Cresci com o mito de que os jovens não se interessam por política. Estavam, alegadamente, demasiado absortos pelas banalidades do quotidiano, as efemeridades que se sucedem umas às outras sem real importância significativa.
Isto não me tem parecido mais longe da verdade. Se é verdade que a desacreditação da mudança positiva através da política tem sido um fenómeno transversal na sociedade, também é verdade que têm sido os jovens cada vez mais a protagonizar as grandes causas do futuro criando movimentos sociais ( Fridays for Future, Black lives matter, etc), formando associações, juntando-se a partidos. Temo-nos recusado sistematicamente a abrir mão de nos pronunciarmos sobre o nosso futuro, de inverter o sentido da mudança de um mundo que se move a uma velocidade cada vez mais alucinante.
Talvez isso tenha acontecido porque sabemos, enquanto jovens, os desafios que temos pela frente. A vida tradicional que esperava os nossos pais como uma sucessão lógica de caminho imbuído no tecido social- o “sucesso” de ascensão no mundo capitalista cada vez mais se afasta do nosso horizonte.
A centralidade do trabalho na vida das sociedades contemporâneas revela como este será uma questão fulcral das nossas existências, do nosso futuro. Além de sabermos que o ensino universitário ( que se tem vindo a elitizar crescentemente) já não é garantia de entrada segura no mundo profissional, temos assistido a uma reconfiguração deste novo universo, dando novas caras à precariedade- rostos e histórias que se assemelham assustadoramente às nossas.
Temos assistido à generalização da precarização do trabalho e à individualização das relações laborais (o mundo digital tem desformatado as relações de forma sem precedentes), o que tem inevitavelmente acantonado os jovens em mercados de trabalho caracterizados por empregos precários, salários baixos e escassas oportunidades de construção de percursos profissionais estáveis.
A ansiedade causada pelas perspetivas da nossa inserção no mercado de trabalho são exponenciadas pelos problemas da crise da habitação, pela consciência coletiva do caos climático que assolam as nossas sociedades, tal como pelo modo como a vida moderna e a inovação tecnológica tem potenciado problemas de saúde mental, consequência também da teia opressiva que compõe o “capitalismo de vigilância” ( termo usado e popularizado pela acadêmica Shoshana Zuboff que denota um novo género de capitalismo que monetiza dados adquiridos por vigilância).[1]
Não escolhemos enfrentar e viver um conjunto de crises que moldou o nosso presente: a social, a climática, a económica e, mais recentemente, a pandémica. No entanto, todas estas crises são oriundas do mesmo sistema que somente se tem vindo a fortalecer com estes fenómenos e a demonstrar como está a funcionar melhor do que nunca. A pandemia veio reforçar a desigualdade social- num período de devastação económica e social, a riqueza e o número de bilionários tem apenas crescido, tornando-se evidente as assimetrias que compõem a nossa rede sócio-económica.
Talvez por todos estes motivos tenhamos entendido que não nos podemos abster de tomar a política pelas nossas próprias mãos e ter um papel ativo na organização social do mundo que nos rodeia- sem dúvida, uma forma de o reorganizar, de lhe dar sentido. A transformação social nunca aconteceu a partir de um grupo de pessoas iradas com o estado das coisas- sempre foi preciso que elas se unissem, organizassem, disputassem com a sociedade a natureza dos seus problemas.
Chegámos ao ponto de findar a “política dos grandes” e a “política dos pequenos”. Nunca fez mais falta que pessoas de todas as gerações, de múltiplos contextos, se unissem em torno duma mesa para discutir os problemas que são transversais a todas nós. E, a partir daí, mudar o mundo.
[1] Greene, Jay, and Nitasha Tiku. “The Pandemic’s Billionaire Boom.” The Seattle Times, The Seattle Times Company, 15 Mar. 2021, www.seattletimes.com/business/the-pandemics-billionaire-boom/.