com os seus camaradas, havia-se dirigido à Faculdade de Económicas, para uma ação política relâmpago de protesto contra a Guerra Colonial. A PIDE apareceu, a confusão instalou-se e Ribeiro Santos foi assassinado com um tiro por um agente da polícia política. Com apenas 26 anos, morreu a resistir contra uma guerra assassina e contrária aos ventos da História e a lutar por um país livre e justo.
Ao mesmo tempo, por coincidência, calhou que, neste 24 de março, assinalássemos igualmente o dia em que a nossa Democracia se torna, finalmente, mais longa que os 48 anos de calvário do Estado Novo. Chegados aqui, sabemos que nada nos foi oferecido: a Escola Pública, o Serviço Nacional de Saúde, a Liberdade e o Estado Social. Conquistas que nos chegam pela mão de resistentes antifascistas – mulheres, homens, estudantes e trabalhadores. Chegam-nos pela mão de Ribeiro Santos e de milhares de resistentes anónimos, mas também de Humberto Delgado ou Bento Gonçalves.
O 25 de Abril de 1974, esse dia inicial inteiro e limpo, abriu-nos as portas de um caminho que, no entanto, sabemos ainda não ter chegado ao fim. Com avanços e recuos nos últimos 48 anos, a concretização de um Ensino Superior verdadeiramente público, gratuito, democrático e livre de todas as opressões ainda não chegou. No início dos anos 1990, a introdução da propina veio impor uma barreira elitista no acesso ao Ensino Superior. Esta proposta encontrou a resistência incansável dos e das estudantes que, uma vez mais, se mobilizaram em grandes manifestações, ocupações e greves com um lema muito claro: não pagamos. Aqui continuamos, a exigir o fim da propina, a democratização do Ensino Superior, o fim das universidades-fundação, o aumento da ação social, o fim do fosso salarial nas instituições de Ensino Superior, a descolonização curricular e o aumento da oferta de residências universitárias. 60 anos depois, a luta continua.
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